Decodificaçãode signos não é leitura

DECODIFICAÇÃO DE SIGNOS NÃO É LEITURA

A leitura é uma das habilidades mais importantes e fundamentais que podem, e hoje, mais do que nunca precisam ser desenvolvidas pelo ser humano. Partindo da leitura de mundo é que podemos compreender a realidade em que estamos inseridos. Só então nos tornamos aptos e capazes de fazer interferência em nosso espaço social.

A habilidade de leitura é essencial, e, em se falando de alunos, lhes dá suporte, embasamento para o estudo de outras áreas do conhecimento. Ao estudar matemática, a criança terá que realizar a leitura de sinais, de números existentes em uma determinada situação, bem como a leitura dos enunciados das questões propostas nas atividades. Já em história, depara-se com um universo de palavras que caracterizam uma época, um acontecimento. Sendo capaz de realizar uma leitura proficiente desse contexto, ela não só compreenderá o passado, como também poderá estabelecer paralelos sobre a época estudada e a realidade atual.

As habilidades de leitura vão muito além de uma simples decodificação, na verdade, vão além da própria compreensão do que foi lido. Mas quais são os conhecimentos e habilidades de leitura que o aluno deve ter? A habilidade que se deve ter de leitura não é somente traduzir sílabas ou palavras (signos linguísticos), em sons, isoladamente (a decodificação).

Instala-se aqui a constatação assustadora que venho observando no dia-a-dia da sala de aula. Constatação essa que me inquieta, instiga e tira o sono: NÃO SE SABE LER!

Quando afirmo esse fato, refiro-me à transposição do conjunto de palavras que formam uma frase ou texto em entendimento, compreensão. “A leitura é um processo no qual “o leitor é um sujeito ativo que

processa o texto e lhe proporciona seus conhecimentos, experiências e esquemas prévios.” (SOLÉ, 1998, p. 18)

Nesta afirmação de Solé, ao falar de esquemas prévios, surge o que percebo ser um dos graves problemas que vem ocorrendo, e que aponta para uma contradição intrigante, os conhecimentos prévios que se fazem necessários ao bom entendimento parecem inexistir, aquela bagagem cultural que se traz de casa, do bate-papo do dia, do que se ouve nos noticiários, nas músicas (as boas, é claro, tão raras de se ouvir na mídia), da leitura do gibi, da conversa com os avós, dos anúncios publicitários... O que é extremamente espantoso, contraditório, como já dito, é ver, sentir isso acontecendo numa contemporaneidade que faculta e possibilita o acesso variado a todo e qualquer tido de informação.

Creio aqui, para aclarar a contradição surgida, bastaria a constatação que não se pode esquecer: a informação sem mediação reflexiva, análise crítica não se torna “conhecimento”.

Pode-se dizer que as etapas, que permitirão que se chegue à leitura são quatro:

A Decodificação

O aluno primeiramente decodifica os símbolos escritos. É uma leitura superficial que, apesar de incompleta, é essencial fazê-la mais de uma vez num mesmo texto. É o momento em que o aluno deve anotar as palavras desconhecidas para achar um sinônimo, passo importante para passar para a próxima etapa de leitura, a compreensão do que foi lido.

Segundo Angela Kleiman (1993 apud MENEGASSI; CALCIOLARI, 2002, p. 82), "as práticas de leitura como decodificação não modificam em nada a visão de mundo do leitor, pois se trata apenas de automatismos de identificação e pareamento das palavras do texto com as palavras idênticas em uma pergunta ou comentário”.

A compreensão

Nesta etapa o leitor deve captar o sentido do texto lido. Deve saber do que se trata o texto, qual a tipologia usada, compreender o que o autor objetiva e ser capaz de resumir em duas ou três frases a essência do texto. Menegassi; Calciolari (2002) observa que “nesse caso, a compreensão só ocorre se houver afinidade entre o leitor e o texto; se houver uma intenção de ler, a fim de atingir um determinado objetivo.”

A interpretação

O leitor, aluno, deve interpretar uma seqüência de idéias ou acontecimentos que estão implícitas no texto. Se não houve a compreensão terá sérias dificuldades de dar respostas a questionamentos, pois se faz necessária para poder interpretar sentidos do texto que não são literais.

O educador e escritor Rubem Alves nos diz que:

“Na vida estamos envolvidos o tempo todo em interpretar. Um amigo diz uma coisa que a gente não entende. A gente diz logo: "O que é que você quer dizer com isso?". Aí ele diz de uma outra forma, e a gente entende. E a interpretação, todo mundo sabe disso, é aquilo que se deve fazer com os textos que se lê. Para que sejam compreendidos. Razão por que os materiais escolares estão cheios de testes de compreensão. Interpretar é compreender.’ (ALVES, 2004)

O início de toda interpretação se dá pela questão fundamental que todo texto suscita: “o que o autor quis dizer com isso?”

A retenção

Aqui, o leitor deve ser capaz de reter as informações trabalhadas nas etapas anteriores e aplicá-las: fazendo analogias, comparações, reconhecendo o sentido de linguagens figuradas ou subtendidas, e o principal, aplicar em outros contextos refletindo sobre a importância do que foi lido fazendo um paralelo com seu cotidiano, aprendendo com isso, a fazer suas próprias análises críticas. Esse armazenamento é o que possibilitará a produção textual crítica.

Apesar de toda essa preocupação com as habilidades de leitura, na escola, ela deve ser uma aprendizagem e não uma técnica resultante de uma mecanização ou receita a ser seguida. Deve ser uma ação do aluno refletindo, levantando hipóteses e se inteirando sobre o objeto de conhecimento.

Torna-se importante que o professor busque conhecer seus alunos no que diz respeito ao seu estilo de vida, culturas e ideologias; e tomar como ponto de partida as várias experiências vividas pelos alunos. Essa é a base de uma preparação da aprendizagem de leitura, não se esquecendo de valorizar as opiniões e gostos desses alunos.

A maneira como a escola conduz o aluno à leitura, através do bê-a-bá, pode acarretar sérios problemas para a formação do leitor. O reconhecimento das famílias silábicas, como das letras, faz parte do processo de decifração e não da leitura, como comumente se pensa. (VILAR, 2001)

Importa a concepção de que "a melhor coisa que a escola poderia oferecer aos alunos é a leitura (...) se um aluno não se sair bem nas outras atividades, mas for um bom leitor, a escola já cumpriu grande parte de sua tarefa". (CAGLIARI, 1996)

Faz-se necessário rever os usos que a escola faz da leitura, usada pra vários fins, menos para o que, realmente, ela serve. Os alunos lêem para depois “copiar” o que uma personagem disse, ou o que o autor disse; lêem para procurar “erros” de ortografia ou para observar no texto o que eles aprenderam nas aulas de gramática, ou lêem para responder a uma chamada oral do professor, para poder provar que leu o que ele pediu.

Esse, porém, não é o objetivo dos livros, a leitura serve para formar leitores pensantes e críticos que saibam resolver problemas novos e jamais vividos. Não basta copiar o que o autor disse, tem de formular suas próprias idéias para defender ou criticar o autor, ou aplicar o novo conhecimento ao seu cotidiano.

PROFESSORA LISANE SIMONE BUTKA

LICENCIADA EM LETRAS E ESPECIALISTA EM INTERDISCIPLINARIDADE