A FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE LECIONAM NA COLÔNIA PENAL LAFAYETE COUTINHO
ABEC – ASSOCIAÇÃO BAIANA DE EDUCAÇÃO E CULTURA
CEPPEV – CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA EXTENSÃO DA
FUNDAÇÃO VISCONDE DE CAIRÚ CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA ENSINO SUPERIOR
WELLINGTON SILVA SANTOS
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE LECIONAM NA COLÔNIA PENAL LAFAYETE COUTINHO
SALVADOR 2010
WELINGTON SILVA SANTOS
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE LECIONAM NA
COLÔNIA PENAL LAFAYETE COUTINHO
Artigo apresentado ao curso de Especialização para a
Docência do Ensino Superior, como requisito para
avaliação, da disciplina Metodologia da Pesquisa II,
orientado pela professora Lucia Menezes.
SALVADOR 2010
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE LECIONAM NA COLÔNIA PENAL LAFAYETE COUTINHO
Wellington Silva Santos[1]
RESUMO: O presente artigo aborda a formação de professores que orienta as atividades docentes desenvolvidas na Colônia Penal Lafayete Coutinho (CLC). A unidade prisional em foco teve sua estrutura física e sua arquitetura projetada para que o sentenciado seja vigiado de forma discreta e à distância, como prevê a Lei de Execução Penal. Para tal abordagem realizamos um recorte da formação docente no Brasil desde a década de 70, até a primeira metade da década de 90, para ulteriormente fazermos uma abordagem da atual Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, como base, fundamentação teórica para analise da prática docente dentro da realidade da unidade prisional Colônia Penal Lafayete Coutinho (CLC). Mediante as políticas públicas voltada para formação de professores, investigou-se à luz da teoria e da prática docente, o ensino/aprendizagem dentro de parâmetros relativo à realidade em que estão inseridos os internos haja vista, as suas experiências sócio cultural, na qual o professor mediante a sua formação é o principal mediador da construção do conhecimento.
Palavras-chave: Formação de Professores; Prática de Ensino Superior; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN); Ensino e Aprendizagem.
ABSTRACT: This article covers the training of teachers that guides the activities teachers developed in penal colony Lafayete Coutinho (CLC). The drive focus in prison had its physical structure and its architecture designed for sentenced is guarded discretely and distance, as provided
for in the Criminal Law enforcement. For such an approach conducted a clipping of teacher training in Brazil since the 1970s, until the first half of the 1990s, to subsequently make an approach of the current Law of guidelines and Bases of national education (LDBEN) No. 9,394 dated 20 December 1996, as a basis, to analyze the theoretical teaching within the reality of prison penal colony drive Lafayete Coutinho (CLC). By public policies focused on teacher training, investigated the light
theory and practice teaching, teaching/learning within parameters on the reality in which are entered the internal view, socio cultural experiences, in which the teacher through your training is the
primary mediator of knowledge building.
Keywords: Teacher Training; Practice of Higher Education; Law of Guidelines and Bases of National Education (LDBEN); Teaching and Learning.
[1] Licenciatura em Filosofia pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Pós-Graduando em Docência do Ensino Superior, pela Docência do Ensino Superior pela Associação Baiana de Educação e Cultura (ABEC).
INTRODUÇÃO
No Brasil a Constituição Federal de 1988, dispõe sobre o direito a Educação no artigo 205, e a atual Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional (LDBEN), de 20 de dezembro de 1996, no Título III, artigo 4º, parágrafo 1º dispõe Do Direito a Educação e o Dever de Educar por parte do Estado, garantindo educação a todos os cidadãos.
A lei de Execução Penal (Lei Federal nº 7.210/84) dispõe sobre a educação de presos. Por outro lado, essa assistência educacional compreende algumas peculiaridades, como:
Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado.
Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa.
Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico.
Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição.
Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.
Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.
A Colônia Penal Lafayete Coutinho (CLC), em conformidade com a Lei de Execução Penal mantém internos, sentenciados ao regime semi-aberto, hoje com aproximadamente 428 internos,mas com capacidade para aproximadamente 400 internos, o que significa um excedente de 28
presos. Só este fato em si, o da superlotação, realidade verificada em quase todas as unidades prisionais do País, seria suficiente para criar um ambiente propício a dificultar a pratica docente e o aprendizado dos que lá cumprem pena. É evidente que, é imprescindível tornar claro o tipo de instituição que estamos analisando, ou seja, se um regime aberto, semi-aberto ou fechado. Conforme a Lei de Execução Penal (LEP), estes regimes são determinados de acordo com o tempo da pena, da condenação e também em função do crime cometido, portanto os presos condenados por crimes hediondos, bem como os reincidentes, devem cumprir as suas penas em regime fechado. Conforme o Código Penal Brasileiro, os presos condenados até quatro anos deverão cumprir
suas penas em regime aberto; superior a quatro anos e inferior a oito anos, em regime semi-aberto; e acima de oito anos, em regime fechado. Por outro lado, a lentidão nos julgamentos dos processos, faz com que presos periculosos, com mais de um processo em andamento na Justiça, sejam beneficiados com progressão de regime e migrem para o regime semi-aberto ou aberto, descaracterizando seu “modus vivendi” e seu “modus operandi”. Há condenados a penas de média ou curta duração que têm, desde logo, aptidão para o regime semi-aberto, sendo desnecessário o seu recolhimento inicial em regime fechado. No regime semi-aberto a pena é cumprida em Colônia Agrícola, Industrial ou similar. A preocupação com a segurança é menor que a prevista nas penitenciárias, fundando-se, principalmente, no senso de responsabilidade do condenado, valorizado e estimulado a cumprir com
os deveres próprios de seu “status”, em especial, o de trabalhar, submeter-se a disciplina e não fugir. A prisão semi-aberta, teoricamente, deveria estar subordinada a um mínimo de segurança e
vigilância. O legislador prevê que em face da menor periculosidade dos sentenciados neste regime não há necessidade exagerada de segurança prevista para o regime fechado. Apesar de toda esta preocupação do legislador, a realidade deste tipo de cadeia não difere das unidades de caráter fechado. O descaso com a educação do regime semi-aberto de Salvador é tão contínuo e pernicioso como o das cadeias de regime fechado. Trabalhamos no âmbito de uma unidade prisional de regime semi-aberto, onde atuam diversos fatores que, no seu conjunto, agem
de forma funesta para desestabilizar o corpo docente e discente que ali buscam construir o conhecimento. Sendo assim, resolvemos estudar este tema, a partir de uma pesquisa realizada no quadro dos Docentes da Colônia Penal Lafayete Coutinho (CLC). A unidade prisional em foco, que teve sua estrutura física e sua arquitetura projetada para que o sentenciado seja vigiado de forma discreta e à distância, como prevê a Lei de Execução Penal para regime semi-aberto, torna-se cada dia mais
inadequada em decorrência da desproporcionalidade entre a demanda e a oferta de alojamentos apropriados. Como conseqüência do excesso de pessoas encarceradas, convive-se com toda espécie de insatisfação, tanto por parte dos presos como pelo quadro docente, e de funcionários os quais, por sua vez, vêem qualquer tentativa racional de classificação de pena”, bem como todo e qualquer discurso ressocializador, uma falaciosa utopia. Além disso, as instalações, isto é, a localização inadequada das duas salas que ficam frente às Alas A e B, e colada na Ala Azul, onde os apenados passam a maior parte do dia soltos no banho de sol e desenvolvendo atividades esportivas, artesanato dentre outras, dificultam a concentração dos docentes e dos internos/alunos, uma vez que os internos da Ala Azul circulam na área, isto é no
corredor que dá acesso as salas de aula, além de se comunicarem com as outras duas Alas. Tendo em vista os direitos educativos assegurados também as pessoas privadas de liberdade e a existência da escola com alfabetização e ensino fundamental da 1ª a 4ª serie na Colônia Penal
Lafayete Coutinho (CLC) investigamos de forma geral a formação dos professores. Sendo assim, analisamos especificamente a pratica docente no âmbito ensino/aprendizagem, alem do olhar crítico quanto à formação pedagógica desses docentes, pois entendemos que a pratica
docente, voltada para a realidade individual, coletiva e cultural dos internos/alunos otimizar-se-á o retorno dos reclusos ao convívio social.
A Secretaria de Educação do Estado da Bahia é responsável pelo planejamento e organização do projeto pedagógico para pessoas custodiadas nos presídios ou que cumprem pena nos regimes fechados ou semi-aberto, além dos internos sob medida de segurança, entretanto a Direção e a Coordenação Pedagógica das unidades prisionais localizadas na cidade do Salvador são centralizadas na Penitenciária Lemos Brito, onde estão os presos condenados ao regime fechado.
As atividades educativas são realizadas nos horários regulamentados, pela instituição prisional a qual o interno encontra-se cumprindo pena, sendo na Colônia Penal Lafayete Coutinho (CLC), no turno matutino das 08:00 às 11:00h e no turno vespertino das 14:00 às 16:00h.
O presente artigo aborda a formação de professores que lecionam na Colônia Penal Lafayete Coutinho (CLC). Para tal abordagem realizamos um recorte da formação docente no Brasil desde a década de 70, até a primeira metade da década de 90, para ulteriormente fazermos uma abordagem da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, como base, fundamentação teórica para analise da prática docente dentro da realidade da unidade prisional Colônia Penal Lafayete Coutinho (CLC).
Dessa forma, pretendemos mediante as políticas públicas voltada para formação de professores, investigar e analisar a teoria e a prática docente, ensino/aprendizagem dentro de parâmetros relativo à realidade em que estão inseridos os internos haja vista, as suas experiências sócio cultural, na qual o professor mediante a sua formação é o mediador da construção do conhecimento sendo as representações imediatas sobre o real que os cercam o ponto de partida e, consequentemente, de chegada, prevalecendo à construção do indivíduo como cidadão, aumentando a capacidade critica dos alunos (formar cidadãos), sem se desvincular dos conteúdos formais (saber
sistematizado), além de propiciar condições favoráveis para que o educando entenda seu lugar no mundo histórico, mediante observação, comparação, generalização e verificação das diversidades culturais, sociais, políticas e econômicas.
1 A FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL ENTRE 1980 E 1995
Segundo Candau (1982 apud PEREIRA, 2006 p16) no inicio da década de 70, a psicologia comportamental e a técnica educacional são princípios norteadores no processo de formação de professores, isto é fundamentam a formação docente no Brasil. Nesse período a formação de professores e a educação, estão sujeitos as normas e regras
exigidas pela burguesia e o Regime Autoritário da Ditadura Militar, portanto podemos perceber que o processo de formação de professores baseava-se em preparar o professor numa perspectiva tecnicista, da racionalização, experimentação, e atuação neutra, apenas transmissor de conhecimentos, como forma de adequação as necessidades do processo de acumulação capitalista, interesses da burguesia, desvinculada, e sem compromisso em pensar a realidade histórica e social do Brasil. Além disso, a educação era usada com a finalidade de atender aos anseios da burguesia e as necessidades institucionais.
Segundo Pereira (2006) no final da década de 70, surge um movimento oposto, questionando a formação de professores meramente técnica e funcionalista, isto é, de racionalização, e de experimentação. Por outro lado, “por influência de estudos de caráter filosófico e sociológico, a educação passa a ser vista como uma prática social em íntima conexão com o sistema político e econômico vigente” (CANDAU, 1982, apud PEREIRA, 2006, p.17).
Ainda nesse contexto sob a influência das teorias sociológicas, que despertou nos educadores a importância da escola como o local em que se poderiam pensar as questões sociais, a própria sociedade começa a questionar, discutir de forma mais profunda, clareza e sob uma nova
sistematização a questão do autoritarismo, da democracia, da participação e, portanto da necessidade de não deixar o Estado atuar livremente em todos os setores. No entanto apesar da nova visão sob as perspectivas filosófica e sociológica que foram essenciais na problematizarão quantos aos fatores históricos e político-sociais determinantes na educação do final da década de 70, aliada ao entusiasmo da sociedade civil da não aceitação, da recusa, do questionamento quanto a formação de professores nos moldes funcionais e operacionais no final da década de 70, ainda assim o regime autoritário, institucional, o capitalismo, os interesses e anseios burgueses permaneceram evidentes. Segundo Pereira (2006) a partir dos anos 80, o movimento de questionamento quanto à psicologia comportamental e a técnica educacional como fundamento na formação de professores é veementemente criticada, mediante o pensamento marxista. Por outro lado, os aspectos políticos da prática pedagógica e o compromisso do educador com as classes populares são indícios de novos rumos na formação docente, que é pensada como preparação para o trabalho e não mais qualificação para o trabalho. Além disso, a própria sociedade brasileira teve muita influência devido às necessidades de mudanças em diversos aspectos sociais buscando de forma efetiva um novo modelo de governo, isto é a redemocratização do país.
Diante dessas novas percepções dos problemas relativos à formação de professores a literatura nos mostra que além da preocupação com a formação de docentes, os educadores passaram a se preocupar também com o ambiente de atuação, ou seja, o ambiente de trabalho, as
condições de trabalho, salários compatíveis com a profissão docente num contexto em que o estado burguês apenas visa o lucro, mediante a quantidade e não pela qualidade. Dessa forma, no campo da educação não interessa investimentos, o que é colocado em primeiro plano é a busca incessante de lucros rápidos, sendo a educação na visão dos burgueses algo para se investir em longo prazo. Diante do exposto percebemos que no quadro das políticas educacionais neoliberais e das reformas educativas, a educação constitui-se em elemento facilitador importante dos processos de acumulação capitalista e, em decorrência, a formação de professores ganha importância estratégica para a realização dessas reformas no âmbito da escola e da educação básica.
Segundo Pereira (2006) nesse mesmo período houve em relação à rede de ensino um paradoxo, o governo não fez investimentos suficientes, adequado na educação para a demanda proveniente do aumento do numero de vagas e de matriculas nas escolas.
O Governo Federal da década de 80, empenhado em atender as normas impostas pelo sistema capitalista, que tem como uma das suas principais característica a busca incessante do lucro, negligenciou, não atendendo as reivindicações dos professores em relação à reestruturação na rede
pública de ensino, reformulação na educação e formação de professores, houve consequentemente a expansão de instituições de ensino superior privado, viabilizado pelo capitalismo, possibilitando a
abertura e inserção de profissionais com formação em outras áreas exercerem a função de docente. Nesse contexto houve a desvalorização e descaracterização do trabalho docente, devido a
não valorização do professor como profissional, e a baixa qualidade do ensino, não obstante a descaracterização mediante a fragmentação e parcelarização do conteúdo, uma espécie de taylorização. Ainda nessa mesma linha de pensamento, segundo Teixeira (1985 apud PEREIRA, 2006, p.21), a organização burocrática do sistema de ensino e da escola e a fragmentação do trabalho pedagógico, geraram uma escola autoritária. O controle é a única garantia para a sua manutenção e
onde a impressão que se tem é que professores e especialistas de educação, alienados e descompromissados, perdem dia-a-dia a sua autonomia e o seu espaço de ação. A deformação dos professores foi outro aspecto bastante discutido na década de 80, na qual
para alguns educadores as mudanças devem também acontecer no ambiente de atuação dos professores, uma vez que as reformas nos cursos de formação de professores para formar docentes não abrangeriam na sua totalidade a pratica docente, isto é, o resultado seria efeitos parciais quanto à prática docente. Nessa visão percebemos que não basta apenas à universidade intensificar a busca na mudança de seus currículos, mudanças de conceitos voltados para uma nova política educacional interagindo com a dinâmica da sociedade, fazem-se necessário também uma busca incessante no sentido de mudar, redefinir a própria escola, que também é desqualificadora do professor, ambiente
de trabalho, local onde os docentes estarão expondo o saber, o conhecimento, Por outro lado, também se faz necessário que a própria universidade prepare o profissional, o professor para transcender esses aspectos no sentido de tentar melhorar através da criatividade, da
sua preparação o local onde estará atuando, portanto uma mudança nesse sentido requer reciprocidade, onde as idéias surgirão e deverão interagir para uma mudança constante dentro das perspectivas da própria dinâmica social. Conforme Candau (1987 apud PEREIRA, 2006, p.26), ainda nos primeiros anos da década de 80, o pensamento voltado para a educação intensificasse no âmbito da função social da escola.
Dessa forma, a escola, isto é a educação seria o elo para transformação da realidade social dos seus alunos, em que a formação consciente do professor deveria perpassar quanto à função da escola, a educação como mediadora da prática social dos seus alunos, ou seja, a escola teria como um de seus papéis possibilitar ao aluno compreender, entender, analisar a sociedade, o sistema no qual está inserido,
Dessa forma diferentemente da escola como podemos observar anteriormente na década de 70, quando a educação era meramente técnica e funcionalista, separada, isolada ou não vinculada à
realidade social, voltada apenas para formar o indivíduo tecnicamente preparado e capaz de desenvolver as suas atividades no âmbito profissional, portanto um homem engessado desprovido de ferramentas, e conhecimentos adequados que lhe possibilitasse transcender, questionar os fenômenos sociais. Além disso, nesse período a prática dos professores ainda era de mero técnico da educação e especialista de conteúdos. Segundo Pereira (2006) nesse novo contexto surgi à idéia do educador como marco de um novo olhar sobre a formação de professores. O educador deveria mediar o conhecimento no
processo de ensino-aprendizagem interagindo com os alunos, em detrimento do professor da década de 70, uma vez que a relação professor aluno era pautada no autoritarismo, sendo o docente detentor
do conhecimento, e o aluno apenas o receptor de pacotes prontos, conteúdos acabados, sem qualquer ligação com a realidade em que o aluno estava inserido.
Diversos aspectos como vimos anteriormente foram polêmicos e bastante discutidos quanto à formação de professores, mas segundo Pereira (2006) questões como a relação entre competência técnica e compromisso político, exacerbaram os debates quanto à função do professor. Para Santos (1992 apud PEREIRA, 2006, p.29), a formação do educador deveria possuir os aspectos da competência técnica e compromisso político. Entretanto a competência técnica seria o
ponto de partida, isto é, o novo docente teria o domínio dos conhecimentos relativos à sua área de atuação assim como, conhecimentos pedagógicos o que lhe possibilitaria o compromisso político, o qual seria mediado pela competência técnica. Essa nova visão quanto à formação de professores causou polemicas no meio acadêmico, uma vez que a competência técnica, é na verdade apenas um dos instrumentos na formação de professores para atuarem especificamente numa determinada área do conhecimento, sendo o saber que o educador adquiriu na academia e ulteriormente de forma técnica e funcionalista instrumentalizava o corpo discente, possibilitando a reprodução desses conhecimentos específicos.
Dessa forma não se desvinculava da forma como o professor era formado na década de 70, não passando de um profissional detentor de conhecimentos de uma determinada área do conhecimento sem realmente haver uma preocupação com a realidade social no momento.
Entretanto para Candau (1982 apud PEREIRA, 2006, p.31), a formação de professores deveria perpassar por uma dimensão humana, técnica e político-social, de forma integrada, entrelaçadas e não hierarquizadas. Na verdade a educação assumiria um compromisso político-social dentro de um determinado contexto social, possibilitando ao corpo discente a passagem do senso comum ao senso crítico. Como vimos anteriormente os aspectos da competência técnica e compromisso político foram bastante discutidos no inicio da década de 80, entretanto, segundo Pereira (2006), a relação teoria e prática na formação de professores norteou a primeira metade dos anos 80 e nos dias atuais. Segundo Candau & Lelis (1983 apud PEREIRA, 2006, p.33), a teoria e a prática devem ser consideradas de formas distintas, uma vez que a teoria fundamenta a prática, isto é a prática é meramente a execução das formas, conteúdos e criações pensadas e estruturadas a priori pela teoria, portanto, nessa perspectiva a teoria instrumentaliza a prática.
Para Santos (1991; 1992 apud PEREIRA, 2006, p.34), a relação teoria e prática na formação de professores é equivocada tendo seus princípios norteadores na racionalidade técnica. A racionalidade técnica não possibilita ao educador refletir na ação, isto é, a solução dos problemas
que se apresentam no dia-a-dia na prática docente são testados e solucionados por pesquisadores que se utilizam de teorias e técnicas científicas para mensurar e obter resultados, portanto a prática
docente é colocada em segundo plano. Ainda segundo Santos (1992 apud PEREIRA, 2006 p.35), a reflexão na ação possibilitaria ao educador estruturar os problemas que se apresentam na prática docente. Essa reflexão tornaria o professor um pesquisador, diferentemente da racionalidade técnica onde há a prevalência do saber científico.
Como podemos observar a racionalidade técnica que tem suas origens no positivismo faz a separação entre teoria e prática de forma hierarquizada tornando o professor mero executor de programas, conteúdos previamente elaborados por “especialistas”, consequentemente limitando o desenvolvimento profissional do professor e de uma sociedade dentro de um contexto social, político e cultural, uma vez que não valoriza a criatividade e a inovação do professor.
Dessa forma, a racionalidade tecnocrata valoriza o aprender a ensinar, desconsiderando os conflitos, os problemas, as complicações advindas do mundo real, ambiente de trabalho, na relação professor X aluno, mediante o ensino/aprendizado na prática docente.
Na segunda metade dos anos 80, segundo Pereira (2006) as discussões sobre a formação de professores intensificaram principalmente quanto ao descaso das universidades públicas em colocar a pesquisa e elaboração do conhecimento cientifico em primeiro plano em detrimento do ensino e da formação de professores, da educação em geral.
A negligencia quanto à formação de professores nas universidades publicas, valorizando a pesquisa e a pós-graduação teve conseqüências desastrosas para os educadores no que tange a valorização, incentivos e estímulos e ao próprio ensino publico uma vez que as universidades
publicas não cumpriam o seu verdadeiro papel para formar professores.
A falta de planejamento, programas de formação continuada, conteúdo extremamente teórico dos cursos, insuficiência da formação pedagógica e não estreitamento da universidade com as escolas publica de 1º e 2º graus, possibilitou segundo Gatti (1992 apud PEREIRA, 2006, p.39) que
Instituições de Ensino Superior assumissem o papel da Universidade publica. Além disso, o quadro de professores dessas instituições para formação de professores colocava em dúvida a qualidade do ensino-aprendizado. No que tange aos conteúdos extremamente teóricos dos cursos de formação de professores podemos perceber que as conseqüências são desastrosas quanto à prática docente, uma vez que
dificulta a socialização do conteúdo, isto é, o conhecimento que o docente adquiriu na academia tão somente teórico em detrimento da prática consequentemente implica em dificuldades extremamente
complexas para o ensino-aprendizado, portanto, a formação de professores requer consonância entre prática e teoria. A formação pedagógica é tão importante quanto os conhecimentos específicos, entretanto, o descaso quanto à formação pedagógica na formação de professores não tem possibilitado aos docentes terem o domínio adequado relativo às questões didático-pedagógica, isto é, a formação
pedagógica é justamente o conhecimento adquirido que possibilita aos professores técnicas de comportamento dentre outras técnicas numa sala de aula, portanto, o domínio do conhecimento didático-pedagógico em consonância com o conhecimento especifico é um dos facilitadores do ensino-aprendizado, além de facilitar a prática no dia-a-dia do professor. De acordo com André (1994 apud PEREIRA, 2006, p.40), uma das soluções para integração entre a universidade pública e as escolas publica de ensino médio e fundamental seria a capacitação continuada. Na verdade intensificar a formação continuada do professor, além da própria universidade estreitar o conhecimento da academia com o saber escolar, consequentemente a construção do conhecimento se daria com a participação do próprio docente, portanto haveria uma integração entre teoria e prática.
Na segunda metade da década de 80, através do voto do Colégio Eleitoral foi eleito o então deputado Tancredo Neves a presidência da república do Brasil, onde temos o início da redemocratização do Brasil, consequentemente o fim da Ditadura Militar, regime autoritário que
teve inicio em 1964 e prolongou até meados de 1985, em que nesse período como vimos anteriormente à educação, os professores, isto é, o técnico da educação foi direcionado para preparar tecnicamente educandos com a finalidade de atender aos interesses da indústria nascente e dos capitalistas, burgueses, uma vez que a educação adequada ao Estado Militar facilitava os preceitos para a hegemonia,
Alem disso, no final da década de 80, e início dos anos 90, segundo Pereira (2006) houve algumas mudanças de cunho internacional uma “crise de paradigmas” que influenciaram a educação no mundo e consequentemente a educação no Brasil. Essas mudanças de cunho internacional trouxeram para a academia de formação de professores no Brasil a perspectiva de enfatizar os aspectos micro sociais privilegiando a formação do professor-pesquisador, isto é, o educador que
pensa-na-ação, portanto, o professor reflexivo. No entanto, segundo Pereira (2006) as universidades brasileiras relegam o ensino ao
segundo plano valorizando a pesquisa, como que se a pesquisa fosse uma atividade de maior importância diante da graduação.
Para Lüdke & André (1986 apud PEREIRA, 2006, p.42) a atividade de pesquisa não pode ser considerada acima das outras atividades acadêmicas. As pesquisas são atividades realizadas na esfera em que vive o próprio homem, portanto, são carregadas em linhas gerais dos valores, preferências, interesses e princípios, os quais orientam o pesquisador. Por outro lado, nesse período o que se pretendia a princípio era a desmistificação quanto à visão de que o sujeito que é pesquisador é um indivíduo diferente daqueles que não realizam
pesquisas. Para Soares (1993 apud PEREIRA, 2006 p.43) a formação de professores deve enfatizar a interação entre dois aspectos indissociáveis que são: a produção do conhecimento e socialização do
conhecimento. Nessa visão percebemos a importância da não separação entre pesquisa e ensino, uma vez que a socialização do conhecimento, ou seja, o produto ao qual o professor irá trabalhar em sala de
aula no seu dia-a-dia na maioria das vezes é desconhecido o processo pelo qual se tornou aquele produto, portanto, o professor deveria apreender e aprender o processo do conhecimento, a produção do conhecimento possibilitando dessa forma ao professor o acesso à pesquisa evitando inúmeros prejuízos para a formação de professores com a separação entre a pesquisa e ensino.
Ainda nos anos 90, segundo Pereira (2006) a Sociologia da Educação procurou enfatizar suas pesquisas quanto aos saberes escolares. A Sociologia da Educação buscou interpretar de que forma no dia-a-dia no desenvolvimento das suas atividades o professor entende sobre a sua própria profissão, entretanto não iremos nos aprofundar sobre esse aspecto nesse capitulo, pois nos aprofundaremos e faremos uma analise mais crítica no capitulo 3, onde estaremos tratando sobre a prática docente. A formação continuada do professor de acordo com Pereira (2006) foi um aspecto bastante discutido por diversos autores no inicio da década de 90. Nesse período as instituições de ensino superior ofereciam cursos de “treinamento em serviço” ou de “reciclagem”, aos professores de 1º e 2º graus, como era chamado o ensino fundamental e médio atualmente.
Para Celani (1988 apud PEREIRA, 2006, p.48), treinamento em serviço e reciclagem estão longe de suprir a necessidade de uma formação continuada. Esses dois aspectos passam a idéia de uma formação acabada, além dos cursos serem ministrados esporadicamente, portanto, a formação continuada a qual sugere é a que possibilite ao professor se educar durante a sua caminhada enquanto educador, isto é, num processo contínuo, duradouro presente no cotidiano do professor
para auxiliá-lo na solução de problemas mediante o seu próprio envolvimento.
Segundo Nóvoa (1992 apud PEREIRA, 2006, p.48), a formação continuada de professores deve ser discutida mediante três aspectos: a pessoa do professor e sua experiência; a profissão e
seus saberes, e a escola e seus projetos. No que tange a pessoa do professor e sua experiência afirma Nóvoa (1992 apud PEREIRA, 2006 p.49) que a formação se constrói mediante a reflexão quanto às
práticas e a identidade pessoal, isto é, o professor através da reflexão-na-prática, no seu dia-a-dia em sala de aula constrói e reconstrói a sua própria identidade, portanto, a reflexão é um condicionador da construção da identidade do professor.
Segundo Nóvoa (1992 apud PEREIRA, 2006, p.49), quanto ao aspecto à profissão e seus sabres os professores devem se apropriar de todo o conhecimento ao qual possuem não possibilitando, restrições as práticas e sobre a sua profissão. Os professores uma vez com os conhecimentos adquiridos poderão utilizá-los com autonomia na construção do saber e como forma de repensar a sua própria ação no campo profissional.
O último dos três aspectos abordados por Nóvoa (1992 apud PEREIRA, 2006, p.49) é referente à escola e seus projetos em que a instituição onde o professor atua deverá sofrer modificações, além da postura desse profissional. Dessa forma, o educador deve estar integrado,
interagindo de forma direta com as escolas e seus projetos.
Para Pereira (2006) é essencial a formação continuada do professor uma vez que somente o período da academia até a diplomação não é suficiente para formar o professor sendo a pratica docente também essencial na formação de professores. Por outro lado, segundo Santos (1995 apud PEREIRA, 2006, p.49), a formação do professor é construída antes mesmo do ingresso na universidade, da formação acadêmica e se
estende a ulterior diplomação. Nessa perspectiva a pessoa que entra na academia com o intuito de ser um futuro professor carrega consigo impressões e imagens sobre os aspectos que norte a escola, a educação e o professor. Dessa forma, essa nova alusão quanto à formação de professores rompe com o conceito dos
cursos de reciclagem valorizando o profissional num contexto prático em que as experiências pessoais, acadêmicas e profissionais possibilitarão apreender os valores e atitudes relativos à profissão e à educação.
Pois bem, a primeira metade da década de 90, foi marcada como podemos perceber sob os aspectos da formação continuada do professor e o saber docente em que segundo Pereira (2006), a
formação de professores se dá quando dá inserção do professor no mercado de trabalho, onde o docente aprende ensinando dentro de um contexto prático. Entretanto ainda segundo Pereira (2006),
apesar dos avanços em relação à formação de professores, formação continuada e quanto à prática docente, a recorrência a determinados temas conforme mencionados durante décadas ainda causa a
sensação e impressão de que está longe a solução para os problemas em relação à formação de professores.
Como podemos perceber ainda existem vários problemas no que tange as licenciaturas no
Brasil, a complexidade da dicotomia entre a teoria e prática, o tratamento diferenciado dispensado
aos alunos do bacharelado e da licenciatura, e o distanciamento existente entre a formação
acadêmica e as questões colocadas pela pratica docente na escola.
2. A LEI DE DIRETRIZES E BASES - LDB Nº 9.394/96 FRENTE À FORMAÇÃO DE PROFESSORES
O período no Brasil que compreende entre 1964 a 1985, foi marcado pela Ditadura Militar, isto é pelo Regime Militar que consequentemente influenciou diversos aspectos relacionados à política, economia, educação e outros. Os Governos Militar Segundo Toledo (2004) “impuseram ao país uma nova ordem político institucional com características militarizadas”, em que a política e a economia brasileira foram utilizadas para atender aos anseios do capital estrangeiro, tendo o país crescido economicamente, entretanto sem desenvolvimento econômico, uma vez que a classe baixa, os proletariados foram
excluídos desse processo. A burguesia brasileira sempre teve um nacionalismo pragmático, “dependendo das circunstancias e das suas conveniências, setores da burguesia brasileira se opõe ou se associam ao capital multinacional” (TOLEDO, 2004, p.117). Esse caráter pragmático da burguesia brasileira não foi diferente durante o Governo de João Goulart, que compreende o período de 1961 ate o primeiro semestre de 1964, quando segundo Toledo (2004, p.83) os empresários, os militares e a igreja católica se organizaram para defender
seus interesses frente à política dos movimentos sociais voltados para o nacionalismo e de esquerda. Nesse período, os grandes empresários brasileiros tiveram uma atuação político-ideológica quando estrategicamente usaram o Instituto Brasileiro de Ação Democrática – IBAD e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – IPES, onde contou com a participação de diversos intelectuais, burocratas e especialistas tendo como objetivos impedir a união da classe operária, conter a
sindicalização dos trabalhadores camponeses, ajudar os grupos de direita da igreja católica, dividir o movimento estudantil que tinha como proposta a reforma universitária, bloquear as forcas nacionalreformistas
no congresso e nas Forcas Armadas, mobilizar a alta cúpula militar com o intuito de desestabilizar o movimento nacional-popular. Essas estratégias culminaram com o golpe Militar de 1964 que durou vinte e um anos. No campo da política em dezembro de 1968, O Governo Militar instituiu o Ato Institucional nº 5 – AI-5, que segundo Aranha (1996, p. 216) concedeu ao presidente da Republica autoridade para representar o executivo e o legislativo. Esse ato, portanto retirou as garantias individuais, publicas ou privadas. No que tange a educação, em fevereiro de 1969 é criado o Decreto-Lei nº 477, que “proíbe
aos professores, alunos e funcionários das escolas toda e qualquer manifestação de caráter político” (ARANHA, 1996, p.212).
A partir desse Decreto-Lei instalou-se o terrorismo nas universidades, onde professores foram demitidos ou aposentados arbitrariamente.
Diante dessa repressão que se instalou no País, vários professores se exilaram na Europa e nos Estados Unidos, sendo aqueles que permaneceram obrigados a trabalhar sob o risco de censura e delação.
Com o propósito de inserir o Brasil no capitalismo internacional seria necessário implantar a reforma tecnicista que segundo Aranha (1996, p.213), é resultante da aplicação na escola do modelo empresarial. Portanto, a reforma tecnicista visava à transformação do comportamento do discente através do treinamento, com a finalidade de desenvolver no aluno habilidades, sendo utilizadas as técnicas de condicionamento baseada no behaviorismo. Além do AI-5 e do Decreto nº 477, em que o primeiro dava plenos poderes ao executivo e o
segundo reprimia qualquer ato de livre manifestação no campo da educação, o Estado Militar necessitava de uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que possibilitasse a implementação da reforma tecnicista, portanto não revogou a LDB 4024/61, que segundo Aranha
(1996, p.213) quando da sua criação foi antecedida por ampla discussão por diversos grupos da sociedade civil. Sendo assim o Governo Militar fez alteração e atualização na LDB/61 que fortaleceu os acordos MEC-Usaid (Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for Internacional Development), “pelos quais o Brasil recebe assistência técnica e cooperação financeira para implantação da reforma”. (ARANHA, 1996, p. 213). Com a implantação dos acordos MEC-Usaid a educação é tratada ao modelo econômico em que se prioriza a formação de profissionais para atender as necessidades urgentes de mão-de-obra
especializada num mercado em expansão, em que “o professor é um técnico que assessorado por outros técnicos e intermediado por recursos técnicos, transmite um conhecimento técnico e
objetivo” (ARANHA, 1996, p.213). Essa visão retrata como a educação é tratada durante a reforma tecnicista que tem a concepção de racionalidade, organização, objetividade e eficiência.
No inicio da década de 70, O Governo Militar realizou a reforma do ensino fundamental e médio através da Lei de Diretrizes e Bases – LDB nº 5.692/71 e posteriormente segundo Aranha (1996, p.215) desativou a antiga Escola Normal que formava professores para o ensino
fundamental. Essa desativação da antiga Escola Normal que tinha a finalidade de formar para o ensino fundamental e a nova denominação Habilitação Magistério causou a perda de identidade dos professores, alem dos “recursos humanos e materiais necessários a especificidade de sua função”. (ARANHA, 1996, p.215).
Segundo Gonçalves e Pimenta (1990 apud Aranha, 1996, p.215) a nova habilitação era de pouco conteúdo, de categoria inferior e desarticulada didaticamente. Dessa forma, a formação de professores não carregava em si uma formação pedagógica consciente, e nem uma formação geral
adequada, consequentemente a formação era fragmentada. Com o fim dos Governos Militar, Ditadura Militar, e o advento da redemocratização na segunda metade da década de 80, é promulgada a Constituição Federal de 1988 que “levantou polêmicas e participações populares, com especial destaque para o campo da educação” (LINHARES e SILVA, 2003, p.32). Ainda segundo Linhares e Silva (2003, p.34), no final da década de 80 e inicio da década de 90, houve grande interesse da sociedade civil na elaboração da Lei de Diretrizes e Bases – LDB
9.394/96. Por outro lado, essa elaboração foi marcada por um enfrentamento político-ideologico entre categorias muito diferentes ou até mesmo antagônicas, que sustentavam concepções de
sociedade, de educação, de escola e formação de professores. Além disso, esse enfrentamento político-ideológico causou contradições e conflitos “o que impôs aos legisladores a impossibilidade de contornar ou desconsiderar completamente as posições defendidas pelo movimento organizado do campo educacional (LINHARES e SILVA, 2003, p.35)
As contradições e confusões em virtude da elaboração do texto da Lei de Diretrizes e Base – LDB nº 9.394/96 suscitaram debates entre profissionais da educação quanto à formação de professores.
Segundo Linhares & silva (2003, p.37), os legisladores fortaleceram os Institutos Superiores de Educação – ISEs. Por outro lado, esse fortalecimento dos Institutos como lugar de formação de
professores causou um enfraquecimento da Universidade como referencia na formação de docentes. Ainda segundo Linhares & Silva (2003, p.37), o curso de Pedagogia também foi enfraquecido. Essa perda de força do curso de graduação em Pedagogia como Lócus para formar professores da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental fortaleceu o Curso Normal Superior, que foi regulamentado depois de dois anos após a publicação oficial da LDB nº 9.394/96, através daresolução CNE nº 1/99, de setembro de 1999.
A nova LDB possibilitou diversas vias de formação de profissionais da educação básica que podem ser realizadas através de nível superior ou médio, nas universidades, nas instituições de ensino superiores de educação que podem estar ou não atrelados a universidade, em curso de licenciatura, de graduação plena, curso normal superior ou normal médio. Essa grande flexibilidade para formar profissionais da educação básica também privilegiou aqueles que possuem diplomas de educação superior, que para atuarem como professores da educação básica necessitam de uma licenciatura especial voltada para formação pedagógica de 540 horas. No entanto essa flexibilidade para que outros profissionais de outras áreas que possuam diplomas de cursos superiores tenham acesso ao magistério através de complementação pedagógica,
“talvez seja contraditório com a própria concepção que se tem hoje de profissionais de educação, “denominação do Titulo da nova Lei”. (PEREIRA, 2006, p.74). Além disso, a complementação pedagógica de 540 horas implica uma preocupação para sociedade civil organizada focada na formação de professores no Brasil, uma vez que poderão está
ressurgindo um novo modelo de licenciaturas curtas.
Outro aspecto a ser considerado, é referente a pratica de ensino de trezentas horas quesegundo Pereira (2006, p.75) o professor não deve ser considerado como um mero transmissor de conhecimentos. Essas trezentas horas de pratica docente não atrelada à teoria implicam no modelo de racionalidade técnica, ou seja, a valoração da teoria em detrimento da pratica, em que o profissional seja ele professor ou de qualquer outra área do conhecimento desenvolve suas atividades profissionais de forma instrumental, onde as teorias e técnicas para solucionar problemas práticos sucedem aos conhecimentos teóricos.
Por outro lado, é evidente os limites da teoria em si como transformadora da realidade concreta reduzindo a atividade humana à pura observação. Alem disso, a dicotomia entre teoria e
pratica impõe limites a ação docente limitando a ação-reflexiva do professor. Entretanto, para uma melhor formação de professores é necessário considerar todos os aspectos da escolarização do
próprio licenciando como base para uma formação superior fundamentada e as questões da realidade escolar como base para a prática pedagógica.
Além desse aspecto, chama a atenção, o artigo 62, a LDB (1996) reconhece que: Como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras series do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Esse artigo segundo Aranha (2006, p.300) não deixou evidente os locais onde pode formar tais professores. Desta forma, a LDB abriu precedentes para que os cursos de magistério permaneçam em
vários estados brasileiros, uma vez que não especifica o seu funcionamento nos locais onde não existe Institutos Superiores de Educação.
2.1 A PRÁTICA DOCENTE
O século XXI tem sido notoriamente um período de diversas descobertas no campo da ciência quanto à variação genética humana, à reprogramação de células adultas e etc. Além disso, temos as inovações na área tecnológica com a tecnologia da informação dentre outras, no entanto mesmo com todos esses avanços nas diversas áreas do conhecimento cientifico e tecnológico, o papel do professor é fundamental na socialização desses e outros conhecimentos.
Questoes como a formação de professores e a prática docente permearam pensadores e profissionais da educação durante décadas, no entanto esses pensadores durante a ditadura militar que foram proíbidos de expressar suas idéias principalmente com a instituição do Ato Institucional - AI-5, mas com a redemocratização, a promulgação da Constituição de 1988 e a LDB de 96 afloraram novamente as discussões e o professor que durante os anos de chumbo era formado
apenas para transferir o conhecimento ao corpo discente passou a ser visto como um educador, aquele que pode socializar o conhecimento de forma e refletir na ação, portanto uma nova visão sobre a docência.
Por outro lado segundo Freire (1996, p.22) o docente desde o inicio da sua formação docente deve assumir uma postura de sujeito crítico. Essa postura facilitará a socialização do conhecimento, uma vez possibilitará desde o começo da formação do docente a produção e construção do saber. A problemática da simples transferencia de conhecimento, onde o educando assume a condiçao de objeto e o educador como sujeito que conduz o ato de educar sem aprender ensinando sem uma participacão crítica do discente. Para Freire ( 1996, p.23 ) é uma postura que torna a relação educador e educando um objeto do outro. Essa forma de ensinar em que o aluno é apenas um local para se depositar e processar o conhecimeto sem refletir diante daquilo que lhe foi posto e acabado é caracterizado por Freire (1996, p.25) como ensino Bancario. No entanto quando o ato de ensinar como dissemos anteriormente é entendido como ação pela qual ensinar é aprender e vice-versa a prática docente conduz o aluno a curiosidades desencadeando uma forma criadora que o faz transcender, ou seja ir além daquilo considerado como acabado.
O papel do educador no seu dia-a-dia em sala de aula também engloba o ato de pensar certo e ensinar a pensar certo, conforme Freire (1996):
O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de intervindo no mundo, conhecer o mundo.
Pelo exposto, a prática docente envolve uma complexidade que vai além do simples ato de transmitir conhecimentos. Por outro lado, o pensar certo exige que o professor e o aluno sejam “[…] criadores,
instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes”. (FREIRE, 1996, pag. 26). Além disso, o ato de pensar certo tanto por parte do educador quanto do educando exige o
distanciamento do pensamento que ver o objeto, o conteúdo, o mundo e etc. como algo acabado, como no discurso “bancário”, portanto o ato de pensar certo é perceber que o mundo é um mundo de possibilidades.
Além da percepção de um mundo de possibilidades pensar certo exige a passagem por um ciclo gnosiológico segundo Freire (1996, p. 29):
Pensar certo, em termos críticos, é uma exigência que os momentos do ciclo gnosiológico vão pondo à curiosidade que, tornando-se mais e mais metodicamente rigorosa transita da ingenuidade para o que venho chamando “curiosidade epistemológica. Portanto cabe ao professor o respeito à curiosidade não rigorosa, não metódica, ao saber da
pura experiência, isto é o saber do senso comum que permeia o universo do aluno entendendo que o processo de construção do conhecimento não se dá de forma automática, mas através do “[...] respeito e o estimulo à capacidade criadora do educando”. (FREIRE, 1996, p.29).
Alem desses aspectos relevantes os quais mencionamos que envolve a promoção do conhecimento através da prática docente Freire (1996) também destaca como de suma importância a ética dentre outros, pontuando que “A necessária promoção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita a distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética”.
Pelo exposto, percebemos a importância da ética também voltada para o ato de pensar certo em que o educador é consciente de que apenas o treinamento técnico sem entendimento do processo de criação do objeto dado distancia o educando da possibilidade de como ser histórico-social de confrontar, de valorar, de interferir, de sugerir e etc. Portanto o exercício educativo, a prática docente pautada na ética é também a negação do puritanismo.
3 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE LECIONAM NA COLÔNIA PENAL
LAFAYETE COUTINHO
A Colônia Penal Lafayete Coutinho há aproximadamente dois anos contava em seu quadro de docentes com a seguinte composição: 03 (três) professores graduados em Letras Vernáculas, sendo dois efetivos e um do Programa de Serviço Temporário (PST), criado pelo Governo do
Estado da Bahia. Esses professores eram distribuídos entre a alfabetização e a 4ª série do ensino fundamental I, de forma a atender o Programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), que por sua
vez era dividido em EJA I, II e III. O professor que lecionava na EJA I, desenvolvia o programa da alfabetização à 1ª série, o professor, da EJA II, desenvolvia o programa da 2ª e 3ª séries, enquanto que, o professor da EJA III, desenvolvia o programa na 4ª série. Esses professores utilizavam-se na prática docente de livros didáticos fornecidos pela
Secretaria de Educação e Cultura (SEC), além de outros recursos como lousa, revistas, jornais e filmes como instrumentos no processo de ensino-aprendizado. O professor como mediador do conhecimento, a cada trabalho, algumas vezes em grupos, utilizavam recorte de revistas, jornais e ulterior colagem desses materiais em cartolina, sendo esses
materiais usados como pano de fundo para abrir uma discussão voltada para a percepção dos internos quanto ao que eles haviam colado nos cartazes. Interessante ressaltar a heterogeneidade dessas turmas de sentenciados, uma vez que alguns são oriundos do campo, outros da cidade, o que possibilitava durante os debates a abrangência do
conhecimento voltado para cultura, comunicação dentre outros aspectos. No entanto, as discussões sempre se voltavam para as questões dos possíveis benefícios que os internos ao passo do comprimento da pena vão adquirindo como: remissão de pena por exercer atividades laborativas e educacionais; saídas judiciais; progressão de regime; livramento condicional dentre outros, porém notamos inúmeras dificuldades dos professores para discutir sobre
esses assuntos e até aproveitar para explorar esse contexto de forma interdisciplinar. Essa dificuldade dos professores se deve a falta de noção das Leis de Execuções Penais sob a qual todos os sentenciados estão submetidos. Também percebemos durante o período de observação em sala de aula algumas dificuldades de feedback entre professores e internos, uma vez que os apenados se comunicam muitas vezes através de linguagem, dialeto próprio do cárcere, tal situação dificulta o entendimento do docente sobre as questões abordadas pelos internos. Quanto aos livros didáticos são os mesmos utilizados na educação básica em séries regular. Esses livros não condizem com o contexto de vida e realidade em que os internos estão inseridos,
uma vez que os reeducando não se vêm inseridos nesses livros.
Outro aspecto relevante, que devemos destacar refere-se ao Programa EJA I, em que compartilhavam a mesma sala de aula internos não-alfabetizados e alfabetizados impossibilitando melhor desempenho dos apenados no que tange ao ensino-aprendizado, uma vez que a professora fazia o trabalho de corpo a corpo junto aos não-alfabetizados, enquanto os alfabetizados desenvolviam outras atividades. Essa situação desencadeava certo desconforto para a professora e os internos/alunos. Ressaltamos ainda, que as escolas nas unidades prisionais são escolas especiais possibilitando a matrícula, entrada e saída dos apenados a qualquer tempo. A avaliação é processual, o aluno/interno é avaliado pela participação em sala, seja nas discussões sobre diversos temas, pelos exercícios nos livros e cadernos, portanto engloba todas as atividades que são desenvolvidas no dia-a-dia. Quanto às questões pedagógicas referente à Escola da Colônia Penal Lafayete Coutinho essas são discutidas todas as sextas-feiras junto a Direção da Escola Especial da Penitenciária Lemos Brito, que dirige todas as demais escolas prisionais situadas em salvador e região metropolitana. Nessas reuniões participam os professores de todas as unidades prisionais conforme citamos acima.
Atualmente a Colônia Penal Lafayete Coutinho conta em seu quadro de docentes com: 03 (três) professores graduados em Letras Vernáculas, 02 (dois) professores graduados em Pedagogia, 01 (um) professor graduado em Ciências Sociais e 01 (um) estagiário de Pedagogia. Esses
professores estão distribuídos desde a alfabetização até a 8ª série, isto é ensino fundamental II, de forma a atender ao programa EJA, representando um significativo avanço, uma vez que há dois
anos a educação básica abrangia até a 4ª série.
O ensino Fundamental I está distribuído conforme abaixo:
. Professor Graduado em Pedagogia – Alfabetização e 1ª série
. Professor Graduado em Pedagogia – 2ª e 3ª séries
. Professor Graduado em Letras – 4ª série
O ensino Fundamental II:
. Professor Graduado em Letras – 7ª e 8ª séries
. Professor Graduado em Ciências Sociais – 7ª e 8ª séries
. Professor (estagiário) Graduando em Pedagogia – 7ª e 8ª séries
Pelo exposto, podemos perceber que internos não-alfabetização continuam sendo alfabetizados junto com os da 1ª série ocasionando os mesmos problemas relatados anteriormente, conversas paralelas, brincadeiras dentre outros aspectos. Ressaltamos ainda que, o ano letivo de 2010 não foi instituído a 5ª e 6ª por não haver espaço
físico.
CONCLUSÃO
Durante o período da realização da pesquisa, tive a oportunidade de entrevistar todos os docentes da escola, os quais quando perguntados se apenas a formação acadêmica seria o suficiente para lecionar em unidades prisionais todos foram unânimes em afirmar que a graduação é de fundamental importância, todavia não poderia ser a única base para trabalhar com esse público alvo. Além disso, alguns responderam que iniciaram suas atividades sem sequer conhecer uma unidade prisional e suas rotinas diárias, inclusive sem participar de pelo menos uma palestra sobre tais atividades, tendo aprendido a lidar com as adversidades através da prática docente e troca de conhecimento com os demais professores mais experientes. Entendemos que um ambiente carcerário onde os reeducandos trazem consigo um contexto amplo de vida, faz-se necessário que os professores que estarão no dia-a-dia com os mesmos sejam preparados, capacitados para desta forma entender as nuances que norteiam o ambiente prisional. Enumeramos alguns pontos que servem como parâmetros na formação de professores que lecionam nas unidades prisionais, essas sugestões podem melhor a prática docente conforme a seguir:
. Preparo emocional;
. Conhecimento do dialeto do cárcere;
. Ressocialização;
. Noções da Lei de execuções Penais.
O preparo emocional é de fundamental importância, pois o professor no seu dia-a-dia estará transmitindo conhecimento para alunos que cometeram diversos tipos de delitos, desde os crimes considerados hediondos aos de pequena monta, portanto deverá ter uma postura imparcial. O conhecimento da linguagem do cárcere facilita a questão da decodificação dos signos possibilitando o feedback, portanto promove o ensino-aprendizado. A consciência da ressocialização, na verdade o entendimento por parte do professor que esses internos possuem uma história de vida, isto é trazem consigo valores, angústias, baixa estima,
ideais de vida e é dentro dessas e outras perspectiva que o docente precisa estar preparado para ser um agente transformador desconstruindo e construindo conceitos, visão de mundo utilizando-se de métodos e técnicas adequadas. Todos os apenados do sistema carcerário brasileiro que estão cumprindo pena em regime fechado, semi-aberto ou aberto, estão sob a égide da Lei de Execuções Penais, nessa lei estão os direitos e deveres de todos os apenados, inclusive a questão da remissão de pena através de atividades laborativas e educacional o que torna a escola um ambiente propicio para alguns internos somente freqüentarem para adquirir tal remissão de pena. O professor capacitado, conhecendo previamente a lei poderá desconstruir e construir novos conceitos de escola para esses internos
tornando o ambiente escolar mais significativo.
Nos dias 15 e 16 de dezembro de 2010, o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília aplicou as provas do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM - 2010 – Presídios para 22 (vinte e dois) internos da Colônia Penal Lafayete Coutinho, exame este que segundo os próprios internos que participaram resgatou a auto-estima, esperança de certificação de conclusão de ensino médio e possibilidade de cursar uma universidade e adquirir bolsas de estudos,
caso obtenha nota para tal.
REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 3. ed. Revista e ampliada. São Paulo: Moderna, 2006.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura).
LINHARES, Célia e Silva, Waldeck Carneiro da. (orgs). Formação de Professores: Travessia crítica de um labirinto legal. Brasília: Plano Editora, 2003. (Texto legal: Legislação).
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. (org.). Formação de Professores: proposta para ação reflexiva no ensino fundamental e médio. 1. ed. Araraquara: JM Editora, 2003.
OLIVEIRA, Dulce Eugênia de. (org.) Lei de Execuções Penais. São Paulo: Rideel, 1998. PEREIRA, Júlio Emílio Diniz. Formação de Professores – pesquisa, representações e poder. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
SECRETARIA DA JUSTIÇA CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS. Quantitativo da população carcerária. Disponível em: http://www.sjcdh.ba.gov.br/sap/ unidades_prisionais.htm.
Acesso em: 10 de dez. 2010.
TOLEDO, Caio Navarro de. Governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo: Brasiliense, 2004. (Tudo é História).