A LÍNGUA ESTRANGEIRA NO PROEJA FIC E SUA RELEVÂNCIA
Resumo: Esta elaboração tem por finalidade socializar algumas vivências em sala de aula, em cursos do PROEJA FIC de Santa Rosa – RS, especificamente no componente curricular Língua Estrangeira (Língua Espanhola e Língua Inglesa), no que se refere ao interesse de educandas e educandos na construção desse conhecimento.
Palavras-chave: PROEJA FIC – Língua Estrangeira – interesse - conhecimento
Apresentação
Os cursos do PROEJA FIC ofertados pela Prefeitura Municipal de Santa Rosa, em parceria com o Instituto Federal Farroupilha – Campus Santa Rosa, são ministrados nas dependências da Escola Municipal de Ensino Fundamental Expedicionário Weber e no Instituto. São oferecidos os seguintes cursos: Operador de Computador, Pedreiro Azulejista, Carpinteiro e Alimentação Escolar. As áreas de conhecimento que compõem a estruturação curricular, por orientação do Documento Base, são as seguintes: Ciências Humanas e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e as disciplinas da qualificação profissional escolhida.
O componente curricular Língua Estrangeira faz parte da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, por isso está incluído na organização curricular. Para o curso de Operador de Computador é ofertada a Língua Inglesa e para os demais, Alimentação Escolar, Pedreiro Azulejista e Carpinteiro, é ofertada a Língua Espanhola.
Em cursos nessa modalidade é fundamental dedicar atenção especial às especificidades dos sujeitos da EJA, conhecer suas histórias e seus saberes, levar em conta os conhecimentos que possuem.
Nesse contexto, é frequente o questionamento sobre a eficácia dos métodos adotados para dar aulas de uma determinada língua, pois surgem indagações a respeito do conhecimento lingüístico e sobre conceitos de “certo e errado” que embasam debates e elaborações teóricas, bem como constantes dúvidas acerca da significação que essa língua tem para educandas e educandos.
O questionamento como resposta
Em Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa escreveu “Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”. Questionar é essencial para refletir e buscar caminhos diferentes, o questionamento desassossega, instiga, faz provocações. Entretanto, o ato de indagar sem o espaço para o diálogo é vazio. Então, há que se questionar e dialogar, pois é na dialogicidade que se instala a disponibilidade para a escuta.
Por isso, a opção dessa escritura teve como ponto de partida algumas manifestações feitas por educandos e educandas, que verbalizavam sobre suas dificuldades, frustrações, surpresas e alegrias com as aulas de língua estrangeira.
O trabalho com jovens e adultos/as é diferente daquele realizado em outras modalidades, pois “Quando nos dispomos a pensar a Educação de Jovens e Adultos não podemos esquecer de levar em conta este processo de silenciamento pelo qual passaram boa parte daqueles e daquelas que hoje , já em idade adulta, tentam retornar à escola” (Barcelos: 2010, p. 44). Assim, um componente curricular como a língua estrangeira tende a causar certa insegurança às educandas e aos educandos porque se trata de algo não familiar.
Nesse contexto, o primeiro obstáculo a ser vencido é o temor natural ao novo, ao desconhecido, e isso só se faz com tranquilidade e paciência, buscando desmistificar a construção do conhecimento em língua estrangeira (LE).
Segundo Meister e Santos (2002)
A metodologia de ensino de LE vem sofrendo constantes transformações desde o início do século XX. Ao longo desses anos, diferentes abordagens de ensino de línguas foram sendo propostas e adotadas, sem que a adoção de uma nova abordagem determinasse o abandono de sua antecessora. Essa evolução não-linear determina muitas vezes as confusões conceituais e metodológicas que permeiam o ensino de línguas estrangeiras atualmente. É comum observar abordagens estruturalistas e comunicativas medindo forças dentro das salas de aula e moldando concepções de alunos e professores no que se refere a como se processa o ensino/aprendizagem de uma LE. (p.107)
Dessa forma, para iniciar um processo de ensino/aprendizagem que possa ser relevante para educandas e educandos é necessário conhecer suas expectativas. Para cumprir esse propósito pesquisar é uma das melhores alternativas, pois podem ser utilizados como instrumento de pesquisa: entrevistas, produção de textos, questionários, debates, vídeos, depoimentos. Afinal, é preciso que o processo de ensino e aprendizagem da língua forneça ao educando e à educanda um propósito, uma intenção comunicativa, uma necessidade de transmitir informação, de estabelecer vínculos e conviver de maneira solidária e harmoniosa.
Nas últimas décadas, o ensino de línguas estrangeiras tem sido marcado por influências teóricas que colocam a comunicação como eixo central dos processos de ensinar e aprender em sala de aula. Esta abordagem, que sucede à que via o ensino centrado em formas gramaticais, traz, além da competência lingüística, outros tipos de competências necessários ao falante da língua (CANALE & SWAIN, 1980). Essa guinada na forma de se conceber a aprendizagem de línguas estrangeiras nos coloca como pressuposto que, para se atingir o objetivo de fazer com que os alunos se comuniquem na língua-alvo, é preciso criar em sala de aula condições propícias ao seu uso. A autenticidade se torna, neste caso, fundamental.
Então, através de algumas atividades propostas, foi iniciado o processo de pesquisa/diagnóstico. Primeiramente, através da apresentação individual. Depois, com leituras de textos e debates. Durante o desenvolvimento dessas atividades algumas manifestações foram anotadas:
• “As atividades estão boas, mas não escrevemos nada”
• “Quando vão passar coisa pra escrever no caderno?”
• “Pra que aprender espanhol?”
• “Inglês é complicado.”
• “Meu Deus, depois de velha aprender a falar difícil!”
Ficou perceptível o quanto eram fortes as marcas da educação tradicional e que esperavam trabalhar assim. Entretanto, a língua estrangeira tem um papel importante na formação interdisciplinar dos educandos e educandas jovens e adultos/as, na medida em que contribui para a construção da cidadania e favorece a participação social, permitindo que ampliem a compreensão do mundo em que vivem, reflitam sobre ele e possam nele intervir. Por isso, refletir sobre as indagações que surgiam em sala de aula apontou o caminho a seguir.
Inicialmente, um diálogo sobre a importância da LE, especificamente no contexto da EJA, por ampliar a possibilidades de ascensão profissional, as opções de lazer, o interesse pela leitura e pela escrita e a percepção da escola como um contexto para a constituição da identidade do aluno. E logo depois a identificação de lugares nos quais essa língua é falada.
As aulas iniciaram com a abordagem de conteúdos básicos (cumprimentos, dias da semana, numerais). Entretanto, isso não era satisfatório, não empolgava porque essa perspectiva de ensino, marcada por um fator normativo e estável, enfatiza os elementos da linguagem, sem relacioná-los a contextos mais amplos.
Diante disso, foi recorrido a um questionário, composto pelas seguintes questões:
1) Desde o início das aulas até agora, você avalia que em Língua Espanhola/Inglesa aprendeu:
( ) nada ( ) pouco ( ) muito
2) Em relação a Língua Espanhola/Inglesa você diria que gosta:
( ) pouco ( ) muito ( ) não gosta
Por quê?
3) Adquirir conhecimentos em uma língua estrangeira é importante?
( ) sim ( ) não
Por quê?
4) Você consegue aprender melhor:
( ) lendo ( ) escrevendo ( ) ouvindo ( ) vendo/observando
( ) lendo e escrevendo ( ) escrevendo e ouvindo ( ) lendo, escrevendo e ouvindo
5) Que tipo de atividade você gosta mais de realizar? (Marque quantas alternativas quiser).
( ) Leitura ( ) exercícios de responder ( ) exercícios de marcar
( ) palavras cruzadas ( ) caça-palavras ( ) Exercícios orais ( ) consulta no dicionário ( ) exercícios virtuais (computador) ( ) cartaz ( ) colagem
( ) escrever textos ( ) desenho ( ) pintura ( ) operações matemáticas
( ) exercícios físicos ( ) apresentações (poesia, teatro)
O resultado do questionário apontou o interesse das educandas e dos educandos pela LE, pois no universo de 30 pesquisadas e pesquisados apenas duas pessoas disseram não gostar desse componente. Dentre as razões apontadas para gostar ou não as mais recorrentes foram: “Eu acho bonita”; “Acho chata”; “Não gosto, mas preciso”; “É importantíssimo”; “É uma oportunidade de aprender uma nova língua”; “Tenho dificuldade com a pronúncia”; “É muito difícil”; “É difícil de entender”; “Porque estou aprendendo bastante”.
A diversidade das respostas trouxe para o espaço de reflexão a questão do diálogo, na perspectiva freireana de que “O diálogo pertence à natureza do ser humano, enquanto ser de comunicação. O diálogo sela o ato de aprender, que nunca é individual, embora tenha uma dimensão individual.”(1986:11). A partir disso, iniciou o processo de busca por uma metodologia de ensino de LE que motivasse os educandos e as educandas. A opção, desde o princípio, foi pela abordagem comunicativa, a qual orienta-se em conteúdos relevantes para a aquisição da competência comunicativa. Ou seja, uma abordagem que parte das experiências, dos conhecimentos, da motivação e dos aspectos culturais específicos que cada pessoa traz para a aprendizagem, estabelecendo os objetivos da mesma a partir da pergunta: o que o grupo em questão precisa para saber se comunicar na língua-alvo?
A partir dessa escolha, começou a análise sobre a maneira como cada um e cada uma aprende melhor e as técnicas que foram apontadas como as mais prazerosas. Ficou explícito no resultado do questionário que os educandos e as educandas ainda estão muito dependentes de técnicas que não oferecem margem de interpretações – exercícios de marcar, leitura, exercícios de responder e palavras cruzadas. Enquanto outros tipos de exercícios, especialmente os que trabalham com expressões artísticas e corporais, não foram assinalados ou tiveram poucas escolhas. A relevância, portanto, está naquilo que é bem tradicional, já conhecido, familiar, trazido como vivência dos anos já passados na escola, quebrar esse paradigma é um grande desafio, pois exige confrontar crenças de educandos, educandas, educadoras e educadores.
Apesar de não ser um instrumento completo, e nem o único, para coleta de dados, o questionário permite que educandas e educandos expressem suas crenças e experiências de aprendizagem, mesmo com o risco de restringir a escolha.
Considerações finais
De acordo com Meister e Santos (2002),
A organização curricular de cursos baseados numa abordagem comunicativa está centrada, portanto, no aspecto funcional da linguagem, ou seja, aquilo que o falante pode fazer com a linguagem em situações próximas à realidade, através de exercícios funcionais que solicitam a criatividade do aluno. (p. 108)
Por isso, a valorização do educando e da educanda e de seus processos de aprendizagem faz com que sejam o centro da construção do conhecimento. Investigar caminhos que possam incentivar e otimizar as vivências e os saberes das pessoas é a maneira de errar menos ao escolher metodologias e técnicas.
As anotações realizadas proporcionaram reflexão e (re)construção coletiva. Assim, trabalhar de maneira reflexiva diz respeito à consciência de como se constrói conhecimento em LE, ou como afirma Barcelos (2001),
Aprender reflexivamente significa abrir a discussão a respeito das crenças, estratégias e estilos de aprendizagem aos alunos, para que eles mesmos possam refletir entre eles e com seus professores sobre sua cultura de aprender, sobre crenças de aprendizagem de línguas e como elas influenciam suas ações para aprender dentro e fora de sala de aula. (p. 86)
Importante ressaltar que o tema abordado nesta escritura é, ainda, estudado sob diferentes aspectos, nenhum deles esgotados e, portanto, sem respostas definitivas. Então, é necessário rever conceitos, manter o diálogo permanente e contínuo, buscar fundamentações teóricas, observar e registrar. O registro permite socializar o que se vive em sala de aula, o que leva a tecer elaborações que servem ou servirão para que o grupo de educadoras e educadores possa refletir sobre sua prática e sobre a real importância daquilo que está sendo trabalhado não só em sala de aula, mas na escola como um todo.
É sempre muito necessário pensar e debater a respeito da relevância daquilo que fazemos. No caso particular da EJA mais ainda por tratar-se de um público específico, o qual já vem com uma grande bagagem de conhecimento. Neste caso, o ensino/aprendizagem de LE merece atenção especial para que possa contribuir para a solução de problemas diários em sala de aula, sem causar traumas ou frustrações e contribuindo para despertar o interesse de educandas e educandos.
Referências
ALMEIDA FILHO, J. C. P. D. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. 5ª ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2008.
BARCELOS, Ana Maria Ferreira. Metodologia de pesquisa das crenças sobre a aprendizagem de línguas: estado da arte. In: Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v.1, n.1, 2001, p. 71 – 92.
CANALE, Michel e SWAIN, Merrill. Competência Comunicativa. Oxford, 1980.
MEISTER, Vivian e SANTOS, Sulany Silveira dos. As crenças de alunos de cursos de formação de professores de LE- Inglês sobre o papel da gramática na aprendizagem de LE. In Formas e Linguagens. Ijuí, RS: Editora Unijuí, 2002.
SHOR, Ira, FREIRE, Paulo. Medo e Ousadia – O Cotidiano do Professor. Tradução de Adriana Lopez; revisão técnica de Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.