Respeito ás Religiões Afro-Brasileiras
Olhar diferente à Roger Bastide quando critica as Religiões Afro-brasileiras (Compreensão do livro de Roger Bastide)
Todas as instituições quer civis, religiosas, culturais, políticas ou comerciais só sobrevivem quando reguladas com tabus, normas de conduta prescrições e elementos fundantes. Não é diferente com as religiões afro-brasileiras onde o grupo se encontra com os seus ancestrais e orixás nos mitos, ritos e cerimônias onde se re-interpretam e se convive harmoniosamente com o outro sem prejudicá-lo.
Por isso, não estou de acordo com Roger Bastide quando chama de possessão como crise mística por mais que ele supere esta idéia no final do seu estudo bibliográfico. Nas frases como caiu em violenta crise; por meio de uma crise mística; a crise seja violenta demais; não é uma crise simples é um rito; a crise é sociológica; a crise de possessão; não é uma crise patológica.
A possessão onde os orixás se tornam humanos não pode ser definida como crise mística, crise de possessão, ou crise sociológica, mostrando certo olhar sub-trativo, de inferioridade, inoperância, sem sentido, uma certa deficiência. Esse transe místico é de um fiel cheio da divindade. Pois, se trata do próprio deus. Trata-se da vida de afro-brasileiros com suas origens, histórias, mitos fundantes que alimentam e fortalecem a vida quotidiano, política, cultural e religiosa.
Diante do sofrimento a religião do dominador, opressor e colonizador é de submissão; não se realiza como pessoa transcendente. Ao contrário da religião afro-brasileira onde se tornam sujeitos importantes e protagonistas onde tudo converge. Quando Roger Bastide define o fenômeno religioso como compensação por causa da vida a que estão sujeitos e o transe como controle social, estamos diante de uma nova realidade religiosa diferente das convencionais.
Compensação ou controle social não vejo algo negativo, mas que vivifica e impulsiona a vida religiosa ou estágio religioso que se distancia dos padrões existentes.
Para quem estuda, o fenômeno é recente; mas para quem a vive é antigo. Pois, carrega consigo um passado, um presente e um futuro repleto de mitos, ritos e historicidade. Temos aqui tempos diferentes de análises. Quantos elementos religiosos não se perderam por conta da perseguição da classe dominante excludente?
É nessa religião que as pessoas se fortalecem e buscam o sentido para suas vidas. Ser um orixá (deus) por alguns instantes é ter a força dele seja ele no amor, na luta, no trabalho, na conquista, no bem estar, na felicidade.
As conquistas dos afro-brasileiros que muitas vezes não estão publicados em livros, mas se encontram nas canções, nas poesias, nos contos, no jeito de cada um ser, nos ritos e cerimônias religiosas. Temos aqui a força que está dentro do afro-brasileiro para a sua realização.
Na vida real e social da época, os afro-brasileiros se submetem aos seus senhores e patrões tornando-se inferiores. E na vida religiosa eles se abrem e se submetem aos orixás e tornando-se deuses. Os presentes devem respeito, veneração e no patrão como assalariado é submisso e desprezado.
Se olharmos para a história das religiões existentes, o cristianismo, por exemplo, nasce de uma transformação cultural, política, social e econômica greco-romana. Na sua estrutura é composta de vários elementos de outras religiões para o próprio fortalecimento, atraindo mais adeptos. O Cristianismo não é puro na sua formação original. Ele é uma mistura da várias religiões que, desde então, considerava pagãs. E porque não com as religiões afro-brasileiras? É maravilhoso e divino saber que a pessoa se torna o centro, a morada da divindade. E porque não o próprio deus, já que por muito tempo foi esquecida. Na religião há a auto-afirmação, transformação e valorização no momento em que eram rejeitados pela e na sociedade.
É bom lembrar que na religião a pessoa toma consciência de si e da sua história (passado, presente, futuros, mitos, ritos, festas) e re-constrói sua vida a partir dos modelos que o circundam, valorizando os símbolos religiosos afro-brasileiros onde a pessoa é o centro, é o próprio deus. Aqui se retoma o valor e o peso do grupo e a valorização no processo histórico-religioso africano. O poder do mito nos transes que são captados pela iniciação se tornam vivos para a hegemonia da religião.
Vamos cultivar as diferenças para que possamos crescer como seres humanos e não repetirmos os erros do passado pensando que o outro não é sagrado e nem tem deus.
Os estudos de Roger Bastide provocam-nos na medida em que lançamos o olhar para o sagrado, os nossos deuses ou orixás enquanto vivem e convivem conosco, construindo a própria história religiosa como as outras religiões. Os afro-brasileiros construíram sua religião com base na sua ancestralidade e brasilidade. Eles partem do pressuposto histórico-ancestral segundo o qual seus antepassados é que deram origem ao mundo e que toda a religiosidade presente é original tal qual nos tempos primordiais. Isto foi passado de forma oral, modo de ensino que prevalece até hoje através de mitos, ritos, festas, cerimônias, danças.
Precisamos saber que o outro tem seu universo, sua história, sua memória coletiva, sua dinamicidade. As sociedades são dinâmicas e a vida seja ela religiosa, cultural, social não está parada. Eles são frutos de um processo e construção. “Não podemos pensar nesse processo sem pensar simultâneamente na alteridade, para que seja possível estabelecer e criar relação.” (VV.AA. Raça e Diversidade, edusp, 1996, 56.57).
Finalizando este reflexão repensemos nossos discursos e práticas para não cairmos em erros que muitas pessoas cometeram e ainda outros repetem, definindo o outro a partir de seus mundos culturais, espirituais e econômicos. O outro, sem dúvida, é a presença do sagrado, infinito, orixá, ndjambi, suku (deus).