A BANALIDADE DO MAL

A questão do mal acompanha a história da humanidade. Entender os males praticados pelos próprios homens nunca foi fácil, pois se o homem foi criado por um Deus bom, por que sua criatura, muitas vezes, age com tanta maldade? Frente a esta questão discute-se o livre arbítrio, a corrupção da natureza do homem, a origem animal do homem, e outros aspectos relacionados com a origem e o sentido da vida humana. Como, às vezes, os males causados pelo homem são tão monstruosos, que já não cabem na compreensão de um ser, cuja origem se atribui a um Deus bom, demonizou-se o mal, considerando que os demônios usam os homens para praticarem estes males monstruosos de que temos notícia na história, e com os quais nos confrontamos quase diariamente. Neste sentido, constata-se que em nosso tempo histórico, séculos XX e XXI, o mal assumiu proporções gigantescas. As duas guerras mundiais, os campos de concentração, o terrorismo, as guerras fratricidas... também hoje nos colocam de forma dramática a questão: por que tanta maldade? Esta pergunta está na boca do povo e na pena dos acadêmicos. Como referência da preocupação com o problema do mal, pode-se examinar as reflexões da filósofa Hanna Arendt, que tenta aclarar a existência do mal com sua tese sobre o "mal banal". Hanna Arendt considera que este mal é um mal sem origem demoníaca, em que os atores não são monstros nem psicopatas, mas simplesmente homens banais, comuns.

Hanna Arendt tomou como protótipo do homem banal o carrasco nazista Eichmann, condenado e enforcado em Israel nos anos de 1960. Durante o processo, Eichmann, que enviara milhares de judeus às câmaras de gás, não demonstrou nenhuma anormalidade psíquica, nem arrependimento, diante das monstruosidades que praticara. Pelo contrário, externava a consciência de que fora um funcionário público exemplar, cumpridor de seus deveres. Segundo ele, não lhe competia analisar criticamente as ordens de seus superiores, e nunca tivera ódio dos judeus. Arendt classifica o mal praticado por Eichmann como o "mal banal", feito por homens que não pensam criticamente. Segundo Arendt, talvez pelo aumento demasiado da população, e consequente burocratização da sociedade, cada vez mais os homens são considerados supérfluos. Assassinar 10, 20 ou milhares é percebido, hoje em dia, como absolutamente banal por aqueles que dominam a sociedade e pela população em geral. E isto faz com que diminua a consciência crítica dos cidadãos. Assim, grande parte da humanidade se tornou banal, avaliando as monstruosidades dos males diários como absolutamente banais. O fruto disto são homens que não pensam criticamente, que são capazes de praticar males monstruosos sem remorso, e com a consciência de terem cumprido seu "dever". Mas ao lado destes, que vivem a vida de forma totalmente secularizada, aumentam também aqueles que, num mundo religioso alienado, atribuem os males monstruosos dos homens a uma interferência demoníaca na hhumanidade.

A tese do "mal banal" de Hanna Arendt, embora não pareça ser uma tese completa para explicar os males praticados pelos homens, mas serve como explicação para muitos comportamentos humanos de hoje. De fato, diariamente somos confrontados com homicídios e monstruosidades sem fim por motivos totalmente banais. Males, ao que parece, sem raízes lógicas, nem explicações humanitárias. A pura irracionalidade. E por que, segundo Hanna Arendt, existiriam tais males? Porque o ser humano não é educado para pensar criticamente a realidade da vida e a organização das estruturas sociais. Fundamental seria a educação da juventude, tornando-a capaz para analisar criticamente as práticas religiosas, culturais e políticas de nosso tempo.

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Inácio Strieder é professor de fiilosofia - Recife/PE