Papagaio de Pirata
A língua portuguesa falada no Brasil toma várias formas, com diferentes sotaques e estilos. Há uma grande diversidade a ser explorada. No entanto, parecem duas línguas diferentes quando observamos a língua falada e a escrita. A língua falada é uma gramática natural. Vejamos o exemplo da criança que aprende sua língua pátria; a internalização das regras ocorre naturalmente, e ela vai aprendendo a usar no seu cotidiano, através de exemplos de outros usuários com quem convive.
Dessa maneira faz-nos refletir sobre o ensino de língua materna no país. Nos últimos anos observamos mudanças de formas de ver a língua, afinal o que é a gramática? A gramática é o estudo sistematizado da língua. Então temos que partir da própria língua para o estudo gramatical. Entretanto não é isso que acontece nas escolas. Parte-se das regras, da normatização para tentar adequar a fala. Não digo que seja inválido termos o conhecimento da norma culta, a privilegiada. Quem discursa com essa norma pode orgulhar-se de falar com uma correção gramatical. Sabemos de sua importância, no entanto, de fato quem se comunica assim em seu cotidiano? A resposta é óbvia! Ninguém.
A escola ao longo dos últimos anos priorizou a língua culta em detrimento à linguagem natural do sujeito. Hoje temos um grupo de linguistas que apostam em uma nova postura, onde se observa a gramatica natural e partir daí analisar a língua. Marcos Bagno, por exemplo, defende que na oração “Vende-se casas” não há erro, pois o povo entende esse tipo de regra como gratuita, quando se considera a palavra se como partícula apassivadora de “pseudopassiva sintética”, e poderia entendê-la como índice de indeterminação do sujeito, o que tornaria a frase correta gramaticalmente. O próprio Bechara reconhece essa construção dita errada como gramática correta, apesar de ser ainda antiliterário, segundo ele.
A partir desses exemplos vemos que a escola cumpre seu papel de transmissora de conhecimento, mas ainda não proporciona ao seu aluno a importante função de transformá-lo em um ser que pensa e discute questões. Nesse caso citado acima, por exemplo, a escola deveria mostrar o que prega a norma culta e levar o aluno a criticar essa norma. Que ele conheça a norma culta sim, mas que também tenha argumentos para criticá-la e defender o seu ponto de vista.
Afinal, as gramáticas que temos são interpretações da NGB (Normatização Gramatical Brasileira), por isso achamos diferenças entre os próprios gramáticos. Assim o aluno aprenderia uma gramática e saberia defender seus pontos de vista. Sabemos que o principal objetivo de estudar a língua é refletir sobre ela e não decorá-la e repeti-la como se fôssemos papagaios de piratas.
Enfim, a escola nos últimos cem anos tem produzido papagaios de pirata e não alunos que olham, observam, criticam, distinguem e concluem. Enquanto a escola não perceber a sua maior função, que é fazer do aluno um ser que pensa e critica, teremos uma educação de qualidade questionável, e ocuparemos no ranking mundial os piores lugares.