Oralidade no Ensino Fundamental I: Um relato formativo prático.
MANTOVANINI, Regiane
RESUMO
Este artigo trata de um relato de prática de formação continuada que aconteceu no período de dois anos com o grupo de professoras de uma escola de Ensino Fundamental I da rede pública municipal de São Bernardo do Campo/SP, o qual coordenei. Abordamos nesta formação, a oralidade, um eixo de estudo da área de Língua Portuguesa. O objetivo principal deste artigo é a socialização de um trabalho de formação continuada, no intuito de sensibilizar o olhar dos educadores para estes espaços formativos, como fundamentais para discussão, reflexão e reorganização de pensares. Este artigo, além de falar da formação continuada, se dispõe olhar para a oralidade como um trabalho que não acontece naturalmente nas escolas e salas de aula, por isso, necessita ser tratado com seriedade e intencionalidade, pois pode ser elemento de discriminação e exclusão social. Todos os sujeitos envolvidos tiveram voz e participaram da construção da formação e da produção de orientações didáticas que constam no Projeto Político Pedagógico (trechos que constam neste artigo) da escola. Os autores de sustentação do trabalho foram: Marcos Bagno, Luiz Carlos Tavaglia, Ana Teberosky e Cesar Coll, parte do documento “Pre deseño curricular para La Educación General Básica da Argentina que aborda o tema: Falar na escola; e a Proposta Curricular da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo/SP. Para o artigo, além dos autores citados, nos apoiamos em Apple, Ribeiro, Sacristán.
Palavras-chave: Formação continuada de professores; Dialogicidade; Oralidade; Língua Portuguesa.
INTRODUÇÃO
Iniciamos este artigo com considerações conceituais sobre o trabalho com oralidade e algumas amostras material produzido pelo grupo de professoras.
Consideramos que, por se tratar de uma prática de formação continuada, este trabalho possa contribuir para evidenciar pressupostos sobre oralidade e subsidiar o trabalho e a reflexão de outros profissionais no intuito de mostrar o quanto podemos realizar práticas significativas que transformem qualitativamente a realidade educacional, se desejarmos uma educação diferente e inclusiva.
Além disso, desejamos divulgar a possibilidade de fazer dos momentos de formação continuada, momentos de construção e reconstrução de conhecimentos, pois apostamos que a formação continuada, se bem trabalhada, pode oferecer contribuições para a transformação qualitativa das práticas dos professores.
Ao final apresentamos conclusões reflexivas a respeito do trabalho formativo desenvolvido e avanços.
Trabalho com oralidade: Natural ou intencional? Uma questão histórica
“A língua é minha pátria e eu não tenho pátria: tenho mátria”
Língua - Caetano Veloso
De maneira simbiótica integrando o homem e a cultura, acontece a transmissão da linguagem oral de um povo. Por isso, não precisamos ir à escola para aprender nos comunicar oralmente, vamos nos apropriando deste falar a partir dos primeiros contatos com nossas instituições primárias afetivamente e, ao longo de nossa evolução e das relações com o outro, vamos nos apropriando desta “mátria”.
A língua oral é o instrumento fundamental de mobilidade e de posicionamento de um ser humano no contexto social. Não é possível inserir-se na cultura de um povo senão pela linguagem. Quando a língua de um povo é negada, nega-se também com sua identidade cultural e histórica.
Segundo Gramsci, “o controle do conhecimento que preserva e produz setores de uma sociedade é um fator fundamental para a ampliação da dominância ideológica de um grupo de pessoas sobre o outro ou de uma classe sobre grupos menos poderosos de pessoas ou classes.” (apud APPLE, 2006, p.96)
No Brasil, tornou-se vigente nos currículos e nas culturas escolares, a dinâmica da educação como instrumento discriminatório e manipulador do poder, principalmente a partir década de 60. Este sistema operava na lógica do não falar, da não expressão de opiniões contrárias, do medo, da valorização e premiação aos “bons alunos” calados, obedientes.
Tais modelos foram tão profundamente arraigados na coletividade brasileira, que, mesmo após quarenta anos, podemos notar resquícios de uma cultura escolar prescritiva, que preza por uma estrutura organizacional e metodológica de ordem, certezas e respostas prontas.
Por conta dessa história e da falta de investimentos formativos e reflexivos neste eixo do ensino da Língua Portuguesa, quando falamos em oralidade, é comum pensarmos que a oralidade acontece naturalmente no decorrer das aulas por meio de ações corriqueiras do ato de falar.
Quando o tema oralidade é levantado com professores é comum notarmos uma crença de que trabalhar oralidade seja ensinar aos alunos uma única e adequada forma de falar e expressar.
A falta de oportunidades ou abertura para discussões acerca deste tema limita o desenvolvimento da consciência crítica do professor acerca do processo velado de discriminação que a oralidade traz consigo. Tal processo valida maneiras de falar a partir de categorias, gera a difusão de preconceito e a discriminação de outras culturas que não se enquadram nos padrões determinados.
Um grupo de significados do senso comum, combinando o consenso normativo e o ajuste econômico, foi construído na própria estrutura da educação formal. Por trás destas escolhas preferenciais sobre as necessidades individuais, há um conjunto mais poderoso de expectativas cercando a escolarização – conjunto que estabelece a estrutura constitutiva da experiência escolar. (APPLE, 2006, p.88)
Apple (2006) nos coloca que as relações hegemônicas de poder são produzidas na escola desde os primeiros contatos dos alunos com tal instituição em seus primeiros anos de vida, através do estabelecimento de rotinas diárias, de acordos feitos, de ofertas de brinquedos, de sugestões de atividades, de reações, de tom de voz, de maneiras de responder e na forma como lidamos e trabalhamos o falar com o aluno.
Os professores não são “culpados” pela perpetuação de alguns valores relacionados à reprodução e valorização de uma fala do “senso comum”, pois segundo Sacristán (1999), isso acontece porque eles iniciaram sua formação no seio familiar, viveram no interior das relações escolares sob tal cultura e tiveram relações com o falar que seguiram os mesmos parâmetros. As experiências que tiveram com a oralidade ao longo de sua formação, podem influenciar em demasia seu modo de conduzir o trabalho junto a seus alunos. A falta de acesso a momentos formativos que favoreçam discussões e reflexões de concepções, pensamentos e práticas, influencia sua atuação profissional.
É por esta razão que um trabalho de formação continuada com oralidade requer levar os professores a pensar nas suas próprias raízes culturais como recurso para um olhar de não discriminação a tal questão, levá-los a pensar que a fala faz parte da história de vida de cada um, traz consigo características distintas de expressão.
Levar os professores a distinguir e diferenciar a comunicação humana interpessoal cotidiana e a comunicação humana com ênfase em situações comunicativas utilizadas socialmente e em público – comunicação esta que cabe à escola ensinar- é o objetivo central deste trabalho.
O trabalho com oralidade necessita acontecer de forma intencional e não aleatoriamente no decorrer das aulas. Por mais que os alunos sejam levados a falar, se expressar, discutir, opinar, precisam ser problematizados e levados a planejar ações orais, para que ampliem na prática sua expressão dialógica.
O mito em torno da fala perfeita
“Incrível! É melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Se você tem uma idéia incrível, é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão”
Língua – Caetano Veloso
Utilizando os versos desta canção como disparadores de nossa reflexão, nos questionamos: será que só falam bem as pessoas que pertencem a classes sociais mais favorecidas, que vivem em centros econômicos desenvolvidos, escolarizadas e diplomadas?
Bagno (1999) traz em sua obra uma discussão séria sobre esta reprodução de estereótipos e mitos a partir do trabalho com a linguagem oral. O autor discute os grandes mitos presentes nas questões da oralidade, são os responsáveis pela perpetuação do preconceito e da discriminação dos menos favorecidos.
O autor referido esclarece ser um mito acharmos que no Brasil a língua falada tem uma unidade, pois cada região deste imenso país recebeu influências das línguas dos nativos, colonizadores, migrantes e imigrantes e, embora tenhamos um único português, os regionalismos são marcantes, fazendo diversos, os dialetos aqui falados. Não existe, portanto, fala perfeita em nenhum lugar do Brasil, pois em cada um destes lugares há as marcas culturais da região e cultura.
Uma vez que os alunos aprendem a falar nos seus contextos primários e não na escola, cabe a esta instituição, considerar a fala que o aluno traz ensinando as situações comunicativas, o uso social da fala; ensinar a postura corporal e o tom de voz para uma apresentação oral pública; ensinar um aluno a expor, a argumentar, a narrar, a contar fatos, a entrevistar e ser entrevistado, a discutir, a relatar, declamar poesias..., tais habilidades farão dele, um sujeito capaz de se expressar com desenvoltura visando desenvolver sua capacidade de adequação e domínio oral nos diversos ambientes que terá contato ao longo de sua vida.
O objetivo da língua é ser instrumento da comunicação humana emancipador. A língua é uma unidade viva, que vai sofrendo transformações ao longo do tempo e da utilização; é por esta razão que muitas formas de pronúncia que hoje são empregadas, outrora não o eram, mas se tornam corretas em virtude de seu uso. Todas as línguas faladas no mundo sofrem variações de acordo com as regiões, as populações, tempo.
Outro mito desconstruído por Bagno (1999) é o de que seja certo falar da forma como escrevemos. Trata-se de um falso mito, pois a escrita tem suas próprias regras. A língua falada é regida por forças internas que dominam o idioma, enquanto que a língua escrita é regida por uma grafia convencional, regras ortográficas fixas e generalizadas a todos os usuários. A língua falada e a língua escrita são códigos distintos que têm em si suas especificidades.
Segundo Travaglia (1996), o trabalho que a escola precisa fazer com oralidade deve levar em conta três fatores: o grau de formalismo, o modo e a sintonia. No grau de formalismo, ensinamos aos alunos a adequação de acordo com situações mais ou menos formais de uso. O modo corresponde às peculiaridades da situação oral e da escrita e somente na fala, utilizamos a sintonia. Nesta, utilizamos gestos, olhares, observação da reação alheia, sons que dão o retorno da conversa, recursos não presentes na escrita. De forma que, como diz o autor:
Podemos ter textos altamente formais na língua falada e textos totalmente informais na língua escrita. A língua escrita também pode apresentar variantes dialetais, embora estas sejam usualmente pouco numerosas e menos marcantes que na língua falada, porque no escrito desaparecem as diferenças fonéticas, prosódicas e outras. (TRAVAGLIA, 1996, p.53)
Cabe ao trabalho com oralidade, acolher a fala regional que cada aluno traz e oferecer recursos para que aprenda a fazer adequações quanto aos contextos e usos cotidianos distintos. Norteá-lo e levá-lo a utilizar a linguagem e seus recursos com capacidade crítica e autônoma nas convenções culturais.
A escola que não problematiza e fornece tais subsídios, isenta-se de instrumentalizar seus alunos para falar vida afora e a falta deste domínio pode favorecer a marginalização de sujeitos. Estará se omitindo de ensinar o código da comunicação oral.
Projeto Político Pedagógico e Formação continuada em serviço: um trabalho possível
“Minha pátria é minha língua”
Língua- Caetano Veloso
O grupo de professoras, da EMEB Marcos Rogério da Rosa, Ensino Fundamental I, de São Bernardo do Campo/SP , foi problematizado a respeito da estruturação dos planos de curso que compunham parte do Projeto Político Pedagógico e decidiu que deveria reformulá-los. Consideraram pertinente que esta reformulação começasse pela área de Língua Portuguesa e pelo estudo da oralidade, pois se tratava de um assunto muito pouco abordado, embora seja um eixo da área de Língua Portuguesa.
A proposta acordada para que esta tarefa fosse realizada, foi que nos momentos de HTPC (Horários de trabalho pedagógico coletivo), houvesse formação voltada a este eixo e ao final destes encontros, haveria a sistematização dos registros e avaliações os transformando em orientações didáticas visando a fundamentação do trabalho da escola com oralidade; a elaboração/definição de objetivos e conteúdos do eixo referido. Tais materiais compuseram o Projeto Político Pedagógico da unidade em questão.
Ao iniciarmos as discussões sobre o que o grupo pensava a respeito do trabalho com oralidade, notamos que havia dois pressupostos que precisavam ser considerados. Um, que a oralidade acontecia naturalmente no decorrer das dinâmicas cotidianas em sala de aula e outro, que existia um jeito certo de falar e a escola deveria ensiná-lo.
Partindo deste ponto, nossos objetivos, como formadora tornaram-se: reverter o pressuposto que as professoras tinham de que o trabalho acontece naturalmente nas dinâmicas cotidianas, a fim de que passassem a perceber a necessidade de um trabalho com planejamentos e ações intencionais; levá-las a pensar quais seriam os aspectos a serem tratados em tais planejamentos e nas intervenções com alunos; tentar desconstruir a falsa idéia de que havia um jeito correto de se expressar e quem não estivesse dentro daquele parâmetro poderia ser tratado com menor valia, ou seja, que a oralidade também era um canal de acesso ou exclusão de pessoas e isso poderia ser disparado na própria dinâmica de sala de aula, da escola, na interação de alunos com alunos, professores com alunos se não bem cuidado.
Para discutir o mito de que há uma forma correta ou incorreta de falar, começamos uma problematização acerca do modo com que cada uma falava e o porquê de tais características. Algumas professoras que têm traços peculiares de fala foram solicitadas a explicar ao grupo a origem de tais traços. A partir desta dinâmica, os traços de regionalismo que marcam o jeito de falar de cada sujeito começaram a ser observados.
Mesmo considerando os regionalismos que compunham a forma de cada uma falar, ainda havia professoras que consideravam haver sim uma maneira de falar argumentando que quem falava errado era discriminado.
O grupo começou a ser problematizado quanto às razões desta crença e quanto tal fala trazia consigo estereótipos difundidos por regiões economicamente favorecidas onde quem não se enquadra é tratado como inferior. Para isso, foi proposta análise de formas de falar de pessoas distintas a fim de levar o grupo a perceber que os pressupostos defendidos, tratavam apenas de estereótipos do senso comum. Por meio de recursos diversos foi proposta análise e discussão deste aspecto.
Propusemos exercícios de análise de músicas e filmes visando provocar observações na diferença de sotaques de acordo com a região do país; ouvir a fala de locutores de rádio, análise de discursos de telejornal e de uma telenovela.
Esta etapa do trabalho foi extremamente significativa, pois fez com que a naturalização de tratar o tema em questão como certo ou errado, pudesse ser desconstruída. O grupo chegou à conclusão de que há diversas maneiras de se falar, pois a fala é expressão de nossas identidades culturais. Por esta razão, não pode ser tratada como certa ou errada, mas como identidades plurais, possíveis e tão valiosas quanto à dos grupos mais favorecidos. Observaram que não era a forma de falar, o sotaque, as gírias utilizadas que faziam o sujeito melhor ou pior que o outro, mas os mitos e os reforços desta imagem preconceituosa que nutriam tais conceitos.
Seguindo esta linha de propostas, com o subsídio de estudo teórico dos autores referência, buscou-se desconstruir verdades mitificadas sobre este assunto e substituí-las por reflexão crítica sobre o papel da escola no trabalho com tais identidades culturais expressas por meio da fala e oferecer subsídios àquele sujeito que não teve outros recursos de vida para aprender a comunicar-se de acordo com cada situação, visando desenvolvimento de sua competência.
No decorrer deste percurso estiveam presentes provocações se este era um trabalho que acontecia por si só ou se precisava de planejamento e intencionalidade. Para aproximação da realidade de cada professora, foi proposta uma atividade em subgrupo em que cada agrupamento tinha a tarefa de criar situações comunicativas específicas como entrevistas, conto de causos, narração de história, argumentação, debate, discussão... Após tais apresentações, houve problematizações para levantamento de quais seriam as peculiaridades do ensino e as intervenções necessárias para o trabalho com cada qual.
A especificidade do trabalho com oralidade
“Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar (...)
Gosto do Pessoa na pessoa, da rosa no Rosa (...)
(...) Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
o falso inglês relax dos surfistas”.
Língua- Caetano Veloso
Se os alunos desde cedo tiverem contato com outras formas de falar, com outros dialetos, outras culturas, terão mais recursos de autogestão de seu próprio conhecimento e da sua comunicação social.
A comunicação oral acontece por meio de movimentos de comunicação, que na grande maioria das vezes não são notadas, mas que no ensino da oralidade devem ser planejadas e problematizadas nas dinâmicas junto aos alunos:
• Perguntas: informam o interlocutor a respeito de quais são as questões a serem esclarecidas na fala. Sugere-se aos falantes ser o mais objetivo possível quando utilizarem este elemento.
• Expressão opiniões: trata de uma ação da oralidade que se presta ao locutor e interlocutor expressar seu próprio ponto de vista.
• Explicações: detalhamento de informações.
• Instruções: orientam com clareza o que o falante deseja.
Outro aspecto importante no ensino oral que o aluno precisa aprender é realizar adequações nos tons, ritmos e pausas, bem como na utilização de outras formas de comunicação como as expressões não verbais para atingir seu objetivo eleito.
Mas como o aluno vai ter tantos recursos, se não for levado a pensar sobre eles? Qualquer proposta didática deve partir da intencionalidade. Uma situação de falar não deixa de ter esta conotação. O pressuposto básico de ser uma ação intencional é o planejamento. Mas quais são os aspectos que um planejamento para o falar poderia abordar?
Uma das primeiras ações a ser desenvolvida com alunos consiste no estudo do que deseja falar antes da apresentação, lendo com antecedência. É imprescindível que conheçam bem o assunto a ser tratado, para poder improvisar se necessário, com exemplos e ampliação suas idéias. Planejando a adequação da linguagem que fará de acordo com o público que atenderá, elegendo palavras técnicas utilizadas pelo público alvo.
O preparo dos alunos para esta ação requer levá-los a pensar nos vários significados das palavras, adequando-as à situação que desejam. Na conversa, por exemplo, há vários tipos ou situações de conversa e os alunos precisam se chamados atenção para isso. Há graus de proximidade e objetivos diferentes em cada situação. Para cada uma ou interlocutor, há um tratamento de acordo com o grau de proximidade e situação. Cada uma destas personalidades exige um tipo de adequação de tratamento e isso é importante que os alunos compreendam e façam uso.
Numa situação de debate e argumentação é importante que os alunos notem a importância de defesa de seus pontos de vista, mas que tenham domínio do assunto a ser tratado. No desenvolvimento destas situações, os alunos precisam exercitar a expressão de sua opinião sem repetir a do outro, observar e serem estimulados a desenvolver sua própria linha de raciocínio, interagir com argumentos e pontos de vista de maneira contextualizada buscando adequar estes quesitos às diversas situações e interlocutores. O ensino de oralidade estará a serviço de ensinar o aluno a ter segurança na defesa de seus pontos de vista tendo sempre em mente o respeito ao outro.
Outro ponto a ser abordado com os alunos está relacionado à postura correta e educada quando o sujeito fala com alguém, a fim de que respeite os turnos da fala para que não haja sobreposição de vozes, pois a finalidade da comunicação é a troca de informações, experiências (trocar/aprender/ensinar) e não tumulto de vozes.
Existem algumas atividades que têm na oralidade seu “coração” (ler e declamar poemas, trava-línguas, literatura de cordel, repente). Se não for pela via oral, elas perdem seu sentido social. Estas atividades, embora só existam por meio da oralidade, são atividades de leitura e por decorrência devem seguir critérios peculiares da leitura como entonação, pontuação, expressão de sentimentos... São atividades e intervenções paralelas que devem ser abordadas nos momentos de leitura.
Diferentemente destas modalidades, a oratória é uma modalidade exclusivamente oral. Na oratória não há interlocutores. Tal diferença necessita ser problematizada e conhecida pelos alunos. Uma peculiaridade da oratória é que o orador é o informante, o palestrante e que somente no final há o tempo definido para responder as questões do público suscitadas a partir de sua explanação. O tempo nesta modalidade da fala é imprescindível, por isso o aluno deve ser levado a pensar neste quesito.
Outra situação comunicativa utilizada socialmente e que deve ser ensinada na escola é a entrevista. Conforme Dolz (1999), a escola deve intermediar e ensinar gêneros escritos e orais que são utilizados na vida cotidiana do homem em sociedade, por isso, a entrevista apresenta-se como um gênero imprescindível.
Os alunos precisam conhecer a função de uma entrevista, presenciar e assistir a entrevistas, observar e se apropriar de conhecimentos a partir dela. E saber que, para isso, é preciso conhecer o entrevistado e definir que informação se deseja alcançar.
Uma entrevista como os demais gêneros tem suas especificidades estruturais. Há um roteiro que deve ser conhecido, observado e dominado pelos alunos, como por exemplo, a escolha por perguntas abertas, onde entrevistador abre possibilidade para o entrevistado contar sobre algum fato, experiência, opinião e até contra argumentar com outra questão ou a pergunta fechada, aquela que segue um roteiro intencional a partir das metas do entrevistador, onde delimita a resposta do entrevistado.
Os professores com o trabalho de entrevistas devem fazer com que os alunos notem a importância do registro, seu resultado e avaliar. Para isso necessitam ao final do trabalho ter critérios de análise daquele instrumento, se serviu como fonte de ampliação de repertório/conhecimento seu e do público ou não.
Outra modalidade, a exposição segue os mesmos princípios das demais situações comunicativas, porém, nesta em especial, o locutor expõe sobre algum assunto, tema ou objeto com a interação do interlocutor.
Por este motivo os alunos necessitam aprender que quando fizerem uma exposição deverão ter muita clareza do produto ou assunto que será exposto e acima de tudo ter desenvoltura e iniciativa para seduzir o interlocutor a ouvir e interessar-se pelo que irá expor.
Os alunos precisam saber que para uma boa exposição acontecer é interessante que o expositor pergunte ao visitante o que ele já sabe sobre o assunto, ou o que gostaria de saber sobre aquele assunto para que seu falar desperte a curiosidade e o interesse no outro, bem como encontrar outros elementos que possam chamar atenção dele, pois sem esta, não há exposição. No ensino desta modalidade sugerimos que o professor faça com sua turma várias oficinas expositivas para que notem as particularidades, observem, avaliem todas as nuances positivas e negativas que possam enriquecer sua desenvoltura.
Propomos um trabalho em que o professor desenvolva no aluno a competência do discurso oral, “abrindo a escola para todos os discursos, incluídas aí as variedades lingüísticas, que são, na verdade, reflexos de discursos diversos.”(TRAVAGLIA, 1996, p.64)
Conclusão
Embora este percurso formativo não tenha sido repleto de acertos, consideramos que ele atendeu aos objetivos essenciais levantados.
Nos relatos reflexivos finais, as professoras consideraram que embora o estudo tivesse sido cansativo, fora imprescincível, caso contrário, não teriam tido condições de chegar às conclusões que chegaram sendo que grande parte das professoras relatou ter notado um salto qualitativo no seu conhecimento sobre o assunto.
Houve mudanças conceituais no percurso. No início consideravam fácil realizar um trabalho em oralidade, mas, com o passar das discussões, concluíram ser complexo, mas possível.
Algumas professoras foram mais ousadas que outras na inserção intencional deste eixo em sua rotina, mas de maneira geral, todas conquistaram clareza dos pressupostos e objetivos a alcançar com tal trabalho de maneira que nas avaliações apareceram frases como: “Agora enxergo o quanto as relações eram hierárquicas na minha dinâmica” professora L. “Minha dinâmica mudou, consigo perceber o quanto a relação em sala de aula precisa ser dialógica, o quanto o aluno tem voz e necessita ter” professora N.
Pudemos vivenciar várias ações pedagógicas inserindo o ensino da oralidade da forma como vimos discutindo. Houve em 2007 um projeto coletivo da escola intitulado “Africanidades”. Notamos que entrevistas passaram a ser utilizadas como recurso de estudo e pesquisa regular de algumas professoras e anos/ciclos. Os alunos apresentaram domínio de postura, adequação, forma de produzir e conduzir entrevistas. Eles entrevistaram António Domingos Braço, professor moçambicano.
A problematização dos mitos e da função social da escola atrelado à história que fundamenta nossas origens e nosso contexto atual foi muito importante para a mudança de concepção. A problematização das ações escolares realizadas dentro e fora da sala de aula, visando à consciência do poder que elas têm para formar determinados perfis de cidadãos, também foram bastante importantes para que uma outra faceta pudesse ser vista.
Embora este seja um eixo do currículo da área de Língua Portuguesa, tal abordagem mostrou-se muito nova no contexto prático escolar. Por esta razão, consideramos os momentos de formação continuada muito importantes para tal reflexão, pois mesmo com tempo limitado, são capazes de transformar em curto prazo alguns conceitos pouco discutidos, favorecendo o pensar sobre, o aflorar do senso crítico e o despertar para tais questões. Afinal como vimos, foram muitos, os anos em nossa formação como sujeitos, recebendo investimentos contrários a esta concepção do falar e expressar-se na escola e na vida. Por isso, esta é uma prática a ser construída, discutida, planejada e replanejada no cotidiano escolar.
Tal discussão e sistematização em PPP (Projeto Político Pedagógico) favoreceu ao grupo da Emeb Marcos Rogério da Rosa ter um referencial de pressupostos que serve e servirá de subsídios aos trabalhos com oralidade.
Para refletir: Quais são os modelos de relações humanas e orais que estamos favorecendo nas nossas relações interpessoais na escola? Que tipo de dinâmica estamos empregando para que os alunos se expressem oralmente?
Qualquer professor, escola, equipe, rede que tiver o desejo de desenvolvê-lo conseguirá fazê-lo. Cabe tentar e acreditar!
REFERÊNCIAS
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BAGNO, Marcos. O preconceito lingüístico. O que é? Como se faz? São Paulo : Loyola,1999.
COLL, César, TEBEROSKY, Ana. Aprendendo Português – conteúdos essenciais para o ensino fundamental de 1ª a 4ª série. São Paulo: Ática, 1999.
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RIBEIRO, Maria Luiza Santos. História da educação brasileira. A organização escolar.18ª Ed. Campinas,SP:Autores Associados,2003.
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TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.