O acadêmico de hoje e o amanhã
Penso que a educação no Brasil nunca esteve em tão baixo nível. As escolas privadas viraram um rentável ramo de negócio, onde o lucro é alto e, muitas vezes, o foco principal, o verdadeiro objetivo da coisa. Faculdades e mais faculdades particulares proliferam por aí, despejando no mercado "profissionais" despreparados, muitos sem saber sequer escrever corretamente, advogados inclusive (é de pasmar...). Reputo isso à falência do ensino público, de há muito. O Governo não faz a lição de casa, desviando, para outros fins, muitos dos quais ilícitos (leia-se corrupção, caixa dois, mensalão, propinoduto, e por aí vai...) boa parte da montanha de dinheiro que arrecada da população na forma de impostos e mais impostos. Sem ensino público decente/suficiente, abre-se espaço para o ensino privado, boa parte do qual oportunista, que só vê $$$ pela frente, onde o aluno vira cliente e, como cliente, tem sempre razão (a chave do sucesso do "negócio").
Estou à porta dos 54, e precisar fazer outro curso superior confesso que eu não precisava, mas entrei de cabeça nesse "projeto pessoal", pois além de gostar de Direito, procuro olhar adiante e não me vejo vestindo o pijama de aposentado. Tem sido muito sacrificante para mim, mental e fisicamente, devo confessar, até porque geralmente meu trabalho vai das sete e pouco da manhã às seis e tanto da tarde, indo direto pra faculdade, sem escalas para jantar ou banho (melhor tapar o nariz...). Preciso fazer exercícios físicos, por recomendação médica, mas resolvi desobedecer o médico e trocar essa recomendação pela faculdade, pois tenho um ideal, um propósito, e quero fazer Direito (ao menos desta vez...); fazer do Direito, quem sabe, um meio de "deixar algo escrito", de tentar dar minha contribuição na direção da melhoria do mundo que aí está (ih! ó o cara, ó, iludido...), como uma espécie de legado não material para filhos e netos, para as próximas gerações (e bota ilusão nisso!...). Penso que, mais que um bom complexo vitamínico para a terceira idade, a ideologia vem a ser um bom combustível nesta fase da vida, onde a curva já está na descendente, e acelerando... (um dia vou ter de frear, mas até lá...).
Fico triste ao testemunhar, na minha faculdade, o comportamento de muitos colegas, que parecem estar ali somente pensando no canudo, no título, em passar num bom concurso e ganhar um "salário de parlamentar" (é claro que isso é importante, quem é que não quer um bom emprego, um bom salário?... mas deveria vir como consequência, e não ser o propósito principal da empreitada). Fico triste em testemunhar vários colegas colando nas provas (que profissionais sairão dali?...). Fico muito triste quando tento "provocar" a turma, enviando textos garimpados na internet, em jornais ou revistas, tentando ligar esses textos à nossa vida acadêmica, fazer uma ponte da teoria que estamos vendo nas disciplinas que cursamos para a prática, para a realidade do nosso cotidiano, e não vejo "eco" nisso, ninguém comenta, ninguém se pronuncia a respeito, ninguém emite uma opinião que seja. Não faço isso para aparecer não, pois não preciso disso, já passei da idade. Faço porque penso que devemos ter o espírito crítico e mantê-lo vivo, aceso, ir além do que estamos vendo de doutrina, buscar aplicação prática para todo esse conteúdo, investir na área de pesquisa e desenvolvimento, enfim, já que há campo para isso também no Direito.
Há pouco tempo, vimos em sala de aula alguns conceitos sobre Arbitragem, e percebi que dúvidas ficaram em muitos de nós, pois o assunto foi rapidamente abordado pela professora naquela aula, não foi aprofundado, possivelmente por não estar propriamente no foco da disciplina (e olha que já havíamos estudado sobre Arbitragem em um dos períodos passados). Dois ou três dias depois dessa aula, "garimpei" na web um artigo excelente, escrito por um engenheiro/advogado competente e com pleno conhecimento de causa na matéria, falando sobre a aplicação da Arbitragem em contratos de construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) no Brasil. De pronto, postei esse artigo para a professora da disciplina e também para todos os meus colegas. Ninguém comentou nada a respeito, nem a professora nem os colegas... Nem sei se leram o artigo; se não leram deveriam ter lido, pois o conteúdo tem qualidade, e agrega. Não fiz esperando receber comentários, mas o fato de eu não ter recebido nem um me fez pensar que tal iniciativa foi em vão, não prosperou.
O resumo da ópera é que, ao meu modo de ver, não podemos nos acomodar, restringindo-nos ao conteúdo visto em sala de aula, repassado de forma muito resumida e até caótica às vésperas das provas (desse mal tenho padecido um pouco, devo confessar, pois não me tem sobrado o tempo que eu gostaria de ter para ler mais a fundo a doutrina e seus vários autores). Não podemos deixar de aguçar nosso espírito crítico, de buscar relacionar o conteúdo teórico que estamos aprendendo ao nosso cotidiano. A ideia é essa, aplicar à vida real o conteúdo visto em sala de aula, relacionando-o aos casos concretos que chegam até nós todos os dias.
Não sei se estou avaliando de forma distorcida a realidade, mas é assim que vejo. Parece-me faltar "algo mais" ao acadêmico de hoje, aquele espírito inquieto e questionador que vai atrás das respostas às tantas perguntas e questões que estão aí para serem elucidadas. Aquele espírito indomável que, mais que ir atrás de respostas, questiona, inventa, formula novas perguntas, já que são estas, e não as respostas, que movem o mundo, fazendo-o evoluir. É claro que percebo esse traço questionador em alguns poucos colegas, mas o que infelizmente vejo predominar de forma maciça é uma certa quietude, acomodação, apatia, uma postura passiva demais, como se aquele ambiente ali fosse simplesmente mera extensão de um exaustivo dia de trabalho, antes de irmos para casa deitar a cabeça no travesseiro e sonhar com um mundo melhor...
Carpe diem!