O MEC E A TEOLOGIA
Desde a primeira constituição republicana brasileira existe no Brasil separação entre Igreja (igrejas!) e Estado. O Governo republicano brasileiro é laico. Por isto, a adesão à esta ou àquela igreja, ou a ausência de adesão religiosa, é livre para todos os cidadãos. Qualquer cidadão brasileiro é sujeito de direitos e deveres constitucionais simplesmente por existir como ser humano. O fato de aderir ou não a uma doutrina religiosa é irrelevante para o Estado. A única vigilância do Estado em relação às religiões e às suas ideologias teológicas consiste em verificar a contribuição destas instituições e doutrinas para a consciência cidadã dos habitantes deste país. Para o Estado as religiões são simplesmente um fenômeno antropológico cultural. E as organizações religiosas, as igrejas, estão sujeitas à legislação das associações não governamentais. Por isto, se os cidadãos se organizarem legalmente em igrejas, ongs, institutos, colégios, faculdades, associações beneficentes, etc... o Governo apenas verificará a legalidade destas organizações, e se elas são benéficas aos cidadãos, respeitando os princípios fundamentais de nossa Constituição humanista, liberal e democrática. Como, por exemplo, a liberdade, a igualdade, a solidariedade, a tolerância e os demais direitos humanos. Verificados estes fundamentos da sociedade leiga, qualquer igreja pode candidatar-se para contribuir com sua doutrina teológica na educação de seus fiéis para que assumam plenamente sua cidadania. E muitos grupos religiosos hoje no Brasil possuem escolas, faculdades e diversas instituições, fazendo um trabalho supletivo para a competente e boa convivência dos cidadãos brasileiros. E quem faz tais trabalhos, com certeza, tem o direito de ser reconhecido civilmente por sua contribuição cidadã. Acontece que no Brasil, desde a separação entre Igreja e Estado, na passagem do sistema imperial para o republicano, o Estado Brasileiro não reconhecia o valor civil dos estudos teológicos. Quem apenas tivesse estudado teologia em seminário ou faculdade de qualquer igreja não tinha direito a um diploma de ensino superior. Em 1969 os militares abriram a primeira brecha para que os formados em seminários maiores validassem seus estudos teológicos em faculdades de filosofia e congêneres. Neste sentido publicaram o Decreto/Lei 1051/69. Com a nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira) o Decreto/Lei 1051/69 foi extinto. Com isto voltou novamente o desamparo dos estudantes de Teologia. Mesmo com o estudo superior de teologia o estudante não teria mais direito a um diploma de curso superior. Com isto, muitos padres e pastores, que não tinham outro curso além da teologia, civilmente apenas possuíam o grau médio. Após muitas gestões junto ao MEC, finalmente, em 1999, o Parecer 241 do Conselho Nacional de Educação (CNE) liberou a criação de cursos de bacharelado em Teologia, de acordo com o sistema brasileiro de ensino superior. Assim os estudantes de Teologia, que fizessem seu curso em Faculdades reconhecidas pelo MEC, receberiam diploma de nível superior com a mesma validade civil de qualquer outro diploma de curso superior. Os currículos destes cursos de Teologia são livres. Portanto, o MEC não assume nenhuma ideologia religiosa, pois continua válido o princípio constitucional de separação entre Estado e Igreja (igrejas!). Mas o Estado fiscaliza o funcionamento destes cursos. Os docentes destes cursos devem estar habilitados para lecionarem em nível superior; as bibliotecas, as instalações físicas, as leis trabalhistas e a organização acadêmica destes cursos devem ser condizentes com as exigências de qualquer outro curso superior. Como a seleção para tais cursos deve ser aberta a qualquer cidadão, mesmo que seja ateu, houve igrejas que ficaram temerosas, pois temiam perder o controle sobre seus estudantes, que, geralmente, eram formados na ideologia de sua igreja, condenando a doutrina e a prática de outras igrejas. Felizmente, muitas instituições religiosas entenderam que a presença civil da teologia no ensino superior formaria melhor os líderes religiosos, fazendo com que superassem fanatismos e fundamentalismos, tornando-se mais tolerantes. Hoje já se espalham pelo Brasil dezenas de cursos de bacharelado em teologia, mantidos pelas mais diversas instituições religiosas. Além do grande número de cursos de teologia evangélicos e católicos já temos cursos de teologia umbandista e espírita. O que realmente é um passo enorme em direção à vivência pacífica das religiões no Brasil. E este talvez seja o maior mérito dos cursos de bacharelado em Teologia reconhecidos pelo MEC.
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Inácio Strieder é professor de Filosofia e Teologia - Recife