ESPIRITUALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS
Nas ultimas décadas do Século XVIII a revolução industrial teve um desfecho dramático na França: a Revolução Francesa. E o documento fundamental desta revolução foi “A Declaração dos Direitos do Homem” ( Déclaration des droits de l’homme, August 27,1789). Já alguns anos antes (1776) a nova nação dos Estados Unidos da América produzira uma declaração de princípios muito semelhante. Estas duas declarações se baseiam na crença de que existem verdades universais e eternas, anteriores a qualquer governo ou ideologia. E entre estas verdades estão os “direitos fundamentais do homem”. Por isto, não compete aos governos criar estes direitos, mas apenas reconhecê-los, proclamá-los e fazê-los observar. Mas, quem é considerado o Autor destes Direitos?
Na Declaração de Independência dos Estados Unidos está explícita a origem divina destes direitos, pois afirma que “todos os homens são iguais, porque o Criador os dotou com os mesmos direitos”. Esta mesma Declaração também se dirige ao Supremo Juiz do mundo, e menciona a Divina Providência. A “Declaração dos Direitos do Homem” da Revolução Francesa não menciona o Deus Criador. Apenas, no preâmbulo, se refere ao “Ser Supremo”, afirmando que todos os homens nascem com direitos iguais, por possuírem a mesma natureza humana. Mesmo que a “Declaração dos Direitos do Homem” da Revolução Francesa não mencione o Deus cristão, contudo a sua herança religiosa é inconfundível, pois declara que estes direitos são sagrados e invioláveis. O primeiro panfleto com os “Direitos Humanos e dos Cidadãos”, distribuído em Paris, trazia, logo abaixo do título, um olho dentro de um triângulo. Este símbolo, no mundo cristão, é tradicionalmente o símbolo da Santíssima Trindade. Mas, os revolucionários franceses explicavam este símbolo, dizendo que ele representava “o supremo olho da razão que ilumina toda a humanidade”.
Se compararmos a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa, verificamos nelas uma clara fusão de duas interpretações ideológicas, que se desenvolvem paralelamente desde o II século de nossa Era: primeiro, um humanismo idealista de origem grega; segundo, a tradição profética judaico-cristã. A compreensão do homem que subjaz a estas declarações supõe que todos os homens têm sua origem no único Deus, pai de todos, que dotou os homens com uma única natureza racional, que lhes confere a dignidade de pessoas humanas. A fusão da tradição grega com a tradição judaico-cristã fundamenta, assim, uma nova compreensão do homem. A interpretação cristã predomina no documento dos Estados Unidos, a humanística se destaca no documento da declaração francesa. Mas ambas são fruto desta fusão, já que a igualdade e a fraternidade são características essenciais destas duas proclamações. Decorre dali que a implementação dos Direitos Humanos não seja apenas uma questão legal e jurídica, mas se tornou uma questão de ética e de mística, que resulta, necessariamente, numa “espiritualidade dos direitos humanos”. De fato, os direitos humanos se sobrepõem a qualquer lei. E isto, muitas vezes, se torna difícil de ser compreendido e respeitado pelos dotados de poder em nossa sociedade, responsáveis por uma legislação e uma execução justa, fraterna e humanitária das leis em nossa convivência política.
Inácio Strieder é Professor de Filosofia- Recife- PE