ARTICULAÇÃO DOS CURSINHOS POPULARES DA ZONA DA MATA MINEIRA

Maria Célia de Freitas *

Márcio Francisco de Carvalho **

INTRODUÇÃO

Para este estudo elencamos dois Cursinhos Populares da Zona da Mata mineira, são estes: Cursinho Popular DCE-UFV (Viçosa) e Cursinho Popular Paula Cândido (Paula Cândido).

A escolha destes dois cursinhos não se deu por acaso, Pois estes ressaltam princípios que se aproximam, havendo, portanto, uma possibilidade de articularem e se fortalecerem, até mesmo pelo fato de terem educadores e algumas educadoras em comum.

Portanto estes se unem por sentirem a necessidade de profundas mudanças pedagógicas e culturais na educação, rompendo com o modelo tradicional teórico elitizado de ensino, buscam uma pedagogia libertadora, que dê visibilidade a classe popular, como sujeitos históricos, politicamente ativos no processo de transformação social, buscando renovar o ensino num processo de luta pela democratização da educação e direitos de todos, na busca pela universalização do acesso à educação superior, visto que, as formas de acesso ainda são excludentes e elitistas.

De acordo com Gadotti há dois segmentos na educação, pois:

Há correntes pedagógicas que estão caminhando na educação como pura competitividade e outras que se colocam bravamente e resistem a essa tendência, [...] educar é lutar para diminuir a barbárie. (Gadotti, 2002).

Os agentes de ambos os cursinhos, portanto, atuam sob os princípios da educação popular que não se constitui como uma metodologia de trabalho, mas sim um princípio de trabalho calcado na realidade, tendo esta por finalidade “ler o mundo” dos educandos/as.

A competitividade não se faz presente nos cursinhos populares, pois estes estão não somente preocupados com a inserção de seus educandos/as no ensino superior assim como também priorizam a formação crítica e cidadã de todos os envolvidos neste espaço.

Neste sentido os conteúdos programáticos são trabalhados de forma a compreender a necessidade de contextualização e na vivencia dos educandos/as de ambos os Cursinhos Populares.

CURSINHO POPULAR DCE/UFV (CPDCE) e CURSINHO POPULAR PAULA CÂNDIDO (CPPC)

O Cursinho Popular DCE/UFV (CPDCE/UFV) e Cursinho Popular Paula Cândido (CPPC) são organizações estudantis, que visam através da educação popular, formar e preparar estudantes-sujeitos, oriundos prioritariamente das camadas populares, para ingressar no ensino superior público, tendo, porém, uma visão crítica deste, assim como do resto da sociedade da qual fazem parte. Cabe nos aqui um breve histórico destas duas organizações:

1) Cursinho Popular DCE/UFV (CPDCE/UFV)

O Cursinho Popular DCE/UFV (Cursinho Popular do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Viçosa) surge em 1998, como uma iniciativa do movimento estudantil da UFV. Atualmente tem parceria com a Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Pró- reitoria de Ensino da UFV e o Colégio de Aplicação Universitário (Coluni).

O CPDCE/UFV funciona de segunda à sexta, no período noturno, nas dependências do Coluni, ocupando quatro salas deste prédio, sendo três salas de aula e uma de secretaria. Atende atualmente uma média de 120 educandos de Viçosa e região. Os educadores são estudantes graduandos da UFV, e estes podem vivenciar a dinâmica de sala de aula ainda cursando a Universidade, oportunidade esta que muitos estudantes não tem por muitas vezes os cursos de licenciatura não se atentarem para a formação docente dos estudantes

O CPDCE/UFV tem como diferencial, o projeto Ética e Cidadania que visa fomentar, construir, fortalecer e garantir, através de atividades com os demais educadores e educandos, a efetivação dos princípios do Cursinho.

Os objetivos do CPDCE/UFV são: A formação crítica e interdisciplinar dos/as educandos/as, conduzindo-os a reflexão e a ação sobre seus bairros, suas cidades e sociedade em geral; a formação crítica e interdisciplinar de seus educadores/as, conduzindo-os a reflexão sobre a universidade e sobre sua formação acadêmica e profissional, de uma forma mais ligada à realidade; a preparação de educandos/as para os exames de acesso ao ensino superior; promover a integração entre a Universidade e cidade de Viçosa e região por meio da extensão universitária, objetivando a transformação da sociedade; a democratização do conhecimento produzido na Universidade e a democratização do acesso ao ensino superior.

2) Cursinho Popular Paula Cândido (CPPC)

O Cursinho Popular Paula Cândido (CPPC) teve sua origem em 2009, com a participação do grupo de Articulação dos Cursinhos Populares da Zona da Mata mineira (ACPZM) como coordenadores e educadores, a partir da demanda de moradores de Paula Cândido.

Devido o fato de muitos educandos/as serem oriundos do campo: agricultores familiares e/ou pequenos proprietários, o CPPC busca um projeto de educação que contribua para a compreensão e valorização dos saberes rurais, da vida social do campo articulada com a cidade, garantindo o acesso à educação dos indivíduos. Pensando nisso o CPPC tem como meta: fortalecer o Cursinho Popular no município de Paula Cândido/MG, por meio de atividades culturais e de parcerias (Sindicato de Trabalhadores Rurais de Paula Cândido, Pastoral da Juventude, Associação de Moradores de bairros, etc.).

O Cursinho Popular Paula Cândido tem como objetivos: orientar, acompanhar e informar os estudantes rurais e urbanos de Paula Cândido e entorno sobre os caminhos para o acesso e a permanência na universidade; valorizar os saberes populares e trabalhar a auto-estima desses estudantes para que se reconheçam como sujeitos históricos, ativos, reflexivos e capazes de transformar suas realidades, estimulando um conhecimento crítico e reflexivo sobre a realidade do campo e sua interlocução com o espaço urbano; estreitar o vínculo entre os educandos e as educandas do Cursinho e a Universidade, mostrando a importância de se inserirem nesse universo da educação e do aprendizado político, social e humano; construir uma articulação com outros movimentos sociais, principalmente na área de educação popular; fortalecer o Coletivo de Estudos sobre Educação Popular já existente, que visa, juntamente com outros projetos populares e pesquisadores, estruturar de maneira mais sólida os fundamentos deste tipo de trabalho e produzir novos conhecimentos na área.

A escolha da análise destes dois cursinhos se deu em função da proposta educacional, filosófica e organizacional destes se basearem em três princípios/pilares fundamentais: Educação Popular, Autogestão e Interdisciplinaridade.

PERSPECTIVAS E DESAFIOS DOS CURSINHOS POPULARES DA ZONA DA MATA MINEIRA

Os cursinhos populares já são em si contraditórios, vivendo em constante impasse, pois, preparam seus estudantes para os exames seletivos de acesso ao ensino superior apesar de serem contra tais formas de seleção por estas serem individualistas, competitivas, meritocráticas e elitistas.

E para sanar esse impasse, os cursinhos, através da educação popular, ao mesmo tempo em que buscam apresentar os conteúdos aos estudantes, procuram trabalhar de forma dialógica, sensível, crítica, auto-reflexiva, ética e participativa, estimulando a criatividade, a autonomia para transformação social, proporcionando um saber que seja instrumento de luta, de transformação social, dando maior visibilidade a realidade dos mesmos, de forma que educadores e educandos se vejam de forma horizontal, onde quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender ( FREIRE, 1996).

Salientando a necessidade de mudanças pedagógicas e culturais na educação, a falta de materiais didáticos próprios para cursinhos populares também tem sido um dos grandes desafios dos educadores destes, visto que, trabalham uma educação problematizadora a educação vigente, e grande parte dos livros didáticos são publicados de modo a contemplar uma educação não crítica.

Para sanar esse problema, alguns cursinhos têm tentado criar suas próprias apostilas, mas acabam esbarrando em algumas dificuldades como, por exemplo, horários para os educadores se reunirem, pois, no caso do CPDCE/UFV e CPPC os mesmos são também estudantes da Universidade e estes têm muitas demandas de seus cursos, dificultando o processo de elaboração e construção das apostilas.

Mas novas perspectivas estão surgindo, no Brasil já existem iniciativas de disseminação de recursos educacionais voltados para cursinhos populares. Em 2005, o Cursinho Herbert de Souza de Campinas, em São Paulo, investiu na produção de seu próprio material didático e criou a primeira gráfica popular especializada na produção de material didático para cursinhos populares com o intuito de formar e fortalecer os cursinhos populares em âmbito nacional. Mas, visto que os cursinhos da Zona da Mata mineira, citados acima, trabalham baseando-se na realidade das comunidades, vê-se a necessidade de produção de uma apostila própria para esses cursinhos atendendo também uma demanda local.

Outro desafio enfrentado pelos cursinhos populares e citado por Santos (2005) é a heterogeneidade dos estudantes, estas sendo:

Heterogeneidade etária, pois, atende desde pessoas que estão concluindo o ensino médio ainda, nos seus 16 ou 17 anos, até pessoas que pararam de estudar a mais de dez anos, com seus 30, 40, 50 anos; Heterogeneidade de trajetórias escolares, de papéis sociais, de disponibilidade para o envolvimento com o curso, de visão política, etc. (SANTOS 2005).

Portanto há de se fazer uma discussao aprofundada sob a questão da heterogeneidade dentro dos cursinhos, pois o princípio da educação popular é exatamente a proposta de inclusão de todos/as educandos/as. Obviamente cabe aos educadores/as ter um olhar pedagógico com o todo da sala de aula e procurar não deixar de lado os educandos que por estarem a mais tempo afastados dos estudos muitas vezes acabam tendo mais dificuldades de entender as disciplinas.

Para isso o educador/a dos cursinhos populares tem que trabalhar em outra dinâmica, pois diferente dos cursinhos comerciais onde todos os alunos são colocados como depositários de conteúdos, os cursinhos populares trabalham com a autoestima e a formação crítica dos educandos. Portanto não se pode segregar em salas de aulas as diferentes faixas etárias, pois se assim fosse os cursinhos populares estariam sendo contraditórios com sua prática educadora de inclusão.

Ainda segundo Santos (2005), a evasão de alunos também é outro problema crucial nos cursinhos e está relacionado: à fragilidade do acesso à universidade enquanto projeto de vida para indivíduos de grupos sociais desfavorecidos - o ingresso no ensino superior é considerado uma exceção e não regra, ou seja, são raros os que conseguem se inserir em uma universidade; se vêem diante das adversidades e da tensão, por força dos outros projetos como o fato de terem de ingressar no mercado de trabalho, com vistas a contribuir para a renda familiar que é o predominante; pressão social negativa, baseada na ideologia do fracasso escolar alegando que estes não têm capacidade para ingressarem em uma universidade.

Com todos estes fatores negativos não fica difícil perceber o porquê da enorme evasão dos cursinhos populares ao longo do ano. Cabe, portanto aos agentes dos cursinhos populares seja estes coordenadores, educadores ou mesmos educandos fazer um trabalho de recepção e integração mutuo. Pois o Cursinho Popular deve ser um ambiente familiar, onde um incentiva o outro, e se fortalecem diante dos problemas apontados acima.

Propomos, no entanto que se faça uma visita aos educandos que por um ou outro motivo tenha se afastado dos cursinhos populares, a fim de conversar e dialogar com estes, no intuito de poder trazê-los de volta aos estudos ou mesmo mantê-los a par dos objetivos e metas dos cursinhos e entender os objetivos e perspectivas destes educandos. Pois, na concepção da educação popular encontra-se a ideia de “ler o mundo do educando”.

Muitos autores, vêem como positiva as formas que muitos cursinhos têm adotado para encarar esses desafios, incorporando como tendências a valorização do uso dos conceitos na leitura do real, aproximando conhecimentos fáticos e vinculados ao cotidiano, de outros, abstratos e ligados a aportes conceituais; espaços de construção da cidadania e o uso de trans, multi e interdisciplinaridade.

Devido às trajetórias dos/as estudantes dos cursinhos serem de uma educação precária e excludente, outro dilema dos Cursinhos é o trabalho de autoestima com estes/as para que se reconheçam como sujeitos históricos, ativos, reflexivos e capazes de transformar suas realidades. Por isso, os Cursinhos Populares da Zona da Mata mineira, tratados neste artigo, utilizam-se da Educação Popular, pois este não um método padronizado, mas sim um processo que se constrói internamente nos grupos e nas organizações populares, baseando-se na realidade das comunidades, dando visibilidade aos mesmos. Este processo é incansável, e tem que estar em constante transformação e aprimoramento, devido às mudanças diárias que surgem em nossa sociedade.

Segundo Santos (2006), educação popular é uma educação conflitante com o modelo de ensino dominante, pois, objetiva produzir e potenciar a indignação e a rebeldia, ou seja, é uma educação para o inconformismo, que busca formas para o desenvolvimento da democracia e para organização de relações sociais mais igualitárias, mais justas, edificantes e multicultural, respeitando-se os “saberes” formais e cotidianos, valores e crenças dos indivíduos.

Assim sendo o grupo os cursinhos populares enfrentam desafios semelhantes, como por exemplo, promover a inserção das camadas populares no ensino superior ao mesmo tempo em que trabalham como uma formação crítica dos educandos. Outro desafio é que no caso os educadores dos cursinhos populares citados (CPPC e CPDCE/UFV) são estudantes de graduação e ainda careçam ainda de formação na pratica educadora, principalmente por se tratar de uma educação que promova o senso critico do educando. Este é um desafio que acreditamos que possa vir a ser superado em espaços de formação e até mesmo de materiais didáticos próprios de cursinhos populares.

Numa perspectiva emancipatória e percebendo os desafios é que os cursinhos populares buscam a formação crítica do cidadão, em um processo de conscientização e luta pela universalização da educação, valorização do saber popular e de troca entre os saberes populares e os saberes científicos na busca da autonomia do sujeito.

Sendo assim acreditamos que para superar ou mesmo enfrentar tais desafios se faz necessária a organização e fortalecimento destes cursinhos para que possam compartilhar experiências e buscarem se consolidarem em um movimento em âmbito nacional.

CONSIDERAÇOES FINAIS

Portanto cabe nos aqui reforçar a questão do porque nos articula(r)mos? Se observarmos que os cursinhos populares enfrentam desafios comuns assim como também almejam e apresentam perspectivas próximas, podemos compreender que é fundamental a organização e a troca de experiência entre estes.

É neste sentido que integrantes de tais cursinhos têm procurado se aproximar no dia-dia a fim de fortalecerem e somarem forças para avançar na luta por uma educação pública e de qualidade.

A educação como instrumento de cidadania é, portanto utilizada por estes cursinhos em resistência a educação imposta por cursinhos comerciais, pois podemos entender que:

Há duas concepções, portanto, de educação, entre as quais nós temos que optar: uma que está ligada a essa mercantilização, às “indústrias do conhecimento”, que consideram qualidade como competitividade e pura dimensão econômica; e a outra que é a óptica da transformação, isto é, da educação como direito da condição humana, que forma o cidadão no espaço público, no espaço democrático, que leva em conta todas as dimensões do ser humano e que educa para a comunidade, para a humanidade (GADOTTI, 2002).

Neste sentido é que o CPPC e o CPDCE/UFV optam pela educação que pense a transformação da sociedade e não se rende as competitividades que em geral é feito pelos cursinhos comerciais.

Concordamos com Penildon Filho quando este afirma que os cursos pré-vestibulares populares fazem críticas aos cursos pré-vestibulares comerciais, e criam sua identidade principalmente a partir da negação do padrão comercial dos cursos no mercado (FILHO, 2004).

Como toda ação pedagógica é também uma ação política, faz-se necessário o fortalecimento da educação popular no aspecto pedagógico e em várias ações coletivas em prol de uma educação de qualidade e realmente para todos; um movimento social para democratização do acesso ao ensino superior e para a transformação da sociedade, buscando debater temas relevantes.

Como já referido por Camila Zucon acerca da importância da Articulação dos Cursinhos Populares da Zona da Mata mineira é que este “possibilite um processo de resistência e denúncia da situação da educação no município e no estado de Minas Gerais”. (SIQUEIRA, 2008).

Apesar dos muitos desafios em se mobilizar os integrantes dos cursinhos, é imprescindível que esta articulação aconteça e que as bandeiras de luta ganhem força no âmbito regional destes cursinhos, mas para além, que extrapole as fronteiras dos estados e consolide-se em um movimento social em todo o Brasil.

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________________________________. Os cursinhos populares: um estudo comparado entre MSU e EDUCAFRO - MG. M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, 2011.

* Maria Célia de Freitas - Estudante de Graduação do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Viçosa/UFV. Militante da Articulação dos Cursinhos Populares da Zona da Mata mineira.

e-mail: ncmcandrade@gmail.com

** Márcio Carvalho- Estudante de Graduação do curso de História da Universidade Federal de Viçosa/UFV. Militante da Articulação dos Cursinhos Populares da Zona da Mata mineira.

e-mail: mar.carvalho@yahoo.com.br

Marcio Carvalho e Maria Célia de Freitas
Enviado por Marcio Carvalho em 20/03/2012
Reeditado em 24/03/2012
Código do texto: T3565620