Bom exemplo que vem de Nova York
Bom exemplo que vem de Nova York
"No Brasil ou no Zimbábue, a boa gestão é uma mola propulsora de mudança na escola. Não é a única, mas sem ela pouco ou nada ocorrerá."Foto: Marcos Rosa
Eta mania que nós, educadores, temos de querer achar uma só solução para resolver questões complexas! Administrar uma escola ou, mais difícil ainda, uma rede é coisa cheia de variantes. Para a solução de suas mazelas, não bastam um modelo adequado de eleição da direção, um projeto pedagógico brilhante ou professores bem pagos ou com formação didática invejável. Claro que uma boa bandeira ajuda a juntar pessoas e ideias para resolver uma questão. "O povo unido jamais será vencido" ou "Diretas já". Essas palavras de ordem podem iniciar um processo, mas não resolvem, principalmente quando a questão é ampla e vem de longa data. A solução tem, sim, um ponto de partida, um ideal. Mas a sabedoria para enfrentar fenômeno tão complexo é outra coisa.
Em entrevista à NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR de dezembro/2009 e janeiro/2010, Chris Cerf, subsecretário de Educação de Nova York, conta como melhorou o desempenho das escolas da cidade, marcadas por problemas como alto índice de abandono, agressividade, baixa aprendizagem e pais descontentes. Ele indica: "Os diretores têm total autonomia". A provocação causada por esse slogan é importante, mas ela não acaba com todos os problemas.
Há sete anos, a prefeitura nova-iorquina iniciou uma reforma chamada Crianças em Primeiro Lugar. Esse mote, sim, desencadeou um debate e uma esperança que nenhum gestor, governo ou teórico havia levantado como bandeira para iniciar algo diferente que revertesse a curva de desânimo, descrédito e cinismo que frequentemente ronda as ações pretensamente educativas. Essa foi a chave para quebrar o paradigma de que "a escola pública não tem jeito mesmo".
Cerf é um encantado pela potencialidade da escola e pela importância da gestão. Para ele, o diretor é alguém que precisa se interessar pelas crianças e não pelo poder ou pela política partidária. Apesar de isso parecer óbvio, não é. Muitos deles por aqui são tão aficionados pelo status do cargo e pelas artimanhas do governo que não se dão conta de que a escola pode ser o único canal de participação na vida social e econômica de crianças, pais, professores e funcionários.
O trabalho relatado por Cerf em Nova York se baseia nessa ideia para construir uma nova modalidade de gestão. A principal mudança: o diretor ganha autoridade e autonomia financeira. Segundo ele, uma sem a outra leva ao desastre. Não é possível, na sua opinião, dizer ao gestor que ele deve levar todas as crianças a aprender em dois anos se ele receber um currículo predeterminado e for proibido de controlar o orçamento e contratar ou demitir professores. E mais: se houver autonomia sem a cobrança de metas, corre-se o risco de manter um dirigente que não acha importante os alunos concluírem o curso. Cerf tem razão. Precisa haver os dois lados.
O bom gestor é o que diagnostica bem a realidade e constrói um projeto com os pares, os estudantes, os professores e a comunidade. Mas isso não basta. É fundamental que ele saiba juntar forças, recursos, pessoas e ideais que viabilizem e realização das propostas. Aí, sim, a sua autonomia, sempre relativa, vai permitir que jogue bem com o orçamento, os concursos para a escolha do corpo docente, as avaliações de desempenho, as regras disciplinares e a burocracia do Estado.
Por compreender e ter vivido essa situação, Cerf diz que em lugares como Nova York e São Paulo uma reforma educacional requer tempo. Em nosso país, nós já iniciamos alguns enfrentamentos há décadas, mas muitos estão por ser encarados. A esperança que nos une é acreditar que, no Brasil ou no Zimbábue, a boa gestão é uma mola propulsora de mudança na escola. Não é a única, mas sem ela pouco ou nada ocorrerá.
Fernando José de Almeida:
É filósofo, docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e vice-presidente da TV Cultura - Fundação Padre Anchieta.
COMENTÁRIO DE SOLANGE GOMES DA FONSECA:
Concluindo o assunto pautado:
O fio condutor para que esse movimento possa vir a ter resultados no Brasil, há longo prazo, é alterarmos o sentido e a concepção de educação, de escola e de relação escola/sociedade para um envolvimento de esforço especial de gestão na organização das escolas. Assim, com esse enfoque, poderíamos comandar e controlar, mediante uma visão objetiva de quem atua sobre a unidade e nela intervém de maneira distanciada até mesmo para manter essa objetividade e sua própria autoridade, centrada na figura do diretor. Os sistemas educacionais, como um todo, e os estabelecimentos de ensino, como unidades sociais especiais, são organismos vivos e dinâmicos, que fazem parte de um contexto socioeconômicocultural marcado não só pela pluralidade, mas também pela controvérsia que vêm, se manifestando nas escolas. Essa mudança de consciência está associada à substituição do enfoque de administração pelo de gestão. Portanto, sua prática é promotora de transformações de relações de poder, de práticas e de organização escolar em si e, não de inovações. A autonomia é uma necessidade, quando a sociedade pressiona as instituições para realizarem mudanças urgentes e consistentes e, esse processo é, sobretudo o comprometimento coletivo.
De nada adianta pegarmos, mesmo que bons exemplos, que venha de um outro país, que têm cultura e hábitos diferentes do Brasil e, querermos adaptá-los as nossas leis educacionais num projeto político pedagógico, que o resultado não será o mesmo. Em toda sociedade, observamos, o desenvolvimento da consciência de que o autoritarismo, a centralização, a fragmentação, o conservadorismo e a ótica do dividir para conquistar, estão ultrapassados e, em última instância, à estagnação social e ao fracasso de suas instituições. Essa mudança de paradigma é marcada por uma forte tendência à doação de concepção e práticas interativas, participativas e democráticas, estabelecendo-se alianças, redes e parcerias na busca de soluções de problemas. Não só a escola é responsável por "mudanças", como a própria sociedade tem obrigação de fazer cobranças para que a gestão escolar seja empregada numa política pedagógica do "bem-querer" a todos inseridos no processo. Embora, saibamos que esse enfoque não seja plenamente adotado e, ao ser levado em consideração, ainda, por um velho e já enfraquecido paradigma orientado da cobrança, em vez de participação, ele tem grande impacto sobre o que acontece na escola, que é hoje, mais do que nunca bombardeada por demandas sociais das mais diversas ordens.