Equívocos no processo educacional
Os equívocos que ocorrem no processo educacional não são autônomos e nem se geram no útero da escola. Esses equívocos são um produto histórico-social-econômico. A escola, a exemplo de um espelho, mostra em sua superfície a face da realidade mundial que, por sua vez, é um complexo sistema, um emaranhado de trocas e substituições. Desenvolve-se nos sujeitos sociais a impressão de que, em algum lugar misterioso no Universo, uma força desencadeia certos modos de pensar, cria novos conceitos que logo são absorvidos, adotados e exercitados diariamente.
Esta página de reflexão, por sua vez, se origina da perplexidade diante de um fato em que o personagem principal, um universitário de vinte e dois anos, cursando Direito, tenha assassinado a própria mãe e, enfim, confessado o crime _ conforme anunciou noticiário veiculado neste 17 de fevereiro de 2012.
Os torpes motivos apontados foram os de que a mãe exigia do filho que estudasse, trabalhasse e, além disto, quis que ele a auxiliasse na organização do apartamento para onde haviam se mudado recentemente.
Na mesma data enunciada outra reportagem, desta vez sobre um caso ocorrido em Planaltina, cidade próxima à capital do país, jovens estudantes faziam uma farra no acostamento de uma pista. Ali, onde até menor havia, rolavam som, bebida, dança e nem imagino mais o quê. Quando surpreendidos pelos repórteres, esses estudantes promoveram um espetáculo deprimente, jogando bebida nas câmeras, chutando os cinegrafistas e outros da equipe jornalística.
Desde que a escola passou a ser um antro de conteúdo, apontou viçoso o botão da fleur du male. A educação passou, por tantas cargas d’água, a recusar-se a ministrar qualquer tipo de orientação humana, a falar de religião, de artes em geral, de poesia, de “modos” (como se dizia nos anos 50), de contenção de instintos bestiais. Parou tudo. Então adveio poderosa a cultura da informação. O aluno tem que saber mais que o Google, mais que qualquer outro site de pesquisa. O estudante é exigido das mais estapafúrdias anotações na memória, desde as mais remotas bobagens da caverna, passando pela história do futebol até os nomes dos diversos modelos de aparelhos das chamadas novas tecnologias.
A maioria das famílias exige das escolas que seus filhos sejam automatizados desde os tenros anos da pré-escola até alcançarem o ideal da Terra do Nunca. Depois da graduação em nível superior a carreira (nos dois sentidos) se torna vertiginosa, pois vêm as diversas modalidades de pós-graduação. Entra-se pelo PhD, publicações desenfreadas e muito mais. Há nesse âmbito uma batalha furiosa em torno da elaboração de trabalhos de toda sorte. Amigos, amigos, negócios à parte vira a lei que rege a selva da competitividade acadêmica. A ciência ganha, mas também perde alguma credibilidade quando se verifica que alguns trabalhos são apenas uma forma de encher a boca e o estômago do currículo.
Alguns conseguem a muito custo e demonstração de personalidade profissional exposta em resultados de pesquisas, tornarem-se profissionais realmente gabaritados, mas nem sempre reconhecidos. Está cada vez mais difícil catar as pepitas nesse lodaçal que se formou em torno daquilo que julgam ser educar.
Voltando às crianças na escola, especialmente me refiro àquelas oriundas de famílias mais fortes economicamente (isto não conta como ficaram bem de vida assim), que aprendem ainda nas fraldas a ser egoístas, possessivos, mandões, exigentes e falsamente religiosos e moralistas. Eles são ensinados a não permitir que o “coleguinha” use qualquer dos materiais exigidos durante o decorrer das aulas, pois cada um tem que ter, ter e ter. São, inclusive, envolvidos em um cínico contexto em que não se diz, mas se demonstra que professor é uma espécie de escravo que deve atender a todos os seus caprichos, bate-pés e birras. Seja porque se trata de filhos de A ou de B, seja porque estão “paganooooooooooooooooooo”.
No Ensino Médio a situação piora. Quem não sabe sobre as características da formação da adolescência em busca de afirmação, marcação de território, tentativas de aparecer de alguma forma, de fazer bonito para as moças/rapazes? Toda esta casquinha é tirada da grande ferida que é o corpo do professor. Sem contar que, além de ferido, o professor tem que ser um milagreiro e criar estratégias capazes de direcionar esses jovens ao sucesso, de preferência, na primeira colocação em vestibulares e, mais preferencialmente, em cursos muito bem cotados na expectativa das famílias de classe média em diante: Medicina e Direito.
Formam-se esses estudantes em Direito, mas morrem na praia da famosa prova da OAB. Formam-se outros em Medicina e, sobre o desempenho de alguns profissionais dessa área e a situação de hospitais e doentes, cada um de nós terá uma história a contar.
A sociedade é rigorosamente capitalista e de um capitalismo que exibe seu espinho mais afiado. A mentalidade da população estudantil vai se formando nesse clima de vale-tudo, pois a vida é um ringue.
Rapazes desfilam por aí empunhando latinhas ou protagonizando cenas radicais em pegas automobilísticos. Muitos partem para a Eternidade ou saem inutilizados das tragédias causadas no trânsito. As moças, para completar o cenário, correm em torno de dois objetivos, o da estética e, ainda, o do casamento por interesse. Em função disto colocam silicone por todo o corpo e envelhecem muito cedo, dependentes de remédios e de outros itens.
A escola segue em frente, impulsionada por políticas públicas ainda muito questionáveis. Dentro das salas de aula convivem desarmoniosamente livros e computadores, programas/projetos que envolvem muitas verbas e que ainda não são muito bem utilizados pedagogicamente. Se antes a didática falhava quanto à utilização de livros, mais falhas apresenta atualmente nesses locais onde dois tipos tão diversos de material didático têm que entrar nas salas mal vestidas da maior parte das escolas públicas. Isto sem se falar na falta de capacitação para o docente.
Em meio a esta complexidade que é a Educação, onde se encontra o espaço para o debate, o diálogo, a filosofia, a poesia, a humanidade, o destino de cada um, a leitura do mundo atual em sua intrincada linguagem tecnológica?
E, quanto ao crime, há crimes e crimes. Ele entra pela porta da frente da escola e se senta na primeira fila, armado até os dentes, senhor de estratégias elaboradas, capaz de arrebanhar seguidores para essa fatídica rede social da marginalidade.
Há uma parcela considerável da sociedade que condena, clama e vibra pela punição de alguém que profere um palavrão, mas compreende e até justifica e perdoa de todo o coração o autor de crime hediondo.
Utilizando-se de armas diferentes e poderosíssimas, o atual contexto formado pela crença de muitos em uma educação para a formação integral do indivíduo mais o processo educacional equivocado semeia ventos e tempestades, abriga cobras e lagartos, fabrica seres horripilantes e que, uma vez vítimas de um sistema, matam quase por esporte e prazer, como acontece em jogos eletrônicos reinantes até nas poltronas das salas de estar, um bom lugar para retomar a educação que começava no exemplo gerador de “modos”.
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A Educação é uma espécie de paixão, a maior de todas. Aqui ela está demonstrada em um texto da colega e amiga, Professora DALVA MOLINA MANSANO, profissional de larga experiência no setor e que me privilegia com a sua palavra que demonstra a sua dedicação e carinho incondicional à causa educacional.
Sou feliz , Dalva, por ter vc aqui, nesta página.
SOBRE EQUÍVOCOS NO PROCESSO DA EDUCAÇÃO (por Dalva M. Mansano)
Um tropel de informações
invade e atravessa o mundo.
Sábios escavam e investigam
hipóteses até o cansaço mental,
profetas advertem e asseguram
como em febre, de todos os lados,
tentam surpreender com uma luz
súbita que alargue as mentes.
Assim a humanidade segue
instigada e estocada
por clamores que arrombem
a intransponível abóbada
erigida pelos que pensam ajudar.
Eis a esterilidade de ajudas vãs,
as quais cansam e não ensinam.
Muros são erguidos
atrás de frases eruditas,
estranhas expressões
a que os verdadeiros mestres,
longe de professar idéias,
interrogam e querem respostas.
Destina-se o saber, então,
apenas aos iniciados?
Há que se erguer a faculdade
de entendimentos a desafortunados?
Tal qual embriagados,
bêbados ouvintes de cátedras
são afastados da clara estrada,
desalentados, tolhidos
por caminhos incertos.
Pelo farol do mestre
é possível enxergar
o saber em cada homem
e que a erudição não é sua principal entrada.
Jesus tirou seus discípulos da singeleza
mostrando-lhes que não precisavam
debater-se para encontrar o ensinamento
nem que o caminho de aprender
fosse árduo de seguir.
Se assim fosse,
inútil seria toda a sabedoria.
Assim são os mestres,
verdadeiros canais que alargam
o cientificismo gratuito,
iluminam o caminho restrito
com setas indicativas,
sem prender-se a partículas.
Orientam aproveitando a ciência,
indispensável para analogias,
facilitando a apreensão dela
sem ensinamentos complicados.
Conduzindo o discípulo
a atingir o bem excelso e nobre
que traz como dádiva
e que o mestre lhe facilita
tal aclaramento, como tutor
lente que é.