EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO INSTRUMENTO DE CIDADANIA

Certo de que o caminho a percorrer para uma consciência da comunidade acerca de seus valores se constitui a partir do diálogo e, sendo assim, se faz necessário a utilização de novas ferramentas, e é neste sentido que a Educação Patrimonial constitui-se como “um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico- temporal em que está inserido”. (HORTA, GRUNBERG, MONTEIRO, 1999).

Assim sendo, projetos de Educação Patrimonial tem sido alvo de políticas públicas, fazendo parte inclusive da valorização do trabalho das prefeituras municipais através da Lei do ICMS Cultural de 1996, sendo esta Lei um incentivo para que os municípios adotem ações para proteção e preservação do patrimônio histórico .

A educação patrimonial permite à comunidade reapropriar- se de lugares, histórias, objetos, monumentos e tradições que foram ou são importantes do seu ponto de vista. Para que ocorra esta reapropriação, o poder público pode promover propostas de aprendizagem que atraiam a atenção de pessoas de todas as idades, inclusive de crianças e adolescentes. De uma forma lúdica e prazerosa, possibilita às pessoas que adquiram e registrem conhecimentos novos. Portanto as escolas que adotam este tipo de metodologia conseguem provocar em seus estudantes um interesse grande para o aprendizado.

O que se pretende com este artigo é enfatizar que “esse processo intensificou-se nos últimos anos, mas as raízes da uniformização são muito mais antigas e remontam ao domínio do capital pelo mundo” (apud. FUNARI, Cf. MARX, p.6.).

Desta forma, para além do discurso comumente aceito da valorização e da luta pela preservação da diversidade, cultural, social, natural, ambiental, quais os espaços possíveis para que cada grupo/ator social sinta-se respaldado pelos patrimônios culturais de nossa sociedade? Quais as ferramentas possíveis desses atores para a luta por esses direitos?

Torna-se perceptível no debate acerca do patrimônio as divergências em torno da capacidade ou não de grupos que outrora tinham sido negados de seus diretos à preservação e manutenção patrimonial, de gerir e impulsionar a riqueza monumental. Sabe que “no Brasil, o cuidado do patrimônio sempre esteve a cargo da elite, cujas prioridades têm sido tanto míopes como ineficazes. Edifícios de alto estilo arquitectónico, protegidos por lei, são deixados nas mãos do mercado e o comércio ilegal de obras de arte é amplamente tolerado” (FUNARI, 2001).

Esta pontuação do historiador Pedro P.A. Funari a respeito da ineficácia das elites, alimenta a possibilidade de inserção de outros grupos na apropriação e criação de outras formas de se preservar este patrimônio.

Não é novidade que o processo histórico de formação do Estado sempre teve como base o distanciamento, para nao falar em abismo, entre as possibilidades culturais, econômicas, sociais, informativas dentre outras, entre as classes que o compõem. O perfil antagônico entre esses setores marcou e ainda marca nossa sociedade. E no caso do acesso ao Patrimônio, nao poderia ser diferente. A questão posta em discussão é: com profunda desigualdade, quais as bases materiais e culturais que outras classes, que não a elite, têm para fazer “frente” na empoderação dos monumentos patrimonias? Qual a capacidade informativa que as camadas populares tem para respaldar a gerência do patrimônio? Este ponto se caracteriza por certa dualidade nas compreensões de diversos autores, que variam desde um conservadorismo elitista até posicionamentos mais arrojados que incentivam a tomada cultural destes elementos pelo povo.

Um posicionamento emblemático a respeito desta questão é o do arquiteto Marco Aurélio N. F. de Queiroz quando advoga a respeito das limitações da população para gerência patrimonial. “Como uma população subempregada, subnutrida e pouco informada sobre o valor da sua própria cidade vai ter elementos ou interesse em discutir problemas ou planejamento urbano e sobretudo de preservação de belos casarões coloniais? Acho bastante utópico pretender esse nível de participação da população, da comunidade local, na problemática da preservação”(QUEIROZ,1984).

Apesar de reconhecer tais limitações expostas pelo autor, não poderia deixar de analisar criticamente tais premissas. Primeiro porque a problemática existente por não haver informação a todos os grupos, é uma caracterísitica de uma sociedade com possibilidades restritas a um pequeno setor.

Outro ponto que discordo é o fato de que por falta deste conhecimento não se possa haver a apropriação de outros grupos em relação a questão patrimonial. Seria fácil concordar com a idéia de que as classes populares não tenham interesse em preservar casarões ou outros edifícios que teroricamente não se associam a sua história. Mas se pensarmos que a história que está imbricada nestes conjuntos arquitetônicos condizem com a história de vida da população, teremos claro o seu papel na preservação, pois adentra neste ponto o fator político existente no discurso historicizado daquele ambiente.

Não se trata neste embate teórico de referendar ou não o que deva ser tomado como patrimônio, pois, “devemos pautar pela preservação tanto do patrimônio erudito, como popular, a fim de democratizar a informação e a educação, em geral. Acima de tudo, devemos lutar para que o povo assuma seu destino, para que tenha acesso ao conhecimento, para que possamos trabalhar, como académicos e como cidadãos, com o povo e em seu interesse”(FUNARI,2001).

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Marcio Carvalho
Enviado por Marcio Carvalho em 18/01/2012
Reeditado em 26/01/2012
Código do texto: T3446856