Que lado da moeda brilha mais?
É assim todo inicio de ano: as aulas começam, novos alunos conseguem ingressar em grandes escolas e faculdades, e em meio disso a isso tudo, mesmo com o passar dos anos, o trote se mantém, como uma forte tradição estudantil. Algumas pessoas justificam o trote baseados na ideia de que ele exerce uma função de interação entre o calouro, o veterano e a escola, mas quase sempre o quadro é outro.
O histórico do trote já é deveras violento. Ele foi criado na Europa no período da idade média, por alunos das grandes cidades que recebiam estudantes do interior. Eles queimavam as roupas dos estudantes interioranos e lhes cortavam os cabelos, argumentando que aquela medida era de caráter profilático. Partindo deste princípio, vemos que o trote tem uma qualidade excludente e preconceituosa, desde as suas bases históricas.
Muitos também falam que o trote, de certa forma, é um rito de passagem, porém, nas mais antigas civilizações e aldeias indígenas, os ritos de passagem servem para acolher o iniciado e lhe apresentar os valores e a ética que o cercam. A maioria dos casos a respeito do trote mostra uma face exagerada de violência e desrespeito, que muitas vezes fazem com que o jovem novato tenha uma experiência totalmente divergente ao que deveria ser o seu ingresso, em qualquer que seja a instituição. Não há desta forma, um complemento aos valores, mas sim, muitas vezes, uma mudança radical de conceitos mediante a tantos gestos de violência disfarçados de trotes e amiúdes por diversas instituições de ensino no mundo.
Na temática do trote, também existem os trotes solidários, que consistem em trotes mais leves, e que muitas vezes levam o chamado “calouro” a um momento de reflexão ou ação social, como por exemplo, a arrecadação de alimentos para ajudar uma comunidade carente ou algo que o valha. Ele foi instituído por algumas universidades e institutos de ensino para desafixar da cabeça de todos os alunos a cultura do trote violento, o que a meu ver, é uma ação bastante valida e que, dá muitos frutos no sentido da relação interpessoal entre os alunos novos e antigos.
Ficam para mim vários questionamentos fáceis de serem respondidos: será que é sempre melhor ferir o direito do outro a sua liberdade de escolha? Será que é mesmo tão importante sufocar o novo estudante que ingressa com atos violentos que ferem tanto o seu físico quanto o seu psicológico? Será que o novo aluno já não sofreu demais durante muito tempo de sua vida, perdendo noites de sono, se alimentando muitas vezes mal, e agora, após seu ingresso, não mereceria este o descanso que lhe mostraria que todo o seu esforço não foi em vão?
O problema é que muitas vezes só entendemos dos limites geográficos, e esquecemo-nos dos limites de relação social, aonde o nosso direito termina quando o do outro começa e assim por diante. Engrandecemo-nos por nossas conquistas, e assim nos achamos no direito de subestimar o potencial do próximo, mesmo quando já tenhamos passado pelas mesmas experiências, e sabemos dos males que elas podem causar se vividas de forma errônea. Queremos sempre ver brilhar o nosso lado da moeda, tentando ofuscar o lado do outro, mas, que lado da moeda brilha mais?