EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: A POPULAÇÃO COMO GUARDIÕES DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO- CULTURAL
O projeto “Educação Patrimonial do Campo: guardiões da paisagem e da cultura” têm como proposta trabalhar com Educação Patrimonial a partir dos princípios da Educação Popular pautando sempre o diálogo e a conscientização dos envolvidos. A equipe atua nos municípios de Goianá, Coronel Pacheco, São João Nepomuceno e Rio Novo com professores das escolas da rede pública, em especial, as municipais assim como também com acampados do Denis Gonçalves/ MST localizado a margem da rodovia MG-353 no perímetro que liga o município de Cel. Pacheco a Goianá.
Parece ser consenso que a produção historiográfica recente tem dedicado amplos espaços e constituído inúmeras pesquisas no campo patrimonial, seja ele cultural, artístico, étnico entre outros. Esse movimento, se assim pode ser chamado, de abertura a novas perspectivas de pesquisa e atuação do profissional que queira trabalhar com o patrimônio, tem sua gênese na esteira das críticas aos modelos sociológicos hegemônicos e normativos que perduraram durante o século XIX e tiveram enorme peso e influência nos trabalhos sobre patrimônio no século XX.
De acordo com a Constituição Brasileira de 1988 acerca do entendimento do conceito de patrimônio cultural é que este “seria a soma dos bens culturais de uma comunidade ou grupo” , mas a questão do patrimônio já é tema que vem sendo discutido em constituições a bem mais tempo, como podemos observar na Constituição de 1934 quando no Artigo 1° trata de que se “Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” . Portanto se analisarmos as propostas apresentadas nas constituições podemos observar que o patrimônio cultural pertence à população e a ela fica juntamente com órgãos públicos o encargo de sua preservação.
Uma releitura do que deve ser entendido enquanto patrimônio e da sua evolução até o que entendemos atualmente, se observado pela ótica exposta por Haroldo L. Camargo que “o conceito de patrimônio [...] não evolui para torna-se cada vez mais refinado, mas transforma se em razão das demandas sociais” , nos permite inferir que para além das relações intergrupais que canalizadas no embate contínuo de suas forças, propícia a transformação social, existindo, portanto a contribuição do homem ou de um grupo sobre o que pode vir à ser entendido como patrimônio ou o que supõe ser uma representação geral do social neste monumento patrimonial.
Sendo assim, cabe nos aqui delimitar uma diferenciação entre àqueles que têm acesso ou interferência sobre o patrimônio e aqueles que à mercê de sua sorte, vêem seus símbolos culturais se perderem no tempo.
O que temos atualmente é um domínio de apenas um grupo que de certa forma impõe o que viria a ser a sua referência de patrimônio e desta forma outros grupos que por falta de acesso a tais informações ficam a margem de tal interpretação, o historiador D. Byrne afirma que “É comum que os grupos dominantes usem seu poder para promover seu próprio patrimônio, minimizando ou mesmo negando a importância dos grupos subordinados, ao forjar uma identidade nacional à sua própria imagem”.
No bojo da abertura histórica que se presencia no termo patrimônio, iniciada com a denúncia da bipolaridade de interesses na ótica marxista, seguida de uma crítica pós-moderna aos conflitos não só econômicos, como muitos outros: os culturais, sociais, políticos, de gênero, de idade , parece correto questionar quais as reais condições de se buscar a valorização da diversidade e permitir os impulsos dos diversos atores sociais no resgate e na guarda de seus monumentos patrimoniais?
Uma importante contribuição neste sentido surgiu a algumas décadas, com a criação da “UNESCO que tem gerado uma sólida propagação da diversidade que envolva as comunidades de maneira geral, na preservação e gestão pública de seus bens culturais” . No entanto, para além deste esforço, o que se presencia é uma busca constante pela uniformização cultural, principalmente se tomarmos como base a expansão e a solidificação dos meios de comunicação em massa. Sendo assim o efeito nocivo dessas novas ferramentas da comunicação e da informação para a diversidade cultural talvez ainda careça de maiores esclarecimentos para a população.
CONSIDERAÇÔES FINAIS
O que proponho portanto neste artigo é reforçar a ideia de inserção da população enquanto protagonista no que se refere a apropriação cultural, pois outrora, sempre esteve a margem deste processo de preservação se observarmos em uma perspectiva histórica. Tomando como posicionamento o sujeito enquanto articulador do movimento da história, capaz de mudá-la e recriá-la.
Portanto não parte apenas, da simples delegação de funções a entidades autarquicas ou governamentais, pois o povo enquanto agente e sujeito histórico deve, apesar de uma série de impecílios, tomar este espaço enquanto seu, pois a ele se destina. Sabendo que “A cultura e a memória de um povo são os principais fatores de sua coesão e identidade, os responsáveis pelos liames que unem as pessoas em torno de uma noção comum de compartilhamento e identidade, noção básica para o senso de cidadania” .
A população passa a se relacionar com o patrimônio de forma pessoal e a preservação passa a ser para a comunidade um assunto muito sério. A discussão gerada nos processos educativos passa a fazer parte do cotidiano das pessoas: elas se reconhecem e vêm no patrimônio um pedaço de sua história e de seus descendentes.
A preservação deixa de ser algo imposto desde fora, mas é interiorizada e torna-se vital. A educação patrimonial tem um papel de resignificar a relação de afeto pelo patrimônio, sendo assim ao se trabalhar com a população o conceito do que é patrimônio, memória, bem cultural, cria-se um canal para a conscientização sobre o espaço público, seus direitos e deveres, estimulando assim a cidadania dos mais diversos grupos: crianças e adolescentes, pessoas de terceira idade, portadores de necessidades especiais, etc.
À luz desta interpretação da História, devemos reivindicar o empoderamento dos Movimentos Sociais, da Sociedade Civil Organizada e do Povo de maneira geral sobre o patrimônio cultural, pois se a quem foi dada a gerência até hoje, o fez de maneira ineficaz e descomprometida, acredito ser louvável a predisposição da população a fim de se tornarem guardiões deste patrimônio da história cultural brasileira.
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