ELEMENTOS DE SEMIÓTICA: UMA ABORDAGEM PRELIMINAR
ELEMENTOS DE SEMIÓTICA: UMA ABORDAGEM PRELIMINAR
Isaías Francisco da Silva
Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia de Alagoas - IFAL
isaiasmirim@hotmail.com
Resumo
O presente artigo objetiva fazer uma análise básica e breve a respeito de uma ciência ainda pouco conhecida, que é a Semiótica, através de definições e elementos que constituem seu campo de abrangência e atuação. Objetiva ainda, de forma compreensível, mostrar como elementos semióticos estão inseridos no cotidiano e quanto sua percepção e compreensão são relevantes para o desenvolvimento de habilidades facilitadoras para entendimento da realidade e do mundo a nossa volta.
Palavras-chave: Semiótica, signos, linguagens.
Abstract
This article aims to analyze basic and brief about a science still little known, which is Semiotics, through the definitions and elements that constitute their scope and performance. It also aims, understandably, to show how semiotic elements are embedded in everyday life and how their perception and understanding are relevant to the development of skills that facilitate the understanding of the real and the world around us.
Keywords: Semiotics, signs, languages
1. Introdução
Há muitos que a linguística é objeto de estudo de muitos acadêmicos e professores, desconhecidos e renomados, no mundo inteiro. Sem dúvidas, o Curso de Linguística Geral de Ferdinand Saussure é um marco das pesquisas da Linguística moderna. O que poucos percebem é que, nesse livro, Saussure fala de uma ciência ainda pouco estudada na época e que seria a mãe da Linguística, a que ele atribui o nome de Semiótica.
Quase cem anos se passaram desde a primeira edição do Curso de Linguística Geral, que ocorreu em 1916, e pouco se fala e se produz na área da Semiótica, pelo menos no Brasil, já que a Semiótica, enquanto campo de pesquisa está restrita ao sudeste do país, especificamente em São Paulo. Tanto que muitos estudantes das Letras ainda ficam assombrados quando ouvem essa palavra.
2. O que é semiótica
Devido à falta de conhecimento e o costume de levar coisas desconhecidas na brincadeira, muitas pessoas perguntam se Semiótica é a ótica pela metade. Porém, o significado real é bem diferente disso. Segundo Santaella, “o nome Semiótica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. Semiótica é a ciência dos signos.” (1985, p.7). Porém, ao invés de esclarecer as coisas, a definição complica-se ainda mais, pois a não ser pela acepção tradicional que se refere ao zodíaco, a palavra “signo” não é tão conhecida, principalmente pelos acadêmicos dos períodos iniciais de muitos cursos universitários.
Numa definição elementar, a Semiótica, que é a mais nova das ciências humanas, pode ser definida como a “ciência de todas e qualquer linguagem.” (SANTAELLA, 1985, p.10). Sendo assim, já imagina-se que seu campo de abrangência é vasto, em princípio. Entre os diversos domínios a que contempla estão: “o sistema de signos das linguagens não-verbais; o sistema de representação de significados das linguagens não-verbais: artes visuais, música, fotografia, cinema, publicidade culinária, vestuário, gestos, religião, ciência, cultura, etc.” (MOURA, 2011, p.6), através dos quais as sociedades humanas expressam seus valores, costumes, tradições, crenças, comportamentos, sentimentos, vontades, emoções, desejos, inquietudes...
3. Visão dos signos, de acordo com os estudos de Peirce
Seria incomum falar em Semiótica, mesmo que numa abordagem básica, sem recorrer às palavras do pioneiro da Semiótica contemporânea. Peirce, como é chamado por muitos estudiosos dessa área, foi um matemático, cientista e filósofo norte americano. Seu modo de agrupar os diferentes tipos de signos — todas as unidades significativas resultantes da união entre significado e significante ou numa definição mais básica, signo é aquilo que de certo modo representa algo para alguém — em três tipos, conforme as palavras de Moura, normalmente se dá “[...] de acordo com a maneira pela qual funcionam, ou seja, pela forma de se alcançar um entendimento através dos signos, quando estamos diante deles, em plena simbiose.” (2011, p. 18).
As três espécies de signos definidas por Peirce são: símbolos, ícones e índices. Um fator que agrava a compreensão desses grupos é que, muitas vezes, um mesmo signo pode ter aspecto icônico, simbólico e indicial; porém, com predominância de um tipo.
Por exemplo, sempre que se olha para a bandeira nacional, diz-se que ela é o símbolo do Brasil, não estando errada essa acepção. Por outro lado, pensando-se mais além, ela não apresenta similaridade com o objeto, ou seja, com aquilo que representa – o país Brasil. Isso acontece, exatamente, porque os símbolos são signos que independem de similaridades relativas, ou seja, o símbolo não tem obrigação de ter semelhanças objetivas com aquilo que simboliza.
Exemplos clássicos de símbolos são a cruz, simbolizando cristo e o cristianismo, e a bandeira branca, simbolizando a paz. Mesmo quando representa uma coletividade, o símbolo não tem obrigatoriamente semelhança com aquilo que simboliza. Por exemplo, a imagem de um homem pode simbolizar todos os homens e não apenas um em particular com suas características que o individualiza.
Com o ícone não há distinção entre o representante e o objeto, a que chama-se de representado. Parafraseando Moura (2011), isso acontece porque o ícone constitui um signo que representa o que representa, não importando como seja, pois representa só pelo fato de ser como é. “Representa por característica própria que possui, mesmo que seu objeto não exista. As imagens, em geral, são bons exemplos de ícones. A imagem da lixeira, na área de trabalho do seu computador, representa a lixeira porque é, de fato, a figura de uma lixeira tal como nos é possível reconhecê-la. (MOURA, 2011, p. 19).
Assim, ícone é algo que substitui o que representa, por exemplo, a foto de uma praça representa a própria praça.
Provavelmente, dos três agrupamentos de signos, definidos por Peirce, o mais fácil de compreendimento são os índices. Como o próprio nome já diz, o índice é um signo que indica algo, que representa algo que pode não estar presente, mas que pode ser identificado devido a sua relação de causalidade. São exemplos de índices ou indícios, pegadas na lama ou na areia - indicando que alguém ou algum animal passou naquele lugar; uma dor no coração pode ser indício de problemas cardíacos e o tradicional exemplo da fumaça, que pode ser indício de fogo.
4. A Semiótica e as linguagens não-verbais
Normalmente quando se fala em texto ou linguagem, logo associa-se à capacidade humana de se manifestar por palavras ou pelas escritas.
Porém, há outras formas de manifestações da linguagem como a pintura, a mímica, a dança, a música, dentre outras. Na linguagem verbal e nas linguagens não-verbais existe o que denomina-se de signos. A diferença é que aquela constitui os signos através do som da língua (como nas palavras Ana, casa, manga, linha...); enquanto estas exploram os signos para além do verbal, como as imagens, os sons musicais, o movimento, os gestos, os símbolos, só para citar alguns exemplos, já que são inúmeros.
Inicialmente, pode-se pensar que não há semelhanças entre essas formas de linguagens, mas ao pensar, com um olhar semiótico, chega-se à conclusão, por exemplo, de que ambas podem ser narrativas. Ao deparar-se com três imagens consecutivas, nas quais aparecem: uma pessoa com uma chave, um cadeado fechando um portão de uma casa, e por último, o portão com o cadeado aberto, logo associa-se que a pessoa (primeira imagem) abriu o cadeado (segunda imagem) e adentrou à casa (terceira imagem); portanto, as imagens por si sós estão construindo uma pequena narrativa, sem a necessidade da linguagem verbal.
É verdade que as diferenças são mais perceptíveis. A principal, delas, encontra-se no fato de que a linguagem verbal é linear, ou seja, seus signos e sons sucedem-se um após o outro, tanto no tempo da fala quanto na linha da escrita. Já na linguagem não-verbal, ao contrário, vários signos podem ocorrer simultaneamente, como na pintura, que pode acomodar vários traços simultâneos que vão dar formas ao todo da imagem ou em um vídeo em que vários signos se combinam para dar vida e movimento às imagens: cor, luz, som, gestos...
Textos não-verbais também exigem dos leitores “conhecimentos de mundo” e diversas competências, como por exemplo, os conceitos de temas, reiteração de traços semânticos, estrutura fundamental, estrutura narrativa, denotação, conotação, metáfora, metonímia, sinestesia e muito mais.
Exemplifica-se, melhor, o dito acima, citando-se o filme de Charles Chaplin “Tempos modernos”, na época do cinema mudo, no qual se encontra uma crítica ao capitalismo e a despersonalização do operário, construídas a partir do uso de figuras expressivas e simples, como também do recurso de figuras de linguagem como a metáfora, que fica “evidente” quando projeta-se na tela, primeiramente, um rebanho de carneiros em filas compactas e, logo em seguida, aparece grande número de operários no mesmo modo dos carneiros, a caminho da fábrica. Ou seja, a metáfora recorrente é a dos homens como animais passivos e submissos às duras exigências do capital.
Linguagens não-verbais nos ajudam a pensar o mundo e a realidade tanto quanto o signo verbal através da fala e da escrita, pois concretizamos nosso pensamento através dos signos, e eles podem ser de qualquer espécie. Sejam verbais ou não-verbais, os signos são a porta para a produção de sentidos em nosso pensamento, em nosso cérebro, gerando um processo chamado semiose. Um filme, uma pintura, uma obra de arte, uma música, um poema são exemplos de como os signos se articulam através de diferentes manifestações de linguagem para produzir semiose. Inclusive, em algumas profissões, como a docência, linguagens não-verbais como algumas citadas acima são “ferramentas” poderosíssimas no processo de se fazer-compreender a própria linguagem enquanto fenômeno e ciência universal, portanto, indispensável aos professores e graduandos.
5. A Semiótica e as figuras de linguagem
As figuras de linguagem são nossas velhas conhecidas, posto que muito presentes na linguagem verbal, sendo também recursos, riquíssimos, dos outros processos de significação que não apenas o verbal. Como sabemos, tais figuras são inúmeras, mas poderíamos citar algumas como as metáforas (da mesma forma que usamos o signo verbal de forma figurada, os outros signos também podem vir carregados de sentidos conotativos, metaforizados); alegorias (como a metáfora, é um desvio, aquilo que se fala para representar outra coisa. Diferenciam-se dessa por ser “um conjunto de metáforas referindo-se ao mesmo objeto”. (MOURA, 2011, p.31); e ironia (figura pela qual se diz o contrário do que se pensa, quase sempre com intenção sarcástica).
Assim, todos os signos podem ser ricos em figuras de linguagens; o próprio símbolo, um dos três tipos de signo, conforme Peirce, possui uma acepção metafórica e alegórica muito forte. Também nos diversos gêneros discursivos que agrupam signos verbais e não verbais, como, por exemplo, campanhas publicitárias e charges, são geralmente fontes de signos que agrupam muitas das figuras de linguagem citadas. É o caso dos dois exemplos a seguir, com forte referência ao desmatamento e a necessidade de preservação do meio-ambiente:
1)
2)
Fonte: Google imagens
Observa-se que, no primeiro exemplo, a imagem fala por si só e alerta para um fato, que fica a cada dia mais bem conhecido dos brasileiros, o desmatamento; a falta de verde na bandeira representa, metaforicamente, o desmatamento das matas e florestas brasileiras. A metáfora foi essencial como recurso de significação da imagem.
No segundo exemplo, a construção geral da imagem e o destaque em “Meio Ambiente” retrata a idéia de que o ambiente está em destruição, está pela metade; estando aí mais uma metáfora. Pois, a palavra “meio” está sendo usada não em seu sentido habitual (lugar que denota a natureza junto à fauna e a flora), mas expressando a ideia de que o “meio” está sendo destruído. Houve, portanto, um desvio de significação tão comum às metáforas. Quando o signo verbal e o não verbal se articulam juntos para criar significados, como na charge exemplificada, dizemos que ocorreu um “processo de intersemiose”, ou um “processo intersignos” (processo entre signos; processo de significação entre signos de diferentes naturezas).
Analisando as imagens, conforme a Semiótica, percebe-se que a bandeira do Brasil, mesmo sem o verde que simboliza as matas, é um símbolo porque simboliza a pátria a que se chama Brasil. Sendo que cada cor ainda simboliza algo que se encontra ou encontrava-se no país. O verde (que no caso acima está ausente) simboliza as matas; o amarelo simboliza o ouro e as riquezas naturais, que já foram encontradas em abundância no solo fértil brasileiro; (o azul simboliza o céu límpido do Brasil), e o branco simboliza a paz eterna.
Percebe-se que a bandeira é repleta de simbolismos. E neste caso, as agências de publicidade fazem um jogo simbólico de ideias muito bom, ao compreenderem que convencionalmente a bandeira representa o próprio país e o verde representa as matas brasileiras. Assim, aproveitou-se a metáfora que o verde comporta para então lançar-se a ideia do desmatamento, ao projetarem a bandeira com uma outra cor cujo significado representa exatamente o desaparecimento das matas brasileiras.
A segunda imagem é um ícone, pois representa duas tartarugas do jeito possível de representá-las e entendê-las. Como afirma Moura, “é um signo que representa o que representa, seja como for, pelo fato de ser como é.” (2011, p. 19).
6. Semiótica, literatura e educação
Poetas do século XIX, como Cruz e Souza, usavam recursos para, entre outras coisas, dar musicalidade a poesia. É o que se pode perceber no trecho abaixo do famoso poema “Violões que choram”,
[...] Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas. [...]
Se naquela época os poetas já percebiam a importância de implementar à poesia algo que a enriquecesse; por que ser contra as novas formas que constroem relações análogas, destruindo o pré-pronto, frio e inerte, com a imposição de musicalidade, movimentos, figuras, cor, formas e muito mais?
Através do processo conhecido como Semiose, que é a ação dos signos, busca-se dar novo rumo ao modo inerte de se pensar poesia. É o que se pode chamar de poesia intersemiótica ou ainda poética experimental.
A poesia intersemiótica ocorre quando se relaciona vários signos. Os vídeos-poemas são exemplo da ação da semiótica na literatura; pois, vários signos se articulam para dá sentido ao exposto, além do signo verbal encontram-se as imagens, os sons, gestos, movimentos...
Muitos professores reclamam que não sabem o que fazer para despertar o interesse de seus alunos pela poesia; muitos outros dizem, por exemplo, que não conseguem ensinar as formas geométricas, talvez o motivo esteja no fato de que eles não descobriram o poder da Semiótica. Ficam tentando ensinar do modo tradicional, sem abrir-se aos novos horizontes que uma prática mediada pela Semiótica pode oferecer. Às vezes, o tradicional é importante, mas muito se tem falado em interdisciplinaridade; e o que é a poesia intersemiótica senão um processo interdisciplinar?
Atenhamo-nos ao poema abaixo e veja como a união de dois signos o verbal, as palavras; e o não-verbal, representado pelas formas geométricas, são capazes de dar novo sentido ao texto e de facilitar seu entendimento:
Eu sou o Bonito demais
Tenho quatro lados
E todos iguais
E eu sou o
Sou igual à lua
Sou o mais bonito
Lá da minha rua
Eu sou o
Tenho três biquinhos
De chapéu eu sirvo
Para os palhacinhos
Eu sou o
Cresci mais de um lado
Para fazer inveja
Ao senhor quadrado. Fonte: Disponível em http://educacaodeinfancia.com/rimas-sobre-as-formas-geometricas/.
A poesia intersemiótica possibilita uma inserção mais profunda no emaranhado das palavras, principalmente, quando se trabalha com jovens; além de facilitar o entendimento da arte poética, facilita, também, a aprendizagem de outras áreas, como, no caso acima, a geometria.
7. Para (não) concluir
Sabe-se que ainda na atualidade existem pessoas defensoras do tradicional e outras que não se abrem para um novo mundo, às vezes, pela falta de conhecimento ou pelas incertezas que o novo pode gerar.
A Semiótica não é um novo mundo. É uma ciência que vem sendo estudada, com mais intensidade, há pouco tempo, e que ainda tem um potencial enorme a ser explorado. A intenção desse trabalho não é delimitar suas áreas de atuação, muito menos dá por concluído todos os seus campos de estudo e abrangência, na verdade, o que se pretende é que se entenda o básico, e que o leitor possa adquirir maior interesse e seguir por si próprio para adquirir e produzir conhecimentos, que o ajude em suas práticas pedagógicas e faça da Semiótica uma ciência mais conhecida.
Referências:
MOURA, José Sérgio Amancio. Elementos de Semiótica. Maceió, IFAL, 2011.
SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 15-22.