MEU LADO PROFESSORAL

Prólogo

Ah! Desgasta-me sobremaneira, às vezes, esse meu lado professoral. Explico melhor: Alguns leitores, extremamente curiosos e cuidadosos, normalmente fazem perguntas, consultas via internet, a professores renomados que detêm blogs específicos para esse fim. Não é esse o meu caso. Gosto de responder às consultas jurídicas, isto é, correlatas com minha formação acadêmica. Faço isso por duas razões: Prazer e terapia ocupacional.

Os questionamentos que me fazem os diletos leitores, dentro de minha área de atuação, têm me gratificado com um aprendizado extra. Na difícil labuta na área das Ciências Jurídicas e Sociais - Direito quanto mais estudamos mais aprendemos. Isso ocorre, de certa forma, em qualquer campo do conhecimento humano.

No Direito esse aprendizado é amplificado, cogente e potencializado pelo dinamismo do assunto onde se salientam emoções e conflitos de interesses variados.

Fazendo um "tour" pelo "site" Migalhas número 2.765, deparei-me com questionamentos bem interessantes de leitores briosos e interessados no melhor falar e bem escrever. Lógico que são dúvidas pertinentes ao idioma português e por essa razão em qualquer boa gramática podemos encontrar as melhores explicações para as dúvidas em comento. Hoje as dúvidas dos leitores despertaram da letargia o meu lado professoral.

Não tenho dúvidas que alguns leitores professores entenderão ser enfadonha essa minha tentativa de ensinar algo tão explicitamente formal, embora simples, mas como já frisei é o meu lado professoral que se exalta para satisfazer, talvez, a algum leitor de conhecimento mediano no idioma pátrio.

Vejamos, de per si, essa ausência de certeza quanto a um fato, informação, ideia etc.

PRIMEIRA DÚVIDA: Por quanto ou Porquanto?

Uma leitora traz o seguinte exemplo: "A nulidade produziu prejuízo à defesa, por quanto serviu como base para a negativa do privilégio legal do furto qualificado". E indaga: a expressão por quanto poderia ser escrita como uma só palavra?

Ora, escreve-se separadamente por quanto, quando se tem uma preposição (por) e um pronome (quanto), ou, considerada como um todo, uma locução adverbial. Exs.:

I) "Por quanto dinheiro Analu vende o apartamento?";

II) "Por quanto você vende seu computador?";

III) "Bianca não sabia por quanto tempo ainda esperaria pelo médico".

Escreve-se, porém, como uma só palavra, quando é conjunção, caso em que pode ser substituída por "pois" ou "porque". Exs.:

I) "Wilson não se moveu, porquanto a conversa não era com ele";

II) "Henrique venceu o concurso, porquanto não apareceu nenhum outro candidato".

De modo específico para o caso da consulta, vê-se, com facilidade, que o sentido do vocábulo no texto é "pois" ou "porque", o que significa que é conjunção e se deve escrever como uma só palavra. Vejam-se, assim, os seguintes exemplos, com indicação de seu acerto ou erronia entre parênteses:

I) "A nulidade produziu prejuízo à defesa, por quanto serviu como base para a negativa do privilégio legal do furto qualificado" (errado);

II) "A nulidade produziu prejuízo à defesa, porquanto serviu como base para a negativa do privilégio legal do furto qualificado" (correto).

SEGUNDA DÚVIDA: Realizou-se ou Foi realizada?

Um leitor pergunta se é correto dizer "... realizou-se a primeira sessão...". Entende que deveria ser usada a voz passiva: "foi realizada a primeira sessão". E pede opinião.

Ora, tomando-se por modelo a estrutura "Aluga-se uma casa", vê-se que nela se acham presentes os seguintes aspectos:

O exemplo pode ser dito de outra forma, tipo: "Uma casa é alugada". Porque pode o exemplo ser dito de outra forma, diz-se que ela é uma frase reversível. Em casos assim, o exemplo que serviu de base para a transformação já está na voz passiva, e, por ser mais resumida do que a outra, chama-se voz passiva sintética.

O outro modo de dizer ou escrever: "Uma casa é alugada" é a voz passiva analítica. Não há, entre ambos, modo melhor ou pior de dizer, já que são apenas estruturas sintáticas diferentes para dizer a mesma realidade de fato.

O "se", no caso, chama-se partícula apassivadora. O sujeito do exemplo é "uma casa". Porque o sujeito é "uma casa", quando se diz casas, o verbo deve ir para o plural, já que a regra geral de concordância verbal determina que o verbo concorda com o seu sujeito. O correto, então, no plural, é "Alugam-se casas", e não "Aluga-se casas".

Um detalhe interessante é que andando pelas ruas de nossas cidades brasileiras observamos anúncios esconsos que dizem: "Amola-se tesouras" (Errado). "Conserta-se panelas" (Errado). "Amola-se facas" (Errado). O correto é: Amolam-se tesouras. Consertam-se panelas. Amolam-se facas. Claro que o erro é formal! Na linguagem coloquial (do povão) haverá sempre comunicação com esse tipo de reclame.

Observe-se, aliás, que essa é uma construção muito comum nos meios jurídicos, de modo que se há de zelar pela concordância adequada no plural, e não no singular, em casos como os que seguem: "Buscaram-se soluções para o conflito"; "Citem-se os réus"; "Devolvam-se os autos"; "Entreguem-se os autos da carta precatória"; "Intimem-se as testemunhas"; "Processem-se os recursos".

Voltando ao exemplo da consulta: "... realizou-se a primeira sessão...", que também pode ser transformado em: "... foi realizada a primeira sessão...". Podemos extrair, dentre outras, as seguintes conclusões:

a) O primeiro dos exemplos é voz passiva, tanto quanto o segundo deles;

b) O primeiro, que tem o se, por ser mais resumido do que o outro, chama-se voz passiva sintética;

c) O outro: "... foi realizada a primeira sessão..." é voz passiva analítica.

Não há entre ambos modo melhor ou pior de dizer, nem mais correto ou menos correto, já que são apenas formas equivalentes, no plano sintático, de dizer a mesma realidade de fato. Em síntese: são igualmente corretos os exemplos:

i) "... realizou-se a primeira sessão..." e

ii) "... foi realizada a primeira sessão..."

TERCEIRA DÚVIDA: Sub-rogação ou Subrogação?

Uma leitora, atenta às alterações havidas em nosso sistema ortográfico, indaga como deve escrever atualmente: sub-rogação ou subrogação?

Ora, o prefixo sub, de origem latina, normalmente traz o significado de posição inferior, em sentido físico ou figurado, como em subtenente.

Digo sentido figurado pelo fato de Eu ter permanecido subtenente por três anos e seis meses, quando estava no serviço ativo no Exército, mas nem por isso me sentia em posição inferior aos demais superiores hierárquicos.

Divagações à parte vamos ao que interessa: As diretrizes do Acordo Ortográfico de 2008 determinam que tal prefixo 'SUB' se une ao segundo elemento, por hífen, em três casos:

I) quando o segundo elemento se inicia por h: sub-hepático, sub-horizontal, sub-humano;

II) quando o segundo elemento começa com r: sub-ramo, sub-região, sub-reitoria, sub-rogação (e isso sob pena de ter a vogal que inicia o segundo elemento o som de um só 'r', como em sobremesa);

III) quando o segundo elemento principia com a mesma letra que finda o prefixo: sub-base, sub-bosque, sub-brigadeiro (e aqui também sob pena de ter a vogal que principia o segundo elemento o som de um só 'b', como em subir).

Desse modo, ligam-se diretamente os elementos, quando o segundo deles principia por outra consoante, que não aquela que encerra o prefixo: subclassificação, subdesenvolvimento, subfamília, subgaleria, submaxilar, subnível, subsalário, subseção. Também se ligam diretamente os elementos, quando o último deles começa por vogal: subabdominal, subadquirente, subemenda, subemprego, subinfecção, subitem, subocular, suboficial, subunidade, subutilizar.

Interessante é observar que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem delegação legal para listar oficialmente os vocábulos existentes no vernáculo, determinando-lhes a forma correta, em critério evidentemente duplo e equivocado de consideração do problema, apresenta alguns vocábulos cujo segundo elemento é iniciado por h, mas lhes suprime tal letra e faz a junção sem hífen, como se o segundo elemento fosse iniciado por vogal. Exemplos: subarmônico, subemisférico, subepático, subumano.

Todavia, como a Academia Brasileira de Letras, pela edição do VOLP, é a autoridade para ditar as regras sobre a grafia das palavras em nosso idioma, deve-se obedecer a tal determinação, até que, em edição futura, a questão seja unificada. Caberá sempre a todos nós, brasileiros e brasileiras, acatarmos as normas urdidas e solenemente aprovadas.

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NOTAS REFERENCIADAS E BIBLIOGRÁFICAS

- Nota referenciada: Migalhas nº 2.765;

- Guia Prático da Nova Ortografia - Douglas Tufano;

- Notas de aulas do Autor sobre Português Jurídico.