DA LEITURA CRÍTICA.

Numa sociedade como a nossa, onde se assiste à barbárie, a presença de leitores críticos é uma necessidade imediata.

Ezequiel Theodoro da Silva

Em meio a tantos cárceres de informações, não me surpreende que a leitura seja entendida como mero reproduzir de pensamentos alheios, um exercício instrucionista, encaixando o sujeito em métodos disciplinadores. O que importa, nessa perspectiva, é a “decifrologia”, fenômeno responsável pelo embotamento da inteligência e inibidor da autopoiética. O horizonte possível, destarte, é o da pobreza política, posto obstaculizar a leitura crítica.

Ao contrário do pensar, o senso crítico não é natural. Trata-se de uma habilidade complexa e interminável, que aprendemos, na qual o fundamento é a Qualidade Política. Na leitura crítica, todos os movimentos visam ao desvelar das engrenagens manipulatórias. Na verdade, é uma contraleitura árdua, sistemática e de reconstrução dialética. É um saber pensar mais elaborado, filosófico, aquele tipo que, nas palavras de Pedro Demo, “pede acuidade de fundamentação, rigor e meticulosidade”. O leitor crítico sabe que só existe realidade objetiva enquanto algo independente de nós; mas aquela sobre qual analisamos já consiste numa leitura, numa interpretação com vieses, claro, histórico-culturais.

O contrário da leitura crítica é a crendice nos artefatos escritos, é a cegueira que impede o sujeito de perceber que “os símbolos são plásticos, os significados ambíguos e as compreensões incompletas”. Na leitura não crítica, predomina a abordagem ingênua, responsável por uma série de deficiências, mormente as de cunho epistemológicos, de tratamento, produção e interpretação de dados. É deplorável esse reducionismo inculcado nas escolas que leva o aluno a encaixar suas leituras apenas num esquema descritivo – assunto, tese e argumentos - sem avançar na produção de sentidos. Brota, dessa prática, um cidadão menor, um ser assujeitado, um indivíduo reprodutor, uma mente passiva, tímida e sugestionável.

Toda leitura crítica repudia “aceitação impensada” de textos. Ora, é próprio do leitor crítico, consoante Ezequiel T. da Silva, “analisar e examinar as evidências apresentadas, e, à luz dessa análise, julga-se criteriosamente a si mesmo para chegar a um posicionamento”. É simplesmente impossível este tipo de leitura proibir a expressão. Ao contrário, ela é sua razão de ser, afinal, Qualidade exige do leitor ousadia para ir aos múltiplos lugares ideológicos, lá onde assiste o silêncio. Parafraseando mestre Teodoro, digo: leitores acríticos, acostumados à ótica convencional da leitura, permanecem felizes em exercerem suas leituras “de meia-tigela”, sustentando a alienação e os privilégios de uma minoria. Só a leitura crítica será capaz de questionar as evidências, só ela desvenda as armadilhas da linguagem, só ela nos permite “desfiar e refiar o avesso de um texto no sentido de chegar às suas entranhas”, só ela faz com que penetremos nas linhas, nas entrelinhas e, sobretudo, para além das linhas.

Ler, portanto, criticamente é imperativo da Cidadania. Afinal, sem criticidade não há mudanças mais ou menos como desejamos. Numa sociedade grafocêntrica, vigilância e astúcia analíticas são ferramentas imprescindíveis para evitarmos leituras “decifrológicas”, de reles instrucionismos negadores de outras possibilidades. Leitura crítica é Libertação. Não é niilismo, ela é demarcada pelo equilíbrio, pela responsabilidade, pela perspicácia e pelo comedimento.