VOCÊ É AUTÊNTICO?
Através de nossas ações, continuamente, espalhamos cópias de nossa personalidade. As pessoas com as quais convivemos podem avaliar se estas ações correspondem ao nosso mundo interior, ou se agimos com falsidade, enganando ou mentindo. Pelas atitudes posteriores, ou reações momentâneas, concluirão se somos dignos de confiança e sinceros. Se agimos de acordo com o que pensamos, e se somos autênticos.
A amizade autêntica
A amizade verdadeira resume-se numa questão de autenticidade. Para que alguém nos conquiste é preciso que ele nos cative. Inicialmente olhamos os estranhos com frieza. Torna-se necessário que venham ao encontro de alguma de nossas aspirações para conquistarem a benevolência, e “quebrarem o gelo” do primeiro encontro. Na medida em que aumentam os contatos, cresce também o conhecimento a seu respeito, e se desenvolve a amizade. Mas por que somos mais amigos de uns do que de outros? Certamente não é apenas o grau de simpatia que determina a intensidade da amizade. Entram principalmente elementos de confiança no grau de amizade. Onde existe pouca confiança também a amizade é frágil. Até nas amizades mais profundas basta um ato dúbio qualquer para que esta amizade seja abalada e, inclusive, desmorone.
Com os verdadeiros amigos podemos desabafar livremente. Acontece, porém, frequentes vezes, que nosso amigo não tem papas na língua, e conta a outros o que lhe confiamos em segredo. É a praga dos mexericos. É evidente que nesta base não poderá subsistir uma amizade verdadeira. O amigo verdadeiro deve ser capaz de sepultar as nossas confidências, deixando de fazer a nossa caveira pelas costas. O camarada que trai a amizade demonstra que seu interior é diferente das atitudes externas. Portanto, é falso, não sincero e inautêntico.
Quando alguém nos confessa: “eu te amo”, como podemos ter certeza da sinceridade desta afirmação? São três palavrinhas capazes de fazer pulsar nosso coração com mais rapidez, e produzir uma confiança cega. Mas, quantas vezes nos enganamos! Aquele que as pronuncia, daí a pouco, poderá rir de nossa confiança e gozar da ingenuidade barata com que nele acreditamos. O verdadeiro amor não cai pronto do céu, e não depende de impulsos momentâneos, mas resulta do intercâmbio de experiências e de conhecimento mútuo. Amor à primeira vista se desvanece como fogo fátuo, quando não comprovado por atitudes sinceras de doação autêntica. Mas a autenticidade não se manifesta só em amizade e amor. Todos os atos humanos podem ser classificados em autênticos e falsos. Encontramos lobos e cordeiros. E corre por aí muito lobo revestido com pele de ovelha!
Autenticidade na família e na escola
A harmonia no lar depende, em grande parte, da sinceridade e franqueza com que os familiares se tratam. O verdadeiro amor compartilha as suas dificuldades e experiências. Por isto, entre pais e filhos nada poderá ser oculto. Se cada um procura mostrar-se assim como ele é, autenticamente, diminuirão os motivos de desconfianças inúteis, e a compreensão mútua será mais fácil. Do contrário, a falsidade, o engano e o disfarce implantarão o inferno na família.
No colégio o jovem estudante busca o treino intelectual. Mas a função da escola ultrapassa em muito a mera satisfação intelectual. Visa, principalmente, o desenvolvimento harmonioso da personalidade. Por isto, cada educador possui uma parcela de responsabilidade no sucesso dos objetivos de qualquer educandário. Uma das virtudes essenciais do professor deve ser a justiça. Não a justiça do carrasco, com tendências ao massacre, mas o dom humano objetivo que, com isenção de ânimo, admite suas limitações e trabalha com os alunos, reconhecendo os méritos de cada um, e orientando-os para o pleno desabrochar de seus talentos. O professor pedante, charlatão, desumano e falso, que favorece a alguns e prejudica a outros, ou que sente prazer sádico em massacrar os alunos, em vez de formar, contribui na formação de indivíduos prejudiciais à sociedade. O educador impressiona mais pelo que é do que pelo que sabe. Por isto, sua autenticidade gera também a autenticidade dos educandos.
Alunos com personalidade autêntica são aqueles nos quais os mestres podem confiar. A falsidade aparece, por exemplo, quando se apela para a cola, o plágio. Quem possui o espírito desta “máxima viração possível” demonstra uma personalidade dissociada. Diante do professor, dos pais e dos colegas quer aparecer inteligente e aplicado, enquanto na realidade não é bem assim. Não convém salvar as aparências para sacrificar a autenticidade. Alunos bem sucedidos na cola, muitas vezes, se vangloriam de que são “vivos”, e se vangloriam de sua esperteza. É uma maneira falsa de querem se valorizar perante os colegas. Outras tantas faltas de autenticidade encontramos em jovens que alteram a idade de suas carteiras de estudantes, ou modificam as notas de seus boletins. Aparentemente tais atos são insignificantes, mas vistos em suas consequências, não devem passar desapercebidos, pois demonstram pequenos desvios na estrutura de orientação da personalidade jovem, que podem degenerar em manifestações posteriores desastrosas. Os ladrões, traidores, espiões, sonegadores, corruptos e corruptores, carrascos e torturadores, certamente, não nasceram com suas taras de falsidade. Aprenderam os seus vícios numa sociedade que não lhes ensinou o caminho da honestidade. A escola tem a alta função de privar a sociedade dos marginais, educando os cidadãos para a honestidade e a sinceridade. Por isto está obrigada a coibir qualquer desvio na autenticidade e sinceridade dos alunos.
Fundamentos psicológicos da autenticidade
Cada um de nós fica diariamente sujeito a inúmeras pressões externas, alheias à nossa vontade. Quem não possui uma personalidade forte pode sentir-se abalado e, em cada situação, tentar um novo equilíbrio. Estes “equilibristas”, necessariamente, manifestam uma personalidade dupla. Agem de acordo com as conveniências, e não conforme uma estrutura coerente de orientação interna. Não respeitam o que ontem afirmaram, se isto hoje não lhes satisfaz mais os interesses. Quando tais indivíduos ocupam cargos de responsabilidade tornam-se joguetes, ou inocentes úteis, nas mãos dos aproveitadores. Estes se aproveitam dos momentos de fraqueza ou indecisão dos chefes, ou dos cidadãos em geral, para engambelá-los. Nem os equilibristas, nem os engambeladores são autênticos. Ninguém pode confiar em seus atos. A estrutura de sua personalidade possui deficiências lamentáveis. Mas, muitas vezes, eles próprios não têm culpa desta situação, pois são vítimas de uma sociedade corrompida, ou de uma educação viciada. Tornaram-se impotentes ante as exigências de sua carga psíquica negativa. Daí a importância de acumularmos, durante nossa formação, uma bagagem de vivências positivas. A nossa autenticidade e lealdade dependem da educação que recebemos.
A educação de qualquer pessoa humana inicia-se imediatamente após o nascimento. Qualquer fato que toca a consciência reflexa é incorporado ao nosso depósito psíquico. Muitos acontecimentos submergem no subconsciente e são esquecidos. Mas, apesar disto, permanecem forças ativas que, juntamente com os instintos, agem de muitas formas sobre a vida consciente. Se a carga do subconsciente for composta principalmente de vivências negativas, o consciente será pressionado por conflitos, e surgirá uma desarmonia na personalidade. Por isto, os educadores devem ter presente que a criança é um ser extremamente delicado. Exige o respeito e a satisfação das suas exigências vitais inatas de felicidade, harmonia, amor e liberdade. Se frustrarmos estas necessidades básicas, produziremos um desequilíbrio psicológico no educando. Liberdade não significa libertinagem. Um educador cristão deverá saber qual o significado de cada um destes termos. Pois, se nos baseássemos em filosofias equívocas, correríamos o risco de destruir a natureza do educando, em vez de formá-la autenticamente.
Os anos da infância, adolescência e juventude são decisivos para determinar a nossa estrutura de orientação na vida. O que tivermos assimilado nestes estágios de desenvolvimento passará a constituir o núcleo energético donde a vida adulta buscará as forças de ação. Se tivermos assimilado princípios de lealdade, franqueza, sinceridade e autenticidade teremos grandes possibilidades de continuar assim durante toda a vida. Pois, somente nos realizaremos na felicidade, no amor, na harmonia e na liberdade quando os nossos atos externos forem cópias fiéis dos princípios internos, isto é, quando formos para os outros o que somos para nós: inteiramente leais, francos, sinceros e autênticos.
Inácio Strieder é professor de filosofia – Recife/PE