Experiências vividas na escolarização
SOUZA, Joabe Tavares de. Experiências vividas na escolarização: da APAE ao Curso de Licenciatura Plena em História. Comunicação feita durante o
Minha vivência na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Rondonópolis – Mato Grosso.
Eu sofri uma espécie de paralisia nove meses depois do meu nascimento e a partir daí fiquei sob os cuidados maternos. Depois de uma certa idade passei a freqüentar a APAE. Embora não me recorde bem do começo, recordo que diariamente, pela manhã, eu acordava cedo e ia para um ponto de espera, onde uma Kombi me pegava, sendo esse o meio de transporte que a APAE utilizava na época, para transportar seus alunos. Lembro-me que sempre que eu chegava na APAE éramos divididos em filas dentro do saguão central, onde fazíamos um momento de oração acompanhados pela diretora e pelo grupo de professores, pedagogos e psicólogos, entre outros especialistas que ali mourejavam. Após, era servido o café matinal: às vezes na sala de aula, outras vezes no saguão. O atendimento era individual e coletivo. Lembro-me também que cada turma tinha um professor. Esse atendimento era coletivo porque fazíamos parte de uma turma de 30 alunos mais ou menos, que eram acompanhados por uma professora responsável por aquela turma. O atendimento também era individual porque cada aluno contava, na medida do possível, com atendimento especializado: de psicólogo, de fisioterapeuta, fonoaudiólogo e outros. Havia também mudos e surdos, que eram acompanhados separadamente, em uma outra turma, e que tinham um atendimento de acordo com as suas necessidades. Era comum eu fazer parte de turmas em que havia alunos com vários tipos de deficiência, como mental e outras, inclusive portadores de síndrome de Down. Eu iniciei o meu aprendizado na alfabetização, que partiu de muitas descobertas sobre a minha percepção das cores e das letras. Fui chamado para fazer um teste com a pedagoga Donéria, (que hoje já desfruta de sua merecida aposentadoria). Ela descobriu minha capacidade de ler. Assim, passei a ser seu objeto de estudo durante um ano. Nesse período, durante a semana, em dias alternados, eu tinha outros atendimentos, como de psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas. Nas aulas, comecei a desenvolver-me muito. A APAE para mim foi um paraíso, onde vivi com muita intensidade, sem ter que me deparar com os olhares de desconfiança das pessoas que não entendem o que é ser diferente. Foi lá que eu aprendi a ir superando obstáculos, e ocupar, passo a passo, o meu lugar no mundo, adaptando-me a diferentes situações.
Portanto, foi na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE, onde inicialmente minhas potencialidades foram percebidas. Mas tive outras: estas, a partir de 2011, na Educação Básica: no ensino fundamental e médio.
Educação Básica. no ensino fundamental e médio
Na Escola Estadual Professora Eunice Souza dos Santos passei a freqüentar a 4ª série, vindo a concluir a 8ª série do ensino fundamental no ano de 2004. Ao terminar o ensino fundamental, como faz parte da minha personalidade, não fiquei estacionado no acostamento, diante do sinal verde, esperando as oportunidades surgirem. Então, elegi como meta: o Ensino Médio, que iniciei e concluí na Escola Estadual LA SALLE, freqüentando-o no período compreendido entre os anos de 2005 a 2007. Foi nessa escola, no dia 17 de setembro, às nove horas daquela manhã do ano de 2007, que lancei o meu 1º livro de poesias, com o título: “Minhas poesias, doces palavras amor”, fruto do meu período de isolamento.
Novamente surgiu à minha frente um novo desafio, uma vez que após ter prestado o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), prestei o meu primeiro vestibular, sendo aprovado em 27º lugar para o curso de Licenciatura Plena em História.
Educação Superior: Graduação de Licenciatura Plena em História / Instituto de Ciências Humanas e Sociais / Campus Universitário de Rondonópolis / Universidade Federal de Mato Grosso.
Minha graduação se encontra em andamento, em fase de finalização.
Passei a dar passos na minha formação acadêmica em 2008, quando me tornei um estudante regularmente matriculado no Curso de Licenciatura Plena em História. Este curso, em sua totalidade, é composto por núcleos específicos, com várias disciplinas, que visam nos dar suportes teóricos e práticos sólidos, formando-nos para o ensino e para pesquisa, um árduo desafio para mim, porém prazeroso.
A minha experiência até aqui tem sido extremamente importante à minha formação, contribuindo ricamente para o meu saber fazer histórico, por meio das leituras dos textos, das ações dos professores em suas aulas expositivas e dialogadas, não esquecendo também das trocas de experiências com os nobres companheiros e companheiras, colegas estudantes no Curso. Não posso me esquecer, de forma alguma, os questionamentos feitos por eles e por mim, e, por que não lembrar, dos não feitos, pois, possivelmente, eles teriam enriquecido mais ainda nossos saberes. Quanto às minhas experiências nas disciplinas, posso afirmar que, dentro das minhas possibilidades e compreensão, elas foram, ao longo do Curso, as melhores. Com relação aos eventos promovidos pela instituição e suas viagens de estudo, neles tive a oportunidade de aprofundar conhecimentos e ter novas experiências. Fiz uma viagem de estudo de contribuição inenarrável à minha formação acadêmica. Creio que no nosso Campus eu tenha sido um dos únicos estudantes com deficiência a ter uma experiência como essa, o que foi possível, grandemente, à generosidade deste professor, os colegas universitários e minha irmã, que teve permissão e ajuda para me acompanhar.
Da minha formação acadêmica faz parte também, a pesquisa, o que exigiu a elaboração de um projeto, que passei a construir desde uma disciplina que foi dada em 2008, quando comecei a ter também o acompanhamento da professora que convidei para ser a minha orientadora. Entre 2008 e 2010 dei meus primeiros passos, construindo o meu projeto, feito e refeito ao longo desse tempo, cujo resultado da pesquisa brevemente será submetido a uma banca examinadora.
O tema que escolhi para estudo é a Inclusão Social de estudantes com deficiência na Educação Superior. Por que o escolhi? Instigou-me a sua realização o fato de eu ser mais um – entre outros universitários que conheço ou que sei que já passaram pela Universidade –, Estudantes com Deficiência. Portanto, vivencio essa condição e hoje me encontro concluindo uma Licenciatura. Nesse sentido, ele foi definido após diálogos feitos com a minha orientadora, que partiram de uma vontade minha, de também contribuir com a discussão sobre a Educação Inclusiva, expondo minhas reflexões, nascidas da minha própria experiência estudantil e de indagações que tinha sobre como tem se dado esse tipo de atendimento no ensino superior.
Acredito que a realização de meu estudo pode contribuir com a discussão sobre o tema, fazendo-se na Universidade uma reflexão mais ampla e profunda, podendo, possivelmente, servir para o apontamento de novos horizontes a serem pensados e considerados no ensino superior.
Para concluir, quero dizer que minha trajetória de estudante é uma história de superação. Não somente pela minha condição física, mas pelo desafio que considero a educação inclusiva para pessoas com deficiência em nosso país, onde já existem muitas leis e políticas públicas em vigor, mas que não têm sido acompanhadas das condições necessárias à sua concretização e atendimento de todos que delas dependem. Isto, a meu ver, porque ainda não existe, com clareza, o que é inclusão para aqueles que efetivamente devem assegurar o cumprimento de tais leis e políticas públicas, embora ela faça parte dos discursos demagógicos de muitos políticos, que especialmente em período eleitoral a usam como chavões para conquistar votos de pessoas menos esclarecidas.
Na universidade – e aqui falo especificamente do Campus de Rondonópolis, da Universidade Federal de Mato Grosso, às vezes a inclusão de estudantes deficientes chega a fazer parte das discussões acadêmicas, com bons diálogos e que demonstram uma ótimo conhecimento teórico sobre o tema. No entanto, sem um resultado mais efetivo. Exemplo disso foi o encaminhamento de uma proposta de minuta de resolução, de criação de bolsas para deficientes, enviada pela Chefia do Departamento de História em 2008, para os órgãos centrais de gestão da UFMT, sem resposta alguma até hoje.
Entretanto, devo registro que são percebidas algumas ações pontuais no Campus, como a demarcação de espaços nos estacionamentos; algumas rampas; alguns banheiros adaptados; eu pude contar com um computador semi-adaptado e com monitores durante a minha graduação. Certamente, são conquistas importantes, mas ainda há muito a ser feito, o que precisa da participação individual, de pessoas com deficiência ou não, para que num esforço coletivo sejamos fortes o suficiente para fazer valer direitos já existentes e outros que ainda precisam ser conquistados!
Sou muito agradecido por esta oportunidade!