Professor Brasileiro: está na hora da virada!
Professor Brasileiro: está na hora da virada!
Luiz Eduardo Corrêa Lima
No mês de setembro desse ano, completei oficialmente 35 anos de magistério, digo oficialmente porque na prática entendo que sou professor há mais de 55 anos, ou seja, desde que nasci. Porém, na sala de aula, ministrando aulas em classes regulares, comecei efetivamente no dia 16 de setembro de 1976, no antigo Colégio Regente, na Praça da Bandeira, no Rio de Janeiro. Portanto, acabei de completar 35 anos ministrando aulas.
Nesses longos 35 anos pude comprovar que nasci mesmo para ser professor, pois o que realmente mais gosto de fazer é tentar ensinar um pouco daquilo que aprendi e assim também aprender um pouco mais. Ao que parece, meus alunos também concordam comigo e tenho me dado muito bem na profissão. Ao contrário de tantos outros professores que conheço, não posso reclamar de ser professor, pois se não tem sido sempre ótimo e maravilhoso, também não tem sido nenhuma desgraça. Aliás, as coisas quase sempre estiveram muito mais para o lado do ótimo, apesar de alguns percalços ocasionais, como ocorre em tudo na vida.
Entretanto, ao longo desse tempo, se, graças a Deus, não me desiludi com a profissão e quase sempre senti um imenso prazer em exercê-la, por outro lado, fiquei decepcionado com o que vi acontecer com os profissionais dessa profissão e consequentemente com a educação nesse país continental e extremamente diversificado. Tivemos muito de tudo o que é ruim e infelizmente quase nada do que é bom. E mais, no que diz respeito à educação, as coisas ruins parecem que não tem fim, pois continuam acontecendo em larga escala no Brasil.
Agora mesmo, com mais um resultado recente do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), temos a comprovação de que a Educação nesse país vai de mal a pior. Obviamente o maior culpado é o governo. Ou melhor, os maiores culpados são os governos, nas três esferas do poder. Entretanto, nós professores não podemos nos eximir de parte da culpa também. A família, desmoronada com certeza nos tempos atuais, vem em segundo lugar e ainda exerce, junto aos governos, uma significativa e lamentavelmente crescente, responsabilidade pelo descalabro educacional imperante.
A culpa dos governos reside na ineficiência administrativa, na falta de políticas públicas sérias e cabíveis, no não comprometimento com o uso devido das verbas públicas para a educação e principalmente com a não fiscalização devida do processo educacional como um todo e na retirada progressiva da autoridade do professor para fundamentar interesses menores e com justificativas pífias e degradantes à moral dos professores e a inteligência da maioria das pessoas. Mas, essa é outra história e fica para depois.
O Sistema é perverso e como o governo não fiscaliza devidamente as escolas que formam profissionais de ensino, os professores acabam sendo muito mal formados e consequentemente também formam muito mal os seus respectivos alunos. A falta de fiscalização das escolas em todos os níveis é ruim e esse fato facilita a desordem e a instabilidade educacional.
A irresponsabilidade da família reside na sua atual incapacidade de orientar e gerenciar seus filhos na prática de valores virtuosos que possam prover necessidades futuras, com base na educação, na ética e na eficiência profissional. Aquelas famílias brasileiras tradicionais e mais conservadoras que ainda guardam alguns bons costumes não se desmantelaram totalmente, porém também já sofrem os efeitos negativos por conta dos “novos padrões éticos”, os quais são ditados e definidos principalmente por conta da influência maléfica que a mídia exerce sobre os jovens e da permissibilidade generalizada. Assim, mesmo essas famílias mais tradicionais, têm amargado grandes dificuldades que são oriundas dessas más influências na orientação de seus jovens. Por outro lado, infelizmente, com a justificativa mesquinha da falta de tempo por conta do trabalho e da ocupação dos pais, as demais famílias gradativamente também estão abandonando suas atribuições como formadoras básicas da educação de seus filhos.
E nós professores, onde nós estamos errando?
Nós estamos errando, quando assumimos compromissos profissionais que não estamos aptos a cumprir, isso é, quando resolvemos dar aulas de competências que não possuímos. Quando somos cientes de que não nos formamos bem e não fazemos nada para mudar o ato. Quando não estabelecemos critérios éticos compatíveis com a função que devemos exercer. Quando brincamos de ensinar e de formar pessoas, num faz de contas desonesto e extremamente perigoso.
Eu sou ciente de que somente a educação poderá mudar esse país e por isso mesmo, nesses 35 anos de profissão, tenho tentado, dentro do possível, fazer a minha parte, mas praticamente só consegui ver o tempo passar e a situação educacional piorar, porque nada de progressivo aconteceu quanto à educação e ao ensino no cenário nacional nesses anos. A profissão de professor caminhou na contramão da história e se estabeleceu como uma profissão inferior, uma “sub-profissão”, que não precisa de boas condições de trabalho, nem de salário digno e muito menos de profissionais competentes.
Os políticos e administradores públicos, os alunos e principalmente os pais dos alunos tratam os professores como pessoas de segunda ou terceira classe, que vivem para servir aos interesses deles. Somos párias para as outras pessoas envolvidas no processo educacional e para grande parte da sociedade. Além disso, essas pessoas acham que temos de nos conformar com isso, haja vista que fomos nós mesmos quem escolhemos ser professores. Infelizmente, muitos de nós até parecem que acreditam que essas pessoas têm razão e trabalham para eleger políticos que dizem cotidianamente na nossa cara que somos indivíduos inferiores. E a maioria de nós efetivamente não faz nada. Absolutamente nada, para mudar essa situação. Apenas, continuamos na mesmice e se quer reclamamos. É preciso parar com esse negócio, é preciso restaurar o respeito aos professores como pessoas e à classe dos professores como profissionais.
O discurso pró-educação até melhorou nos últimos tempos, porém a prática educacional que se tem visto não condiz com o discurso, pois, do ponto de vista metodológico, ela é extremamente retrógrada, além de pouco atraente aos interesses maiores da educação e da formação dos indivíduos e cidadãos. Se não bastasse, a prática educacional não contém nada envolvente ao plano pessoal dos alunos e dos professores. Em suma, infelizmente estamos vivendo uma pedagogia do desinteresse generalizado pelo conhecimento, onde quanto menos aprendizado houver, melhor será o resultado. É a famosa “pedagogia do fingimento”, na qual o professor finge que ensina, o aluno finge que aprende, o sistema governamental finge que não vê e a sociedade finge que está tudo bem.
Os alunos de hoje, em sua grande maioria, não gostam da missão educacional da escola e têm uma visão deturpada desse tipo de fundamental de instituição social, que deveria estar cuidando de suas respectivas formações como indivíduos, como cidadãos e mesmo como futuros profissionais. A escola e infelizmente muitos professores, por sua vez, parecem estar aceitando e assumindo essa imagem errada produzida pelos alunos. O pior ainda é que as “práticas pedagógicas modernas” lamentavelmente acabam por reforçar essa idéia absurda e esdrúxula. A escola boa é aquela em que a educação e o ensino estão relegados a planos menores de importância. Hoje, o que é importante na escola é o bate papo, o lazer, o contato social e outras inúmeras futilidades irrelevantes ao processo educacional.
Meus colegas de profissão, nós estamos comemorando mais um dia 15 de outubro, mas eu pergunto: temos cumprido bem a nossa missão? Temos, pelo menos, trabalhado para tentar cumprir? Temos feito a nossa parte, na tentativa de mudar o quadro lamentável em que a educação nacional se encontra?
Penso que ainda há tempo para nos redimirmos e para assumirmos o nosso nível de importância e de destaque na sociedade brasileira, independente do que os outros pensam. Nós temos que lembrar que somos os sujeitos da profissão mais importante que existe, aquela que forma todas as outras. Precisamos lutar para demonstrar nossa importância e a importância de nossa missão, que é a educação das pessoas, independentemente do pensamento e da vontade dos governos, das famílias e principalmente da pressão negativa imposta pela mídia em geral.
Nossa profissão depende de nós e mais que isso, o Brasil depende de nós. Esse país só vai mudar de cara através da melhoria progressiva da educação e nós que somos os profissionais dessa área, temos que estar na vanguarda das lutas para fazer valer a nossa vontade de levar o Brasil numa efetiva posição de destaque entre as nações do mundo.
Quem não quiser lutar, que desista de ser professor, que deixe a sala de aula, que abra mão do prazer de ensinar e caia fora do magistério. Mas, quem ainda acredita na educação como forma única de melhorar a vida das pessoas e por isso ainda está ativo e atuante no magistério, com toda a responsabilidade que a função de professor necessita, deve continuar lutando. Quem ainda pensa que é verdadeira a máxima que diz: “sem educação não há solução”, deve trabalhar arduamente para mudar essa imagem lamentável que fizeram da escola e de nossa profissão e deve exigir que os demais segmentos, mormente os governos, as famílias e os grupos de mídia, passem a cumprir realmente suas respectivas partes no processo, para garantir a qualidade da educação e do ensino nacional.
Nesse país de safados e corruptos a imagem pública do professor como agente social contrário ao “status quo” estabelecido, deve ser preconizada e ressaltada e isso só será possível com muita luta. A luta em questão não deve ser apenas por salários, como lamentavelmente tem sido, mas é óbvio que tem que ser por salários também. Precisamos recuperar a nossa dignidade profissional, o nosso prestígio social e o nosso poder de compra comercial, pois como professores, nós estamos com essas características muito abaixo da crítica. É triste confessar, mas já faz muito tempo que viramos motivo de chacota para outros profissionais.
Meus companheiros, nesse dia 15 de outubro quero abraçar e parabenizar a todos. Entretanto, quero pedir para que pensem bem no que aqui está escrito e comecem a agir para fazer a mudança que tanto queremos e que o Brasil precisa. Não se vendam por valores estritamente econômicos ou por pura condição social, procurem investir em valores éticos que possam garantir a melhoria da sociedade e a mudança na cara das pessoas, pois isso levará certamente ao crescimento da educação e ao desenvolvimento sustentável do Brasil. A hora da virada é agora. Comecemos por nós mesmos e sejamos exemplo daquilo que queremos. O Brasil e as futuras gerações antecipadamente agradecem.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (55), Biólogo (Zoólogo), Professor de Ensino Superior, Médio e Técnico;
Vice-presidente da Academia Caçapavense de Letras (Cadeira 25);
Ex-Vereador e Ex-Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.