Trabalho docente como interação com o outro
A greve dos professores estaduais que se arrasta por meses não deixa de nos apontar algumas características próprias da profissão docente. Em tela destaco três questões que me parecem importantes, afinal estamos lidando com uma profissão de difícil manejo e conceituação. Em primeiro, destaco a questão da ação interativa do professor, em segundo a relação com o outro e, por último as relações entre os próprios professores.
Poucas profissões são tão interativas quanto a dos professores. Por natureza os docentes lidam com alunos, homens, mulheres, crianças, adolescente, jovens ou adultos. A relação é dialética, pois a existência do estudante está condicionada à existência de quem ensina. Logo, temos uma relação interativa na qual o outro faz parte do enredo da relação social que se desenvolve geralmente numa complexa “célula”, a sala de aula. A interação é, por vezes, tranquila, cheia de graça ou sofrida e tomada por conflitos. De todo modo ela é baseada na interação porque professores lidam com seres humanos, uma "matéria prima" especial, repleta de idiossincrasias, afetos, emoções, um cosmos não passível de mensuração. Como se vê, o “objeto” de trabalho do professor está longe de qualquer objeto de trabalho oriundo do processo fabril. Não é por acaso, que os docentes merecem e devem receber melhores salários.
O segundo ponto, associado ao primeiro, é a relação com o outro. Digo de um outro que, na maioria das vezes, é estranho, complexo, diferente e condicionado por princípios morais e religiosos capazes de causar mal-estar em uma simples aula. Basta para isso que a aula seja um pouco mais arrojada, cheia de interrogações, provocações e sofrimento que fazem girar a cabeça da gente. De qualquer modo este outro, em sala de aula, toma diferentes perfis, por vezes é totalitário, arrogante e impetuoso, outras vezes é curioso, inquieto e sedento de saber. A questão do outro é um problema antropológico que, na “célula” na qual o docente não deve ter o seu poder discricionário retirado, pode parecer ainda modificado em número e conteúdo. Estou falando, por exemplo, do número de alunos em sala de aula. O docente pode se deparar com 20 alunos em sala. Um número que considero ideal, mas a sensação de “quantidade/qualidade” deste outro pode ser de 80 ou mesmo 100. O contrário, mas bem mais difícil, pode acontecer. O fato é que este outro na presença de um igual tende a potencializar forças que antes não sabia que existia e em meio a tempos difíceis a lotação das aulas por pouco não termina em violência, indisciplina e desrespeito ao docente.
Por último, é forçoso pensar na categoria destes professores que hoje sofrem o fenômeno da proletarização e por consequência, da marginalização, do desrespeito, dos baixos salários e das más condições de trabalho. O leitor pode argumentar que o debate é sempre o mesmo e posso até concordar. Até porque a educação jamais foi uma política séria e assertiva neste país. Contudo, o que cumpre frisar é a pouca ou nenhuma ação coletiva e solidariedade entre docentes. A profissão foi tomada nos últimos anos por uma espécie de “vale tudo”, a ponto de um docente regozijar com a desgraça alheia. Se um professor anda recebendo ameaças, críticas ou mesmo está em conflitos com alguns alunos, pode esperar que o outro professor aproveite dessa situação. Pode até ser inconsciente, mas o mundo da vida tem mostrado professores doentes, cansados, amargurados, deprimidos e desistindo da profissão. E não creio que a traição e jogos de interesses nas instituições de ensino não têm contribuído para isso. É um desastre. É lamentável homens e mulheres nas mesmas condições de trabalho caírem na “autofagia docente” dando vida e alimentando o mal-estar, o caos e a crise que há tempos já vem tomando proporções inaceitáveis nesse país de miseráveis e carente de mais e mais educação.