A Importância de reinventar (-se).

Um professor só se faz na sala de aula. Não quero aqui diminuir a importância da formação acadêmica, pelo contrário quero elevar o valor dos estágios.

Por ser uma arte humana, que tem como principal foco, o individuo, o magistério, se faz no corpo a corpo ou como disse uma amiga com quem partilhei experiências na alfabetização:

- Uma pedagoga só se torna professora no front, no campo de batalha da sala de aula.

Não concordo muito com a alegoria, afinal a sala de aula não é nenhum campo de batalha, embora não deixe de ser um espaço onde somos em tudo testados: paciência, conhecimento, abertura para o novo, noção de liberdade, consciência política e até mesmo princípios religiosos.

Numa sala de aula são em média trinta contra um, literalmente. E a principal exigência a um professor regente é sua capacidade de articulação política.

Quando me refiro à política empreendo o seu valor aristotélico, caracterizado pela capacidade de se manter o equilíbrio coletivo sem a supressão dos valores individuais. Daí a importância de incorporarmos o termo regente de turma.

O professor-regente é aquele que procura o equilíbrio, descobrindo os talentos e demonstrando como aperfeiçoá-los. O que a principio já é uma tarefa árdua se torna ainda mais complexa quando nosso publico alvo são as crianças. Trocando em miúdos, somos os semeadores do amanhã, os propagadores dos valores e dos preconceitos com os quais o mundo terá que conviver. O triste é que poucos percebem a importância que têm dentro da sociedade e acabam por reproduzir as correntes que nos mantém relegados a imagem de profissionais de segunda classe.

A experiência de regência de turma é crucial para o entendimento do processo educativo, pois nos mostra que não somos mágicos, pelo contrário nos jogam à face todas as nossas limitações humanas. As crianças são verdadeiras e por mais que façamos da verdade nosso objeto de estudo acadêmico ela sempre nos chocará quando posta na mesa por uma criança. “Tio o senhor é feio, mas é engraçado.”,“Tio, eu gostava mais da Tia Daniela, ela explicava muito melhor que o senhor”

Diante da verdade temos geralmente duas atitudes, a primeira é negar. “São apenas crianças”. A segunda é reprimir. Tornamo-nos os donos da verdade, nem que para isto usemos todo nosso conhecimento acadêmico para tentar esconder que o rei esta nú.

Leva certo tempo até que a consciência aflore e nos mostre que as crianças são verdadeiras e que a dificuldade de ensiná-las recai sobre nossos ombros. É bem certo que muitos passarão toda a vida profissional procurando subterfúgios para não olhar para si mesmos. São os que vivem a reclamar, a culpar a família, a dizer que as crianças não estão atentas, que são indisciplinadas e que a grande culpa é do sistema; a estes, nossas sinceras condolências por serem mortos vivos.

Quando desenvolvemos a consciência crítica e passamos a enxergar a sala de aula como um grande laboratório onde a vida subverte boa parte de nossas noções intelectuais, descobrimos que ainda precisaremos atravessar três interessantes estágios para conseguir tornar-se regente. São ele: a confusão, a desconstrução e a reinvenção.

A confusão é o melhor indicador da presença de espírito inovador, isto aprendi com um amigo, Prof. Waldir, que muito colaborou descoberta de minha vocação ao magistério. O Waldir sempre falava do caos como principio gerador. Parece que ouço sua voz “ Paulo, no principio era o caos...No principio era o caos...”

De fato todo inicio de regência é o caos. Estamos diante do desconhecido. O que é dar uma boa aula? Pautar no planejamento? Como planejar se não conhecemos a equipe? Seguir as exigências dos parâmetros curriculares, mas quais são os saberes trazidos pelas crianças? Isto, sem esquecer, de nosso estado emocional em vibração com três dezenas de crianças que por sua vez trazem a sua gama individual de emoção.

O mais interessante deste estágio é nos depararmos com nossas mazelas pessoais. Descobrir que se tem antipatia, que não se tem paciência, que falta compaixão e que excede a tirania, ainda que pequena. No fundo este primeiro estágio é a descoberta de nós mesmos. Cada turma nova tem este sublime poder de nos fazer olhar para dentro de nós e irmos buscar o aperfeiçoamento pessoal.

Ao descobrir nossa humanidade espelhada nos olhos de nossos alunos, chegamos ao segundo estágio, o da desconstrução. Este é talvez o período de queimarmos os ídolos, abandonarmos os fetiches tradicionais da profissão. É o momento de deixar que os mortos enterrem os mortos. É uma fase muito semelhante ao outono europeu quando as folhas caem e as árvores parecem mortas, mas que na primavera ressurgem frondosas. E quando abandonamos as cartilhas e passamos a escrever nossa própria história tendo a realidade de nossos alunos como principal fonte de conhecimento. É se desfazer do ilusório poder e aprender a aprender com os alunos.

O importante desta fase é saber que todo furor iconoclasta tem como função preparar o terreno para o novo. É arrancar os telhados de nossos catedrais para ver a amplidão do céu. Não significa abandonar o mundo as pesquisas ou as propostas acadêmicas, mas olhá-las com os olhos livres, sem os nossos preconceitos pessoais, enfim é diluir-se no mar do conhecimento complexo.

Finalmente chegamos a fase da reinvenção. É quando finalmente nos tornamos regentes de fato, permitindo que o outro seja sem a nossa interferência direta. Este é o momento da humildade, quando nos identificamos com o vento que insufla as velas do navio, mas não tem poder sobre o timão. Damos toda a assistência necessária para que nossos alunos sigam o destino que escolherem tendo como base o respeito ao direito à vida de cada individuo.

E no ano seguinte todo o processo se renova com novos alunos, novas estórias, novos desafios e sobre tudo a descoberta de novos eus.

E VIVA A SALA DE AULA!

DEHOLAMBRA
Enviado por DEHOLAMBRA em 13/08/2011
Reeditado em 18/01/2014
Código do texto: T3158035
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