Dados de um Informativo Psicopedagógico Institucional
A ação do psicopedagogo na instituição escolar é uma tarefa extremamente delicada que requer aportes internos como sensibilidade, empoderamento e assertividade, além de uma escuta apurada nas entrelinhas, nos hiatos de gestos interrompidos, reticentes exclamações, afirmações acompanhadas pelo “quê” da ironia e a aparente disponibilidade que mascara o medo, a ansiedade, diante do que poderá ser dito, ser visto, ser tocado. Tamanha é a responsabilidade, pois dependendo da articulação do olhar quanto aos aspectos focados, e no que tange ao grau de relevância ou quando tomados como secundários em detrimento de outros, podem possivelmente sabotar qualquer investigação; sabotagem que também pode se apresentar em padrões subjetivos refletidos na sedução, na preguiça, na impotência, na ansiedade diante do constatado e que mediante as matrizes cognitivas revelam para uma modelagem de saber atávico e sem ressonância para o crescimento individual e grupal.
Após a exposição dos motivos da instituição de ensino, ESCOLA MUNICIPAL X*, sobre a indisciplina, agressividade e o baixo rendimento escolar dos alunos da turma do 6º ano C, do Ensino Fundamental II. Foi desenvolvido Diagnóstico Psicopedagógico Institucional com a intenção de identificar os fenômenos que provocam o aparecimento dos referidos sintomas. É importante ressaltar que essa investigação implica na verificabilidade do sintoma diante da queixa apresentada pela escola e a análise é caracterizada quanto aos aspectos cognitivos, afetivos, sociais e culturais. Para a consecução do diagnóstico foram utilizados os seguintes recursos avaliativos:
- Visitas para o reconhecimento da Instituição;
- Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA);
- Observações de algumas aulas: Educação Artística, Matemática, História e Português;
- Entrevistas com os alunos e professores (amostra);
- Parelha Educativa com os alunos (amostra);
- Técnicas de dinamização em grupo com a turma em estudo;
- Observação do recreio;
- Entrevista com a coordenação;
- Levantamento estatístico do rendimento dos alunos;
- Pesquisa da história da instituição com a direção escolar.
Após a análise dos resultados obtidos durante o período de investigação foi possível identificar que o comportamento dos alunos em questão, está relacionado aos fatores ligados à especificidade da faixa etária, que tem interesses distanciados dos valores adotados pela Instituição. Além dos aspectos ligados às precárias condições físicas da escola, quanto às características da prática pedagógica e ao trabalho em sala de aula.
Os aspectos relacionados à idade dizem respeito ao interesse pela sexualidade e a necessidade de dar significado a essas descobertas, que ao não encontrar meios de expressão adequada, acabam sendo extravasadas nos arroubos de intolerância, insubordinação, ironia e agressividade gratuita. Diante das alterações fisiológicas, oscilações hormonais e psicoemocionais, os alunos parecem não encontrar formas de ressignificar as pulsões sendo suprimidas e tratadas pela escola superficialmente ou mesmo pré-concebidas e moralistas.
Contudo, são visíveis os anseios de prazer e inovação, próprios do momento especial que estão vivendo, no que diz respeito às atividades desenvolvidas pela equipe docente e ao trabalho que poderia ser oferecido pela instituição. Essa busca pelo prazer pode está associado à condição cognitiva dos educandos que apresentam uma característica importante na forma como utilizam a linguagem, sinalizando para um canal de comunicação que reverbera no vazio produzindo ineficácia e inquietação; elemento que reflete um traço marcante da dificuldade de comunicação existente entre os envolvidos na ação educativa da instituição.
Constata-se também o desconhecimento de conteúdos escolares imprescindíveis na aprendizagem sistemática do grupo, com limitações quanto aos processos operatórios, envolvendo a atenção, a percepção, as antecipações, a conceituação e interpretação de fatos, na associação idéias e no que tange aos usos sociais da escrita, leitura e oralidade.
O diagnóstico apontou para dificuldades do grupo em se filiar e dar início aos trabalhos solicitados, que ao serem realizados rapidamente revelam para uma postura indiscriminada com o objeto do conhecimento, sendo perceptível a adoção de um vínculo inadequado com a aprendizagem. Esses vínculos ora se misturam, ora se dissociam em forças positivas e negativas e nesse gasto energético a dinâmica de aprendizagem desenvolvida acaba por gerar culpa, competição, inadequação e ressentimentos provocando inúmeros comportamentos de defesa. A comunicação queixosa e depreciativa do grupo indica para a falta de consciência e credibilidade nos seus potenciais, revelando sentimentos de menos valia e baixa auto-estima que também se configura na postura dos professores.
A falta de um ambiente com estrutura adequada às demandas do grupo vem contribuindo para as distorções da aprendizagem na instituição além do insucesso dos alunos nesse aspecto. A sistematização do trabalho do professor que tem um estilo de ensinagem voltado para atendimento das demandas do aluno padrão, impede um resultado eficaz junto àquele que ao ser considerado diferente acaba sendo rotulado.
A dinâmica institucional sinaliza para uma dificuldade que Pichon-Rivière chamou de enquadramento: são constantes firmadas que dão suporte para uma sistematização sustentando o planejado, os combinados e dando condições para o aprendizado. No geral, foram verificadas algumas falhas no enquadramento por parte da instituição, sendo ampliadas pela falta de comprometimento, individualismo, ironia e algum nível de competição. Aspectos esses que são revelados, inclusive, na dinâmica de inter-relacionamento dos alunos e nas relações interpessoais junto aos docentes. Enquadrar significa criar referências, deixar claro os objetivos, períodos, regras, normas numa dinâmica ativa e reflexiva a fim de que todos se sintam pertencendo ao grupo, capazes para uma reavaliação e cooperando na sua produtividade.
Outro dado revelado se refere à inter-relação dos papéis assumidos pela instituição que tem sido regida pela lei de suplementaridade, ou seja, ‘se caracteriza por um fazer pelo outro’ que não permite a participação de todos forçando que uma pessoa assuma as situações penosas e de trabalho. No caso analisado, a coordenação pedagógica, um e outro professor acabam por assumir essa extenuante empreitada a fim de que todos envolvidos na aprendizagem institucional possam caminhar.
Além disso, transita no imaginário da instituição a concepção de que o aluno de escola pública é desinteressado e oferece menos de si por não utilizar recursos próprios para os estudos e sendo assim, não lhe dar a devida importância. Existe ainda a dicotomia de que o conhecimento produzido pela escola não é imprescindível para a sobrevivência material do indivíduo ao mesmo tempo em que esse conhecimento deve ser exigido para dar condições ao aluno “ser alguém na vida”.
A previsão dos resultados da investigação realizada no grupo não oferece caminhos simples e nem de curto prazo, pois existe uma grande dificuldade nos processos de comunicação que precisam ser percebidos e assumidos dentro da escola. Além disso, para que se processe a mudança é necessário mecanismos de ação efetivos por parte da instância gestora e técnico-administrativa e não somente de uma reedição quanto à sistematização da aprendizagem e conscientização diante das posturas até então assumidas pela equipe pedagógica e/ou pelo grupo de alunos.
É importante salientar para a visão fragmentada do processo educativo que impede à instituição se perceber como um organismo vivo e interativo quanto aos obstáculos e dificuldades dos seus alunos. O desenvolvimento de um trabalho que favoreça a execução de projetos a partir das necessidades do grupo, menos centralizado no livro didático poderá ser o ponto inicial de ressignificação da aprendizagem dos sujeitos participantes desse universo. Diante do sintoma observado se faz necessário uma intervenção psicopedagógica que:
• Promova a discussão da ação pedagógica e da atuação profissional considerando uma prática de educação que supere a visão fragmentada do processo de aprendizagem e impulsione os movimentos de atividade, autonomia, liberdade e criatividade dentro da instituição;
• Atualização das práticas de sala aula que favoreça a realização de um trabalho desenvolvido dentro de um ‘contexto’ e não a partir de ‘pretexto’; considerando dessa forma, uma metodologia que favoreça os pressupostos da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade;
• Viabilizar um trabalho objetivando a superação das dificuldades partindo do conhecimento da modalidade de aprendizagem intergrupal;
• Criação de um espaço de escuta que viabilize a auto-expressão do grupo quanto às idéias, conceituações, anseios e inseguranças, relacionadas às transformações do corpo, percepção de sentimentos e emoções ligadas ao desenvolvimento da sexualidade.
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Seilla Regina Fernandes de Carvalho – Pedagoga (UNEB-BA), Psicopedagoga Clínica e Institucional (FAP-PR), com Formação na Docência do Ensino Superior, Mediadora em Cursos de Aperfeiçoamento e Formação Continuada dos Profissionais de Educação; Orientadora em Projetos de Educação Sexual de Crianças e Adolescentes; Consultora Educacional e Co-autora, com João Beauclair, do livro “Sinergia: Aprender e Ensinar na Magia da Vida” (no prelo).
(*) Por motivos éticos o nome da escola foi ocultado.