O MICRO-UNIVERSO DA SALA DE AULA: Espaço de interações múltiplas
Pretendemos, no presente artigo, discutir a dinâmica institucional e existencial da sala de aula, considerando que, em função das tradições sociais de nossa cultura, muitas pessoas passam grande parte de sua vida envolvidas com a aquisição da cultura da sala de aula e na escola. Mais que isso, toda ação desenvolve-se num tempo que cria um espaço o qual abriga os seres capazes de agir.
O que nos leva ao espaço da sala de aula é justamente a ação destes seres: professor e alunos no momento de construção do saber sistematizado, por muitos e portanto, político.
Se perguntássemos: “Sala de aula, que espaço é esse?” com certeza, ainda que pudéssemos ser originais nas respostas, não seríamos os primeiros a levantar esta questão. No entanto, mais uma vez, movemo-nos de coragem e ousadia para abrir esta discussão, compreendendo a sala de aula não somente como um espaço geográfico, uma configuração física e uma relação meramente institucional.
Desse modo, queremos destacar toda uma geografia de interações, ou seja, a sala de aula é o espaço onde se encontra diariamente uma multiplicidade de saberes e de viveres com um objetivo definido, mesmo que inconsciente, de variados significados que incorporam descobertas e contradições, situações que se ampliam e atingem dimensões inusitadas, indo de um extremo a outro de nossas possibilidades existenciais e culturais, das representações de sentido pessoal ao exercício de poder.
Assim, nesta direção e deixando claro que não pretendemos nesta pesquisa, encontrar respostas prontas para estas preocupações, levantamos as seguintes questões: “Lugar do jogo do saber”. Seria a sala de aula o local de embate entre tramas políticas de múltiplos viveres? Quais seriam os contornos desta conceituação de poder e “política” na sala de aula? De que forma, ou com quais interesses cada educador vem se posicionando ao desempenhar seu papel de “dono do capital intelectual” nas suas relações na sala de aula? Que tradição de representação institucional continua determinando a personificação de autoridade onipotente na figura do professor, de modo a descurar das possibilidades de contraposições e propostas de alunos e educandos na relação pedagógica?
São questões que nos envolvem e perturbam, pois intentamos encontrar o cerne destas representações, de modo a compreender seus processos e, apresentar possibilidades eficientes de novas formas de organização do trabalho didático para que este espaço seja da multidiversidade de vivências e interesses entre alunos e educadores. Neste mesmo sentido questionamos:
Qual seria a abrangência da sala de aula, para que a mesma exerça influência na formação da nossa sociedade? Que relação haveria entre a dinâmica da sala de aula e os códigos de poder e resistência da sociedade em que vivemos? Como encontrar os pontos de relevância que interligam estes campos e os contrapõem de maneira dialética e integradora? São questões que nos envolvem e angustiam ao mesmo tempo, posto que não temos a compreensão de que seja possível conceber a sala de aula como separada da dinâmica de poder da sociedade, nem todavia queremos afirmar que haja um determinismo sociológico que venha a desconhecer a especificidade da relação institucional escolar. Segundo Sanfelice:
Decorrência de determinações histórico-sociais, as sociedades produziram a Instituição Escolar, organizada com suas pequenas células – sala de aula –, para que ali se satisfizessem necessidades e interesses objetivos sentidos pelos homens, ou parcela deles, resolveram um desafio prático: garantir o ensino – aprendizagem, a educação, em um universo cultural cada vez mais complexo e próprio de cada sociedade, uma vez perdida, historicamente, as condições da educação meramente difusa, informal ou não informal. (SANFELICE, 1994, p.94)
É precisamente por essa ótica que entendemos a questão da sala de aula.
Com a configuração institucional da Escola, desde suas origens históricas iniciam-se oficialmente encontros de pessoas com objetivos formais de aquisição de conhecimentos, em locais especiais, com planejamentos, previamente estabelecidos e reconhecidos dentro de parâmetros legais. As sociedades ocidentais tiveram na escola uma matriz estrutural de produção e manutenção de suas vivências culturais e papéis políticos.
Ainda hoje, na dinâmica da sociedade brasileira, a Educação Infantil é a entrada no campo da escolarização social.
Sabemos que o dia tão esperado pelos pais e pelas crianças acontece, dando-se então, o início de talvez uma seqüência de encontros, que para alguns dura pequena parte da vida. Porém, para outros, mesmo que constituam uma minoria, dura praticamente a vida inteira. As sociedades capitalistas mais complexas são sociedades essencialmente escolarizadas.
E a sala de aula torna-se o cenário oficial onde nos encontramos com o outro, em condição de busca independentemente da posição de educador ou educando.
Neste espaço, sonhamos com uma vida melhor, com um futuro promissor e, particularmente, com a busca de uma profissão digna e melhores condições capitalista, aumenta cada vez mais a necessidade de acesso à cultura formal codificado e a necessidade de aquisição de conhecimentos direcionados ao saber profissional.
Sabemos, também, que a necessidade de sobrevivência e o desejo de uma vida mais digna acabam levando as pessoas a procurarem qualificação necessária para um possível engajamento no mercado, e, para isto, procuram nas escolas a aquisição de uma força de trabalho especializada, capaz de garanti-las naquela condição.
Neste encontro de expectativas entre o aluno em condição de busca de um saber utilitarista e o professor, em condição de garantir a sua sobrevivência e a sua autoridade de profissional na educação, por meio do seu saber (o qual nem sempre é trabalhado por meio de conceitos que transcendam o utilitarismo almejado pelo aluno), é que perpassam as sutilezas dos jogos de interesses das personagens que envolvem tais relações.
É neste movimento que a sala de aula se torna o palco de acontecimentos determinantes na formação e reprodução dos códigos de valores da nossa sociedade.
É no fazer pedagógico, nas relações contraditórias e nas inter-relações com o todo social contraditório, que a escola produz e reproduz a estrutura simbólica de nossa teia social.
Se, de um lado, o espaço institucional da escola foi tradicionalmente o lugar da reprodução de códigos de poder e de inculcação das mentalidades e equipamentos de interação ao corpo social, acreditamos também na possibilidade do contrário. Dialeticamente pensando, no sentido de vislumbrar a possibilidade histórica de ser a sala de aula o espaço em que professores e alunos encontram possibilidades de vibrar em interação com base em conflitos e em contradições constantes, formando cidadãos fortes capazes de transformar o curso da vida; construindo sujeitos e agentes sociais, sociedade mais justa que identificamos em seu longo processo de construção.
Neste movimento constante, as relações sócio-educacionais na sala de aula acontecem, trazendo em si a presença das relações estabelecidas em situações concretas de suas histórias, no decorrer de suas vidas, pois sabemos que os sujeitos destas relações são formados no mundo, e com o mundo, e não são nada mais que o resultado da interação entre estes indivíduos e seu meio social.
Compreendemos que no universo sala de aula, professores e alunos são personagens-alvo de construção de uma sociedade.
O professor, exercendo o seu papel de profissional da educação, não deixa de ser uma pessoa com sua individualidade plena, idiossincrática, que entendemos ser formada por reflexos, do seu meio e construída gradativamente em relação dialética, como resultado da apropriação de saberes vivenciados em seu cotidiano.
E toda a apropriação adquirida neste processo, seja ela objetiva ou subjetiva, torna-se determinante em seu modo de estar no mundo na qualidade de professor. Este professor é, antes de tudo, uma pessoa, subjacente ao profissional da educação, que carrega uma história e assume sua função social mediante um compromisso político, que nem sempre aparece explícito em suas ações.
Tais compromissos, muitas vezes não são desejados pelos alunos, nem são conscientes por parte do próprio professor.
O aluno encontra-se cheio de expectativas em relação ao professor, e, levando-se em conta que ele também é sujeito de uma história própria, um microcosmos de vivências, uma subjetividade historicamente construída e em vigor, os dois agentes da educação encontram-se e embrenham-se numa prática do processo pedagógico, juntamente com conteúdos de ensino, metodologias adotadas, com um alcance muito maior do que nossa representação institucional pode supor. Estes agentes vivenciam o processo sócio-educacional da sala de aula, transmitindo uma ideologia que definirá a sociedade, perpassando valores de forma implícita e explícita e nem sempre de forma decisiva mas quase sempre de forma eficiente, independente do fator eficiente, para quem? E para que?
Vale dizer, também, que estes agentes como personalidades sociais, por meio da influência das relações protocolares, nesta troca de valores, constroem-se gradativamente, por meio das relações sócio-educacionais formais que acontecem na sala de aula, e levando em conta que estas influenciam de maneira determinante no processo de formação das pessoas, e que nos referimos à Língua Portuguesa como disciplina marcante no processo de formação de um cidadão qualificado para o aprendizado permanente e para o exercício da cidadania.
O ensino da Língua Portuguesa torna-se aqui o instrumento básico para que o aluno amplie sua capacidade de usar a fala de forma competente, escolhendo as palavras certas para cada tipo de discurso.
O português, para o aluno que já entra na escola com certa habilidade para a linguagem oral, é o veículo de todos os conhecimentos que a escola proporciona: fala-se e lê-se o português ao discutir sobre matemática, ciências, história, química, física ou geografia. Tudo reporta à Língua Portuguesa, tornando-se assim, uma educação permanente.
O treinamento em português culto falado é adquirido no dia-a-dia da escola, no contato com os diretores, professores, supervisores, orientadores, funcionários e nas situações de sala de aula em que se requer uma modalidade de língua mais formal, como nos casos dos debates, exposições, seminários, argüições, etc., que se realizam em qualquer disciplina (...) (ROCHA, 2002, p.49)
A aula de Língua Portuguesa configura a possibilidade de conceber competências lingüísticas no sentido de inserir o aluno num contexto globalizador e globalizante produzido, principalmente, pela mídia e de valorizar um variedade lingüística que reflita as diferenças regionais.
Desse modo, desenvolva nos alunos o espírito crítico, imprescindível para que possam discernir entre linguagem boa e má, falada ou escrita. Urge acabar com a figura do professor como “aquele que sabe” e do aluno como “aquele que não sabe”, partindo para um trabalho de crescimento em conjunto, de pesquisas e descobertas de ambos os lados...
Márcia Maria Mares Figueiredo