Por que aluno escreve tão mal? 5


Bagno afirma existirem mitos sobre a língua portuguesa falada no Brasil que precisam ser investigados mais seriamente, antes de se considerar o certo e o errado no ensino da língua. Lançando mão de assertivas críticas sobre os gramáticos tradicionais, considera-os um grupo elitista a impor suas regras da língua como definitivas, não deixando abertura às reflexões sobre os fatores que influenciam os casos de mudança na língua e a aprendizagem deficiente desta.

Essa postura dos gramáticos, para Bagno, causa um preconceito contra o cidadão que, por condições diversas, não apreendeu essas regras. Em “Preconceito lingüístico: o que é, como se faz” (2004), o autor enumera oito mitos geradores de preconceitos linguísticos a respeito dos quais "[...] é preciso que cada professor de língua assuma uma posição de cientista e investigador, de produtor de seu próprio conhecimento lingüístico teórico e prático, e abandone a velha atitude repetidora e reprodutora de uma doutrina gramatical e incoerente" (BAGNO, 2004).

Dos mitos de Bagno, cita-se aqui o sétimo, “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”, sobre o qual o autor afirma:

“É difícil encontrar alguém que não concorde com a declaração acima. Ela vive na ponta da língua da grande maioria dos professores de português e está formulada em muitos compêndios gramaticais [...]
Por que aquela declaração é um mito? Porque, como nos diz Mário Perini em Sofrendo a gramática (p. 50), “não existe um grão de evidência em favor disso; toda evidência disponível é em contrário”. Afinal, se fosse assim, todos os gramáticos seriam grandes escritores (o que está longe de ser verdade), e os bons escritores seriam especialistas em gramática” (BAGNO, 2004, p.62).


O enunciado da última frase da citação pode ser elucidado em forma de pergunta: quantos gramáticos já escreveram um romance e quantos grandes escritores já publicaram um livro sobre a gramática? O livro “A língua de Eulália” (BAGNO, 2005) também exemplifica de modo extenso o mito número 4 do preconceito linguístico: “as pessoas sem instrução falam tudo errado” (BAGNO, 2004, p. 40). Para explicar esta afirmação como um mito, Bagno recorre ao que chama de fenômeno fonético ocorrido ao longo da evolução da língua portuguesa padrão, como aconteceu com as palavras “brando”, “cravo” e “obrigar”, dos originais em latim “blandu”, “clavu” e “obligare”. Bagno lista outras nove palavras que sofreram o fenômeno fonético na letra “l”e afirma:


“Como é fácil notar, todas as palavras do português-padrão listadas acima tinham, na sua origem, um L bem nítido que se transformou em R. E agora? Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem Cráudia, chicrete e pranta têm algum “defeito” ou “atraso mental”, seríamos forçados a admitir que toda a população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo problema [...]. E que o grande Luís de Camões também sofria desse mesmo mal, já que escreveu ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que é considerada até hoje o maior monumento literário do português clássico, o poema Os Lusíadas. E isso, é “craro”, seria no mínimo absurdo” (BAGNO, 2004, p. 41).


Com essas explicações pode-se perceber que tanto a língua falada como escrita estão em constante transformação, e que o conceito de norma-padrão depende muito das épocas e circunstâncias em que tais normas são aplicadas. Por conseguinte, tanto o ensino quanto a norma-padrão da gramática não estão isentos de discussões sobre seus ajustes à realidade do seu momento, o que implicaria em muitos cânones da gramática se submeterem a revisões para sua contextualização a cada etapa histórico-cultural, ou até mesmo a um completo desuso.


(continua)