Por que auno escreve tão mal? 4
Mitos da gramática
Na busca de uma norma culta revisada, Marcos Bagno defende a urgente discussão de uma mudança. Tal discussão diz respeito aos mitos que envolvem a linguística e que se tornaram fator de discriminação entre os que “conhecem a norma culta” e os que “não conhecem”.
Essa visão do autor sobre o domínio da gramática tradicional tem gerado polêmica. Para Bagno, as dificuldades não estão apenas no ensino ou na aprendizagem. Antes de tudo, os conceitos vigentes da gramática carecem de uma revisão urgente. O linguista afirma no discurso “Preconceito contra a lingüística e os lingüistas”:
"A gramática tradicional, funcionando como uma ideologia lingüística, foi e ainda é, como toda ideologia, o lugar das certezas, uma doutrina sólida e compacta, com resposta única e correta para todas as dúvidas. Por isso, o que não está na gramática é "erro" ou simplesmente "não é português"! A Lingüística moderna, ao encarar a língua como um objeto passível de ser analisado e interpretado segundo métodos e critérios semelhantes aos das ciências naturais, devolveu à língua seu lugar de fato social, abalando as noções antigas que viam a língua como um valor ideológico. Assim, a Lingüística, como toda ciência, é o lugar das surpresas, das descobertas, do novo.
Ora, o novo assusta, o novo subverte as certezas, compromete as estruturas de poder e dominação há muito vigentes. Não é por acaso que, mesmo entre profissionais que deveriam ter a Lingüística como seu corpo teórico e prático de referência, a doutrina gramatical tradicional ainda encontre muito apoio e defesa" (BAGNO, 2001).
O autor não se considera um defensor do “vale-tudo” (expressão do próprio) na língua portuguesa falada no Brasil. Para o linguista, “não se trata de negar a existência das formas padronizadas tradicionais, mas de descrevê-las com honestidade, mostrando sua obsolescência e o lugar restrito que cabe a elas na língua, enquanto não desaparecem de vez...” (BAGNO, 2003, p. 176). Bagno é incisivo ao afirmar que “o ensino da gramática [...] não acompanha os progressos da ciência da linguagem” (2003, p. 66). Para exemplificar essa afirmação, ele comenta:
“Qualquer pessoa bem informada acharia no mínimo estranho [...] se um professor de Ciências dissesse que a Terra é plana e o Sol gira em torno dela, ou ainda se um professor de Química afirmasse que a mistura dos "quatro elementos" (ar, água, terra e fogo) pode resultar em ouro! São ideias mais do que ultrapassadas e que começaram a ser substituídas por novas concepções mais verossímeis a partir do período da história do conhecimento ocidental conhecido como o nascimento da ciência moderna (século XVI em diante). Ninguém se espanta, porém, quando um professor de língua ensina que os substantivos são "palavras que representam os seres em geral", ou que sujeito é "o ser do qual se diz alguma coisa", ou que pronome é "a palavra que substitui o nome". São afirmações tão imprecisas e incoerentes (para não dizer francamente falsas) quanto a de que as avestruzes enterram a cabeça na areia ou que apontar para as estrelas faz nascer verruga nos dedos! E no entanto elas continuam sendo estampadas nos manuais de gramática, nos livros didáticos, nas apostilas, e cobradas em testes, exames e provas de vestibular!” (BAGNO, 2001).
De acordo com a citação, as mudanças no ensino requerem antes a necessidade urgente de revisões históricas nos conceitos dos elementos da gramática. Essas revisões implicam averiguar o que é normativo no português e o que caiu em desuso, pois, segundo o autor, muitas normas consideradas “cultas” no Brasil ainda se atêm a uma ortodoxia da língua que não admite olhares científicos para verificação de possíveis ajustes ao contexto atual.
O linguista fala, por exemplo sobre a crase histórica, um fenômeno que aconteceu no passado, mas que continua acontecendo hoje, como no caso de alcoólico e caatinga, pronunciados “alcólico” e “catinga” (2003, p. 68). No entanto, o ensino da crase limita-se ao caso da contração da preposição ‘a’ com o artigo ‘a’, como se este fosse o único exemplo existente. Uma iniciativa de se ensinar esse conceito poderia causar uma revolução no ensino da crase, e do acento grave.
(Continua)
Mitos da gramática
Na busca de uma norma culta revisada, Marcos Bagno defende a urgente discussão de uma mudança. Tal discussão diz respeito aos mitos que envolvem a linguística e que se tornaram fator de discriminação entre os que “conhecem a norma culta” e os que “não conhecem”.
Essa visão do autor sobre o domínio da gramática tradicional tem gerado polêmica. Para Bagno, as dificuldades não estão apenas no ensino ou na aprendizagem. Antes de tudo, os conceitos vigentes da gramática carecem de uma revisão urgente. O linguista afirma no discurso “Preconceito contra a lingüística e os lingüistas”:
"A gramática tradicional, funcionando como uma ideologia lingüística, foi e ainda é, como toda ideologia, o lugar das certezas, uma doutrina sólida e compacta, com resposta única e correta para todas as dúvidas. Por isso, o que não está na gramática é "erro" ou simplesmente "não é português"! A Lingüística moderna, ao encarar a língua como um objeto passível de ser analisado e interpretado segundo métodos e critérios semelhantes aos das ciências naturais, devolveu à língua seu lugar de fato social, abalando as noções antigas que viam a língua como um valor ideológico. Assim, a Lingüística, como toda ciência, é o lugar das surpresas, das descobertas, do novo.
Ora, o novo assusta, o novo subverte as certezas, compromete as estruturas de poder e dominação há muito vigentes. Não é por acaso que, mesmo entre profissionais que deveriam ter a Lingüística como seu corpo teórico e prático de referência, a doutrina gramatical tradicional ainda encontre muito apoio e defesa" (BAGNO, 2001).
O autor não se considera um defensor do “vale-tudo” (expressão do próprio) na língua portuguesa falada no Brasil. Para o linguista, “não se trata de negar a existência das formas padronizadas tradicionais, mas de descrevê-las com honestidade, mostrando sua obsolescência e o lugar restrito que cabe a elas na língua, enquanto não desaparecem de vez...” (BAGNO, 2003, p. 176). Bagno é incisivo ao afirmar que “o ensino da gramática [...] não acompanha os progressos da ciência da linguagem” (2003, p. 66). Para exemplificar essa afirmação, ele comenta:
“Qualquer pessoa bem informada acharia no mínimo estranho [...] se um professor de Ciências dissesse que a Terra é plana e o Sol gira em torno dela, ou ainda se um professor de Química afirmasse que a mistura dos "quatro elementos" (ar, água, terra e fogo) pode resultar em ouro! São ideias mais do que ultrapassadas e que começaram a ser substituídas por novas concepções mais verossímeis a partir do período da história do conhecimento ocidental conhecido como o nascimento da ciência moderna (século XVI em diante). Ninguém se espanta, porém, quando um professor de língua ensina que os substantivos são "palavras que representam os seres em geral", ou que sujeito é "o ser do qual se diz alguma coisa", ou que pronome é "a palavra que substitui o nome". São afirmações tão imprecisas e incoerentes (para não dizer francamente falsas) quanto a de que as avestruzes enterram a cabeça na areia ou que apontar para as estrelas faz nascer verruga nos dedos! E no entanto elas continuam sendo estampadas nos manuais de gramática, nos livros didáticos, nas apostilas, e cobradas em testes, exames e provas de vestibular!” (BAGNO, 2001).
De acordo com a citação, as mudanças no ensino requerem antes a necessidade urgente de revisões históricas nos conceitos dos elementos da gramática. Essas revisões implicam averiguar o que é normativo no português e o que caiu em desuso, pois, segundo o autor, muitas normas consideradas “cultas” no Brasil ainda se atêm a uma ortodoxia da língua que não admite olhares científicos para verificação de possíveis ajustes ao contexto atual.
O linguista fala, por exemplo sobre a crase histórica, um fenômeno que aconteceu no passado, mas que continua acontecendo hoje, como no caso de alcoólico e caatinga, pronunciados “alcólico” e “catinga” (2003, p. 68). No entanto, o ensino da crase limita-se ao caso da contração da preposição ‘a’ com o artigo ‘a’, como se este fosse o único exemplo existente. Uma iniciativa de se ensinar esse conceito poderia causar uma revolução no ensino da crase, e do acento grave.
(Continua)