LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO
Linguagem e comunicação
A linguagem é um mecanismo indispensável à vida humana; da vida que, como a nossa, é plasmada, orientada, enriquecida e tornada possível graças ao acúmulo de experiências passadas dos membros da própria espécie. Os animais não acrescentaram em nada o seu cabedal de conhecimento, sabedoria e domínio do ambiente, de uma geração a outra. Mas os seres humanos, sim.
Desde o grito de alarme do homem primitivo até hoje, a linguagem é um fenômeno social, e a cooperação cultural e intelectual constitui o grande princípio da vida humana. Qualquer atividade comercial organizada constitui um ato complexo de cooperação, para o qual cada trabalhador individual contribui com seu quinhão. Toda conjugação de esforços, só é conseguida mediante a linguagem falada ou escrita.
A linguagem existe porque se uniu um pensamento a uma forma de expressão, um significado a um significante, como dizem os lingüistas. Essa unidade de dupla face é o signo lingüístico. Ele está presente na fala, na escrita e na leitura como princípio da própria linguagem, mas se atualiza em cada um desses casos de maneira diferente. Essa procura das relações entre significado e significante é em outras palavras saber como uma língua funciona e quais os usos que tem. E isso não é tarefa fácil nem simples. SAUSSURE (1931) se refere à linguagem como organização pronta “para falar”, defende-a como a faculdade comum a todos os homens e como sendo a soma das falas e das regras da linguagem.
A linguagem permeia o conhecimento e as formas de conhecer, o pensamento e as formas de pensar, a comunicação e os modos de comunicar. Ela é produto cultural, nascida por força das práticas sociais, a linguagem é humana e a fala como mediadora entre as relações humanas gera sistemas de linguagens, sentidos humanos que se expressam, se concretizam e proliferam em múltiplos espaços simultâneos de forma relacional.
GERALDI apresenta três concepções de linguagem, que são:
a) Linguagem é expressão do pensamento; esta concepção ilumina, basicamente, os estudos tradicionais. Se concebermos a linguagem como tal, somos levados a afirmações – correntes – de que pessoas que não conseguem se expressar não pensam. b) A linguagem é instrumento de comunicação; esta concepção está ligada à teoria da comunicação e vê a língua como código (conjunto de signos que se combinam segundo regras) capaz de transmitir ao receptor uma mensagem. c) A linguagem é uma forma de interação: mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a um receptor, a linguagem é vista como um lugar de interação humana: através dela o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria praticar a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam antes da fala. (GERALDI, 1984, p.43)
Em razão das concepções acima, vale considerar que as crianças mostram uma habilidade surpreendente para falar com fluência qualquer língua constantemente usada ao seu redor. Toda criança normal que não seja isolada do uso da linguagem começa logo a falar uma língua, portanto, a aquisição da língua vernácula pela criança independe de qualquer orientação especial. Os pais podem gastar horas “reforçando” toda parcela de atividade verbal reconhecível de seus filhos com um sorriso ou outra recompensa, ou tentando por meio da linguagem infantil, transpor a distância entre sua competência lingüística amadurecida e a competência incipiente da criança. Mas não há razão especial para crer-se que tal atividade tenha qualquer conexão com o êxito final da criança ao tornar-se falante nativo da língua de seus pais. As crianças podem aprender uma língua brincando com outras crianças que falam o melhor que podem, apesar de todos os esforços concentrados de pais extremosos. A única coisa aparentemente necessária é ficar suficientemente exposto à língua em questão. Segundo GAGLIARI:
Qualquer criança que ingressa na escola aprendeu a falar e a entender a linguagem sem necessitar de treinamentos específicos ou de prontidão para isso. Ninguém precisou arranjar a linguagem em ordem de dificuldades crescentes para facilitar o aprendizado da criança. Ninguém disse que ela devia fazer exercícios de discriminação auditiva para aprender a reconhecer a fala ou para falar. Ela simplesmente se encontrou no meio de pessoas que falavam e aprendeu. (CAGLIARI, 2000, p.17)
Esta capacidade de aquisição da linguagem é notável por várias razões. Em primeiro lugar, por sua universidade em toda a raça humana. Simplesmente não há casos de crianças normais que, tendo tido a oportunidade, não tenham adquirido um língua nativa.
De acordo com Cagliari (2000, p.18) “quando se diz que a criança já é um falante nativo de uma língua, significa que ela dispõe de um vocabulário e de regras gramaticais.”
Desse modo, acreditamos que para a comunicação estabelecer-se é necessário um código comum em termos mais gerais, é preciso “falar a mesma língua”; o português por exemplo, que é a nossa língua. Mas, trata-se de uma língua portuguesa ou de várias línguas portuguesas? O português da Bahia, é o mesmo português do Rio Grande do Sul? Não está cada um deles sujeito a influências diferentes – lingüísticas, climáticas, ambientais? O português de um médico é igual ao do seu cliente? O ambiente social e o cultural não determinam a língua? Estas questões levam a construção e a constatação de que existem vários níveis de linguagem. O vocabulário, a sintaxe e mesmo a pronúncia variam segundo esses níveis.
Essas informações distintas são um pouco fluídas, uma vez que se estabelecem segundo critérios heterogêneos. A distinção linguagem popular / linguagem cuidada, por exemplo, apóia-se num critério sócio-cultural, ao passo que a distinção linguagem informal / linguagem oratória se apóia sobretudo numa diferença de situação (o mesmo indivíduo não empregará a mesma linguagem ao fazer um discurso e ao conversar com os amigos num bar).
Na expressão oral, as incorreções gramaticais são geralmente função de restrições materiais: dificilmente poderá um comentarista esportivo manter uma linguagem cuidada ao descrever e comentar uma partida ao vivo.
De modo geral, a linguagem cuidada emprega um vocabulário mais preciso, mais raro e uma sintaxe mais elaborada que a da linguagem comum. A linguagem oratória cultiva os efeitos sintáticos, rítmicos e sonoros e utiliza imagens.
A linguagem popular e familiar recorrem às expressões pitorescas, à gíria e muitas de suas construções são tidas como “incorreções graves”, nos níveis de maior formalidade. A língua escrita é, geralmente, mais elaborada que a língua falada. Aí os níveis são menos numerosos e diretamente relacionados com o condicionamento sócio-cultural.
Os vocabulários próprios de determinadas regiões, determinadas profissões, ciências ou técnicas levam ainda à definição de outros níveis, segundo critérios diferentes. Vê-se então, que a noção é muita precisa. O essencial é ter-se consciência desses níveis de linguagem na medida em que determinam o bom funcionamento da comunicação. Tentar adaptar a própria linguagem à do interlocutor já é efetuar um ato de comunicação.
É difícil de imaginar como um professor daria suas aulas, sem que não empregasse uma linguagem acessível às crianças; entretanto, a preocupação de levar os alunos à utilização da linguagem comum obriga o mestre a recorrer a uma linguagem um pouco mais trabalhada que a de seus ouvintes, tanto no vocabulário quanto na sintaxe. A comunicação envolve neste caso uma reelaboração.
Em razão dessa postura, segundo nossas interpretações, se tomarmos a linguagem como atividade discursiva, o texto como unidade de ensino e a noção de gramática como relativa ao conhecimento que o falante tem de sua linguagem, as atividades curriculares em Língua Portuguesa corresponderão, principalmente, a uma prática constante de escuta de textos orais, leitura de textos escritos e de produção de textos orais e escritos, que devam permitir, por meio da análise e reflexão sobre os múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e construção de instrumentos que permitam ao aluno, progressivamente ampliar sua competência discursiva. CHOMSKY afirma, nessa direção de pensamento que:
Podemos encarar a gramática universal como o próprio programa genético, o esquema que permite a gama de realizações possíveis que são as línguas humanas possíveis. ... A gramática universal é um sistema geneticamente determinado no estado inicial, e especificado, afinado, estruturado e refinado sob as condições estabelecidas pela experiência, formando as gramáticas específicas que são representadas nos estados estacionários atingidos. Se encararmos desse modo a questão do crescimento da linguagem (“aprendizado da língua”), poderemos entender como é possível uma pessoa saber muito mais do que ela experimentou. (CHOMSKY, 1978, p.175)
Entendemos portanto, que ensinar Língua Portuguesa, seja desenvolver um trabalho de LINGUAGENS que leve o aluno a observar, perceber, inferir, descobrir, refletir sobre o mundo, interagir com seu semelhante por meio do uso funcional da linguagem, reconhecer a sua própria linguagem e de seu lugar no mundo, quanto à percepção das outras formas de organização do discurso, considerando a sua condição, suas expectativas e interesses, sua forma de expressão, enfim, seu universo imediato. Destaca-se que a linguagem, na escola, passa a ser portanto objeto de reflexão e análise, permitindo ao aluno a superação e/ou a transformação dos significados veiculados. Assim, o aluno torna-se-á um cidadão crítico, atuante, transformador para a existência de uma sociedade mais justa, humana e democrática.
MÁRCIA Mª MARES FIGUEIREDO