“NÓS PEGA OS PEIXE...” PRECONCEITO LINGUÍSTICO OU ERRO GRAMATICAL?

Afirmo logo o que penso: erro gramatical incontestável. Não há mais o que discutir.

Essa pergunta pode ser feita aos quase dois milhões de professores do Ensino Básico das redes pública e particular deste país e estou certo de que nenhum deles irá responder que esse corriqueiro erro gramatical, cometido por aqueles que ainda não dominam a estrutura básica da Língua Portuguesa, trata-se de um “preconceito linguístico”. No entanto, é isso que o livro "Por uma Vida Melhor", distribuído pelo Ministério da Educação (MEC) para turmas de educação de jovens e adultos (EJA) em todo o Brasil, ensina de modo incontestável.

O escândalo veio à tona porque, logo no capítulo 1, intitulado “Escrever é diferente de falar”, a obra traz estas três frases: “Nós pega o peixe”; “Os menino pega o peixe” e “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”. A polêmica tomou proporções gigantescas por conta das incontáveis reportagens com o pronunciamento de autoridades linguísticas condenando a obra e pedindo explicações do Ministério da Educação.

Vi muitas reportagens na televisão que citaram um trecho da obra assim: “‘Os livro ilustrado [...] estão emprestado.’ O fato de haver a palavra os (plural) indica que se trata de mais de um livro. Na variedade popular, basta que esse primeiro termo esteja no plural”. Fecham aspas e ponto. Mas teria que ser vírgula, pois o trecho completo continua: “Reescrevendo a frase no padrão da norma culta, teremos: ‘Os livros ilustrados mais interessantes estão emprestados’.” Ou seja, os autores ensinam de fato qual é a norma culta da língua.

E ensinam mais. O trecho polêmico está na pág. 15. Mas, bem antes, na pág. 11, os autores já explicam que: “[...] vamos estudar uma variedade da língua portuguesa: a norma culta. [...] Em primeiro lugar, não há um único jeito de falar e escrever. A língua portuguesa apresenta muitas variantes, ou seja, pode se manifestar de diferentes formas. Há variantes regionais, próprias de cada região do país. [...] Essas variantes também podem ser de origem social”.

Se tudo foi esclarecido no livro, qual é o motivo da polêmica? Por que todo esse alarde?

O problema é que os autores tocaram em um ponto que definitivamente não pode ser entendido da forma como foi. No livro está dito: “'Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado'. Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar ‘os livro?’.’ Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião.”

No dicionário a definição do termo “preconceito” (prefixo pré- e conceito) é um "juízo" preconcebido, manifestado geralmente na forma de uma atitude "discriminatória" perante pessoas, lugares ou tradições considerados diferentes ou "estranhos". Costuma indicar desconhecimento pejorativo de alguém, ou de um grupo social, ao que lhe é diferente. As formas mais comuns de preconceito são: social", " racial" e agora "linguístico".

Considero um exagero dos autores dizerem que quando um professor corrige o aluno, o pai ao filho ou um amigo a outro, ao perceberem uma frase gramaticalmente escrita ou pronunciada de forma incorreta estará “discriminando linguisticamente” a outra pessoa. Especialmente se a correção for feita de maneira respeitosa e adequada. O aprendiz terá um ganho e não um prejuízo.

Sabemos das diferenças linguísticas existentes nas diversas regiões do Brasil. Assim, é natural que as pessoas que não passaram pelo processo de alfabetização e consequentemente desconhecem as normas da língua culta falem: “ nós pega os peixe”, “os livro emprestado” e outras frases incorretas. O processo educacional existe para tornar a língua culta conhecida e difundida, não o contrário. Não existe preconceito na ação educativa. Não se trata de um ato de vaidade ou superioridade ensinarmos as normas aos que ainda não a conhecem. Elas existem para tornar possível a compreensão de determinada mensagem por um maior número de pessoas. Estamos em uma sociedade que cobra de todos as regras gramaticais no uso da linguagem. Diante disso, não creio que devam ser ensinadas outras regras como se fossem “aceitas” por todos. Isso se aplica também às leis e regras de trânsito. Se cada um resolver andar com o veículo na velocidade e faixa que bem desejar, fazendo o que bem lhe aprouver, teremos muitos acidentes e o trânsito será um caos. As normas servem equalizar necessidades, deveres e direitos sem deixar que as pessoas façam apenas o que elas achem certo. Devemos respeitar sim, quaisquer falas, até a dos bebês. No entanto, ao corrigi-los, não os estaremos ridicularizando ou discriminando-os, uma vez que eles estão aprendendo a falar e nosso dever é ensiná-los a falar corretamente, para que possam se comunicar melhor no futuro. Dessa maneira, senhoras e senhores autores do livro Por uma Vida Melhor, “nós pega o peixe”, “nós pega os peixe” ou as demais variações errôneas não podem ser consideradas corretas porque não estão de acordo com a regra culta, padrão da Língua Portuguesa. Afirmar isso não é uma forma de discriminação, mas, um ato educativo positivo, que deve ser regra de ouro a todos que têm o dever de falar bem o nosso idioma.

(*) Mathias Gonzalez é psicólogo e escritor (vem usando a norma culta em seus textos mas sabe que precisa aperfeiçoar ainda mais o conhecimento da Língua Portuguesa)

http://mathias.gonzalez.sites.uol.com.br

MGonzalez
Enviado por MGonzalez em 21/05/2011
Reeditado em 22/05/2011
Código do texto: T2984777