NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O ENSINO DA ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Escrito por: Eliana Maria Pereira e Iolanda Santos Barreto

Graduandas do curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) – DCHT – Campus XXII – Euclides da Cunha.

A arte sempre se manifestou na história da humanidade, configurando-se, inclusive, como um dos fatores que distinguem os humanos dos demais seres vivos. Além disso, a produção artística é um dos instrumentos que possibilitam o estudo de um período ou de uma cultura particular, pois revela conjunto de traços culturais, ideológicos ou institucionais concernentes ao meio no qual foi produzida.

Atualmente a educação infantil reclama a construção de uma pedagogia da infância que valorize a criança, considerando-a em sua centralidade, tendo o brincar e a arte como atividade principal, entendendo que tal procedimento deve ser elaborado a partir da relação entre teoria e prática, utilizadas como propósito educativo.

Dialogando com tal temática, Ana Angélica Albano, em seu texto A arte como base epistemológica para uma pedagogia da infância, esclarece ser imprescindível o reconhecimento da arte enquanto linguagem, configurando-se em uma forma de representação e expressão. Assim sendo, a autora propõe que devemos pensar a arte como "uma forma de comunicação que serve para dizer o que as palavras não dizem. Não deve, portanto, ser tratada como simples entretenimento, mas, sim, como uma área do conhecimento, com conteúdos próprios, que precisam ser aprendidos para que nos tornemos sujeitos falantes no desenho, na pintura, na construção, na modelagem" (ALBANO, 2004, p. 3).

Área do conhecimento com características próprias e indispensáveis, a arte é um campo da experiência humana que propicia ao aluno experimentar o novo, construir ideias, externalizar pensamentos e refletir acerca do mundo ao seu redor. A partir disto, exige o sujeito completo, dotado de uma totalidade que abarca emoção e razão, afetividade e cognição, intuição e racionalidade. Mais do que isto, a arte exige do sujeito artístico uma subjetividade que não pode ser excluída, tendo em vista ser parte essencial do processo.

Mister se faz assinalar que a sociedade humana atravessa um momento histórico de divisão do trabalho, sendo este fator determinante que exige dos profissionais um conhecimento especializado, o qual resulta na fragmentação do indivíduo. Diante disto Angélica Albano explica-nos que

"a razão pela qual a arte pode ser a base para repensarmos uma pedagogia da infância está justamente na inteireza, no modo como constrói conhecimentos. Porque não compartimenta o sujeito, nem a forma de conhecer. Porque possibilita-nos conectar com uma tradição, com o passado e, ao mesmo tempo, abrir-nos para o desconhecido" (ALBANO, 2004, p. 6).

Partindo-se do fragmento precedente, pode-se dizer que o professor de Educação Artística deve conscientizar-se de que a relevância da arte e seu fazer artístico não está restrito tão somente à simples função recreativa, promotora de prazer, mas deve sim, ser percebida como instrumento pedagógico que fomenta e colabora com o desenvolvimento dos alunos. Assim, estes têm a possibilidade de expandir seus olhares em relação ao mundo, ampliando seu potencial cognitivo e emocional.

Nesta perspectiva, é fundamentalmente importante o posicionamento do professor diante da capacidade de criação de seus alunos, os quais devem ser valorizados e aceitos como sujeitos construtores de sua capacidade artística, levando-se em conta que através da linguagem da arte serão capazes de analisar, contextualizar, atribuir sentidos e construir relações. Desta forma, poderão se reconhecer enquanto construtores de seus saberes e aprendizagens. Concernente a esta temática, Nelson Marcellino no texto A sala de aula como espaço para o “jogo do saber”, vem-nos dizer que,

"a atuação do educador não envolve apenas sua tarefa técnica, mas também um compromisso político. É dentro dessa esfera do compromisso político que se insere a recuperação do lúdico, através da sua linguagem, reaprendendo a falar, em conjunto com seus alunos, e tentando recuperar o sentido original de 'ludus'" (MARCELLINO, 1991, p. 69).

Destarte, o professor deixará de ver a arte como uma coisa banal e irrelevante, e adotará uma nova postura, repensando seus métodos anteriores, abandonando a busca por fórmulas prontas.

"Porque o fazer artístico não se restringe a pintar um quadro, compor uma música, encenar uma peça de teatro e assim por diante. O fazer artístico é também se deter numa pintura/desenho/colagem; é ouvir ou dançar uma música; é assistir uma encenação teatral e assim por diante. Toda essa relação de fruição é também fazer arte. É também exercício de criação. De produção de conhecimento" (ALBANO, 2004, p. 4).

A partir de então, o docente começará a ver as crianças com outros olhos, passando assim a respeitar suas individualidades, seus trabalhos, valorizando o resultado de cada um. Todavia, isso só será possível após o educador assumir uma nova postura com relação à arte e adquirir outra visão do universo artístico, reconhecendo a arte como linguagem, como uma forma de representação e expressão.

Neste momento, torna-se imprescindível salientar que os currículos atuais são organizados para atender aos interesses da sociedade capitalista, sendo elaborados em conformidade com uma visão positivista, dando ênfase ao caráter racional e de utilidade prática das disciplinas. Sob tal ótica, a arte destoa da concepção cientificista de utilitarismo, tendo, por isso, seu potencial ignorado pelas instituições de ensino, bem como por muitos de seus professores, os quais ainda não a percebem enquanto enriquecedora da prática individual no que diz respeito à construção de sentido e de significado.

A partir de tais constatações, é notória a necessidade de se repensar a educação contrariando as regras da sociedade industrial e capitalista na qual estamos inseridos. A arte, tal qual o brinquedo, existe em função da alegria que faz brotar. Todavia, o que se percebe é que o prazer pelo estético e pelo lúdico já não encontra espaço nas experiências de vida dos alunos, nem tampouco nas escolas que primam pela exigência da eficácia, cuja consequência é alunos fazendo coisas sem entender, sem sentir, sem rir e sem brincar.

No texto A contribuição dos parques infantis de Mário de Andrade para a construção de uma pedagogia da educação infantil, Ana Lúcia Goulart de Faria nos diz que, na década de 1930, o escritor Mário de Andrade, na época, diretor do Departamento de Cultura da prefeitura de São Paulo, estabeleceu uma nova interpretação à maneira de pensar o espaço de ensino às crianças. A este novo olhar do aprender, Andrade denominou Parques Infantis (PI), onde a criança teria a oportunidade de ‘exercer seu direito de ter infância’, em uma nova estrutura física do ambiente escolar sob uma nova concepção pedagógica da educação infantil.

"Ao lado do folclore, jogos e brincadeira, as diferentes manifestações artísticas compunham as atividades principais do PI, fazendo com que as crianças participassem do projeto de construção da cultura nacional. Mário de Andrade acreditava que a criança não só aprende a cultura de seu tempo, como também produz cultura, seja a cultura infantil de sua classe, seja reconstruindo a cultura à qual tem acesso" (FARIA, 2006, p. 9).

Com efeito, enquanto as escolas tradicionais voltavam-se tão somente para a aprendizagem, muitas vezes exercida de maneira mecanicista, a educação dos PI’s estava pautada para a ludicidade, na prática de atividades corporais desenvolvidas pelos alunos, na valorização da cultura nacional e no estímulo à produção cultural por parte das crianças. Mário de Andrade recusava-se a aceitar o estigma incorporado no século XV, quando a criança era vista como um adulto em miniatura.

Face a isto, torna-se perceptível a necessidade de se redimensionar o jeito de ser da escola, pois o que se percebe é que ainda hoje muitos professores continuam

"vendo a criança apenas do ponto de vista biológico como um vir-a-ser, em vez de vê-la também na sua dimensão cultural, isto é, também com sua especificidade infantil, enquanto uma fase da vida a ser vivida no seu tempo: tornando-se criança, sem precisar transformar-se em adulto rapidamente, encurtando sua infância" (FARIA, 2006, p. 2).

Andrade acreditava que era necessário entender que o espaço coletivo como ambiente de educação e o cuidado com as crianças de 0 a 6 anos era fundamental, pois lhes garantia o direito à infância, ao brincar, a não trabalhar, a se expressarem das mais variadas formas, com a promoção de exercícios de todas as dimensões (lúdica, artística, do imaginário entre outras), possibilitando assim, a construção do conhecimento livre, espontâneo, proveniente do intercâmbio com os adultos e suas culturas. O idealismo de Mário de Andrade propõe à escola e também aos professores a adoção de um posicionamento contrário à educação da subserviência, para que a escola possa cumprir o seu real papel na formação da pessoa humana. Refletindo sobre tal assunto, Marcellino afirma “(...) ser fundamental essa recuperação se quisermos contar com a força subversiva do lúdico, contribuindo para a derrubada da ‘realidade’, denunciando-a pela contradição com o prazer, para que a esperança não morra, através da resistência da festa” (MARCELLINO, 1991, p. 69).

Diante do exposto, pode-se perceber que a arte não é um produto acabado, e sim um conhecimento a ser construído, uma forma de expressão a ser externalizada e refletida, sendo também uma linguagem a ser experimentada. Com efeito, os textos analisados são relevantes para os professores de maneira geral, e em especial para os professores de Educação Artística, pois nos fazem pensar sobre o poder da arte na vida dos indivíduos enquanto área do conhecimento capaz de transformar comportamentos, atitudes, pensamentos e, sobretudo a nossa percepção de mundo.

Referências

ALBANO, Ana Angélica. A arte como base epistemológica para uma Pedagogia da Infância. Jan. 2004. Disponível em: < http://www.google.com.br/#hl=pt-BR&q=no+descome%C3%A7o+era+o+verbo+-+ana+ang%C3%A9lica+albano&aq=f&aqi=&aql=&oq=&gs_rfai=&fp=1deec5c4cf1d75be. Acesso em: 21 Jan. 2010.

FARIA, Ana Lúcia Goulart. A contribuição dos parques infantis de Mário de Andrade para a construção de uma pedagogia da educação infantil. Nov. 2006. Disponível em: < http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/veiculos_de_comunicacao/EDS/VOL20N69/EDS_ARTIGO20N69_3.PDF> Acesso em: 21 Jan. 2010.

MARCELLINO, Nelson Carvalho. A sala de aula como espaço para o “jogo do saber”. In: MORAIS, Regis de. A sala de aula: que espaço é esse? 5. ed. Campinas, Papirus, 1991.

Yoyô Barretto
Enviado por Yoyô Barretto em 20/04/2011
Código do texto: T2919955