Educação, Morte e indignação
Por Lúcio Alves de Barros*
“Ele entrou na escola dizendo que daria uma palestra. Foi para uma sala da oitava série, que fica no primeiro andar, e sem falar nada tirou uma pistola da bolsa e começou a atirar. A polícia chegou, e ele tentou subir para o segundo andar, quando viu que estava cercado, deu um tiro na cabeça” (Dorival Porto Rafael, gari que estava na escola na hora do tiroteio em entrevista ao Jornal O Globo).
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A morte e a educação, diante de determinados acontecimentos não são irmãs siamesas, tampouco devem andar de mãos dadas como namorados apaixonados. A tragédia ocorrida na manhã desta quinta-feira, na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo no oeste do Rio de Janeiro, não deixa de causar espanto, descontentamento, mal-estar, pânico e indignação. O fato é que um ex-aluno invadiu a escola e teve o tempo necessário para atirar, matar estudantes indefesos, recarregar a arma e tentar ir para o segundo andar para, provavelmente, repetir o mesmo ato. Onze estudantes foram assassinados, dez meninas e um menino (entre 12 e 14 anos) e 18 ficaram feridos.
Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, não aumentou a magnitude da tragédia porque um aluno baleado conseguiu escapar e encontrar um sargento da Polícia Militar, Marcos Alexandre Alves, o qual por sorte estava de serviço em uma operação de trânsito próximo da escola. O atirador foi detido após ser baleado na perna e depois fugiu pela porta do suicídio.
O acontecimento não deve ser entendido como episódios normais de escolas no exterior. As coisas por aqui são assim: espera-se acontecer para depois tomar providências. O covarde atirador, consciente e no papel de predador estava com duas armas, com cinto municiado e chegou mesmo a mirar no tórax ou na cabeça das crianças e dos adolescentes. Além disso, deixou um rascunho de uma carta e pelas informações é lícito afirmar a premeditação do ato.
Quando pensamos que tudo já aconteceu entre os muros das escolas, ainda somos surpreendidos por acontecimentos inacreditáveis recheados com requintes de crueldade e brutalidade. A história parece bem conhecida quando na memória aparecem as imagens dos casos acontecidos nas escolas norte-americanas. Os mais desinformados vão dizer que se trata de um ato terrorista e que, no limite, estamos presenciando a ação de um verdadeiro sociopata. Explicações que não auxiliam a solucionar o problema da violência no interior e fora das escolas. A violência escolar já é fato desde a década de 80, mas esta, que vem covardemente e de forma violenta fora dos muros escolares é novidade.
A questão a meu ver é complexa e aponta para a importância da prevenção: em primeiro é preciso frisar que a violência nas escolas não é um fenômeno novo. Há tempos venho revelando a “violência dura” entre professores e alunos. Os casos, geralmente, se limitavam aos muros das escolas e, na maioria das vezes, a polícia se apresentava como o órgão do depois para a manutenção do controle e da ostensiva ameaça.
É lugar comum dizer que trata-se de uma tragédia anunciada. A grande maioria das escolas públicas, tanto no Rio de Janeiro como em outras partes desse país estão entregues à própria sorte. Muros altos, grades, “seguranças” sem qualificação e mesmo a famosa portaria com uma “portinhola” ridícula não parecem ser elementos suficientes para garantir a segurança escolar. E não me venham com desculpas: é inadmissível um acontecimento como este. Cerca de 1000 alunos estudam naquela escola que funciona em três turnos. Também não me venham com psicologia e/ou psiquiatria forense, discursos de criminólogos e a saída de que possivelmente o assassino tenha participado de grupos terroristas ou sofrido bullying na infância porque no passado foi aluno da instituição. Não é possível engolir tais desculpas.
Escrevo com indignação e no calor dos acontecimentos, pois o crime foi premeditado e - repito - o criminoso além de ter tempo necessário para recarregar a arma, soube o momento certo de entrar na escola e, curiosamente, não atirou nos professores e nos funcionários preferindo os corpos ainda em formação das crianças e dos adolescentes. O rapaz ainda conseguiu colocar em tela o pânico e o medo, pois, de acordo com as informações veiculadas em tempo real na TV, com diversas entrevistas, ele começou a atirar já na entrada da escola e, com os tiros alunos e alunas desmaiaram e professores desesperados começaram a colocar carteiras e cadeiras nas portas no intuito de barrar a entrada do assassino nas salas de aula.
E não deixo de mencionar a responsabilidade do Governo do Estado e do Município neste episódio. Como afirmei, as escolas públicas carecem dos mais singelos meios de garantia de segurança. Preocupadas com as UPPS e outras práticas de segurança pública as autoridades esqueceram as instituições escolares e elas seguem se virando com professores e funcionários que, por natureza, não são técnicos e capazes de manutenção da segurança.
A tragédia carioca, digna de luto nacional, porque atinge de frente a comunidade escolar, deve ser entendida como um problema de política pública. A escola é um espaço sagrado e não merece que tais acontecimentos utilizem o seu palco. Pais e mães, que colocam os filhos em instituições escolares esperam o mínimo do Estado: a educação e a segurança que, constitucionalmente, é dever do próprio Estado. Não vejo a razão de pagamentos de impostos se eles não são bem utilizados e também da existência de um campo normativo que diz garantir a educação gratuita e de qualidade. Estou cansado deste mito.
Também não podemos pensar que trata-se de um caso isolado. Esta é uma das desculpas mais utilizadas pelas autoridades sem comprometimento e qualificação em exercer o cargo. Volto a dizer, enquanto não entendermos que educação e segurança pública andam de mãos dadas, nada me convence e explica a ação de um homicida no interior de uma escola. O caso não tem precedentes em solo brasileiro, mas tenho receio que volte a acontecer, pois no Brasil determinados acontecimentos em geral são banalizados e esquecidos e, por vezes, repetidos.
Finalmente, é lamentável o acontecimento e sinto-me profundamente triste e emocionado. Não posso deixar de mostrar meu repúdio e indignação porque - definitivamente - neste momento, não acredito em uma sociedade que mata crianças e adolescentes como se fossem animais presos e indefesos. E desculpe-me o desabafo, mas também não acredito nas autoridades, nas políticas públicas que estão sendo levadas a efeito, uma vez que é mais do que perceptível a “cultura do depois” ao invés da “cultura da prevenção e da paz”. Jogo nestas linhas a esperança para debaixo das carteiras e cadeiras escolares sujas de sangue, suor e medo e coloco o uniforme da perseverança, pois como professor e envergonhado pela sociedade que temos revelo em público meus sentimentos aos pais e as mães desses pequenos e grandes estudantes que, de uma forma ou de outra, enfrentaram o adulto predador, sedento de morte e sangue.
*- Doutor em Ciências Humanas e Professor na FAE/BH (Faculdade de Educação) da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais).
Fonte: BLOG “Educação encarcerada” - http://nepfhe-educacaoeviolencia.blogspot.com/