Retidão e discernimento aparentes

Prólogo:

Um filho pode pedir socorro ao pai sem emitir uma só palavra. Pois ele (o pai) sabe as necessidades do filho sem que ele lhe peça.

Às vezes essa solicitação de ajuda acontece num sonho, numa manifestação espiritual incompreendida para o leigo habitante do mundo visível, noutras ocasiões ocorre com o voluntário afastamento do necessitado do abraço afetuoso do pai caricioso.

Esse pai solícito sonhou com o filho que, em pranto lastimoso e gesticulando muito, dizia:

Eu progredi sozinho e à custa de muito sacrifício. Refiro-me ao progresso sociocultural, econômico e familiar. Tenho uma família organizada: esposa, filhos, sogros que me censuram. Isso é ser comum e eu quero mais do que ser igual aos outros homens.

Não me libertei, ainda, da culpa. Fui seduzido por um mundo novo: não me encaixo nesse vendaval porque minha gênese forjou-me em têmpera forte, mas aceito a degradação e esfacelamento dos meus brios quando me deixo levar pelos convites para adentrar pela larga trilha da perdição.

Amigos e amigas conduzem-me para a noite. Bebo e como em demasia. É evidente meu sobrepeso, minha fadiga, meu descaso com a família e aparência física. Perco noites de sono e nas madrugadas, totalmente alcoolizado, sinto minha vida vazia.

Com a mente em chamas e a libido alterada procuro a esposa sem a delicadeza necessária querendo satisfazer minha sanha enaltecida pela embriaguez medonha. Não é justo deixar de usar as asas no momento em que descubro tê-las. É preciso voar quando sei que posso voar cada vez mais alto pela força do dinheiro.

É necessário ter uma visão estratégica da vida mundana. Ver o sol e não poder tê-lo é um absurdo. Quero esse sol em forma de mulher, vestida com roupa fina enfeitada por lantejoulas, purpurinas de várias cores, jóias; despida totalmente dos pudores, mesmo que haja ao seu derredor outros infames, enganados e broncos amores.

Não me quero recordar da infância pobre. Desejo esquecer o passado nebuloso onde a honradez era cultuada, admirada e alicerçada pelos ensinamentos dos meus pais, bisonhos, por meio de parábolas incompreendidas. Hoje minhas asas são fortes. Minha mente é aberta a novos conhecimentos.

Ganho mais do que preciso e ainda entendo que recebo menos do que mereço ou talvez para satisfazer meus vultosos gastos. Se comprar supérfluos é para dar vazão aos recalques de outrora, quando aprendi que: “Não se pode dar a passada maior do que as pernas”. Ora, isso é canhestro porque não incentiva a ousadia. Não causa satisfação pela conquista ansiada.

Meus filhos crescem depressa e não acompanho essa evolução justa. Não tenho e não consigo tempo para brincar com eles. Não ouso dizer a esposa doente, acometida de displasia mamária, esteatose crônica, insuficiência renal, diabetes, obesidade mórbida, entre outras, e melancólica, que sou um desvairado devasso em busca do nada.

Vejo-me nesse turbilhão de anseios incentivado por pessoas também sem rumo. Com essas atitudes ponho em xeque meu emprego, família e posição social, todos conquistados à duras penas.

Reconheço que necessito ouvir um grito de alerta. Até já li algo sobre o tema “retidão e discernimento aparentes”, mas meu espírito impaciente, já corroído pela ingestão de bebidas destiladas e fermentadas não me permitiu pinçar as lições nas entrelinhas existentes.

CONCLUSÃO

Hoje quero humildemente pedir ao meu bondoso e compreensivo pai um grito de alerta. Necessito reerguer-me das cinzas e bendizer esse momento de luz que me aclara a senda. Não sei rezar, mas ele me compreendeu e sentiu meu abandono. Mandou-me algo na medida certa para aplacar meu desespero na minha retidão e discernimento aparentes.

Eis o que recebi do meu pai com a recomendação de ler tantas vezes quantas fosse necessário até a perfeita compreensão da mensagem edificante:

“A ansiosa busca de afirmação da personalidade leva o indivíduo, não raro, a encetar esforços em favor das conquistas externas, que o deixam frustrado, normalmente insatisfeito.

Transfere-se, então, de uma para outra necessidade que se lhe torna meta prioritária, e, ao ser conseguida, novo desinteresse o domina, deixando-o aturdido. A sucessão de transferências termina por exauri-lo, ferindo-lhe os interesses reais que ficam à margem.

Realmente, a existência física é uma proposta oportuna para a aquisição de valores que contribuem para a paz e a realização do ser inteligente. Isto, porém, somente será possível quando o centro de interesse não se desviar do tema central, que é a evolução. Para ser conseguida, faz-se imprescindível uma avaliação de conteúdos, a fim de saber-se o que realmente é transitório e o que é de largo curso e duração.

Essa demorada reflexão selecionará os objetivos reais dos aparentes, ensejando a escolha daqueles que possuem as respostas e os recursos plenificadores.

Hoje, mais do que antes essa decisão se faz urgente, por motivos óbvios, pois que, enquanto escasseiam o equilíbrio individual e coletivo, a saúde e a felicidade, multiplicam-se os desaires e as angústias ceifando os ideais de enobrecimento humano. Se de fato andas pela conquista da felicidade, tenta o auto-encontro.

Utilizando-te da meditação prolongada, penetrar-te-ás, descobrindo o teu ser real, imortal, que aguarda ensejo de desdobramento e realização. Certamente, os primeiros tentames não te concederão resultados apreciáveis. Perceberás que a fixação da mente na interiorização será interrompida, inúmeras vezes, pelas distrações habituais do intelecto e da falta de harmonia.

Desacostumado a uma imersão, a tua tentativa se fará prejudicada pela irrupção das ideias arquivadas no inconsciente, determinantes de tua conduta inquieta, irregular, conflitiva. Concordamos que a criatura é conduzida, na maior parte das vezes, pelo inconsciente, que lhe dita o pensamento e as ações, como resultado normal das próprias construções mentais anteriores.

A mudança de hábito necessita de novo condicionamento, a fim de mergulhares nesse oceano tumultuado, atingindo-lhe o limite que concede acesso às praias da harmonia, do autodescobrimento, da realização interior.

Nessa façanha verás o desmoronar de muitas e vazias ambições, que cultivas por ignorância ou má educação; o soçobrar de inúmeros engodos; o desaparecer de incontáveis conflitos que te aturdem e devastam. Amadurecerás lentamente e te acalmarás não te deixando mais abater pelo desânimo, nem exaltar pelo entusiasmo dos outros.

Ficarás imune à tentação do orgulho e à pedrada da inveja, à incompreensão gratuita e à inimizade perseguidora, porque somente darás atenção à necessidade de valorização do ser profundo e indestrutível que és.

Terminarás por te venceres, e essa será a tua mais admirável vitória. Não cesses, portanto, logo comeces a busca interior, de dar-lhe prosseguimento se as dificuldades e distrações do ego se te apresentarem perturbadoras.” - (Franco, Divaldo Pereira. Da obra: Momentos Enriquecedores. Ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador, BA: LEAL, 1994).