O Jogo na Escola e as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)

Uma proposta off-line para a Educação Física Escolar

As características tecnológicas da pós-modernidade nos apontaram novas possibilidades no campo da ludicidade a partir do surgimento do videogame, popularizado pelo Atari 2600 no final do ano de 1977. Este novo tipo de brinquedo veio intensificar o fenômeno da “diversão virtual”, inaugurado entre nós na década de 1960 pela televisão.

O século XXI, porém, ao acelerar a cibercultura nascida na década de 70 do século XX, cujo principal ícone é o computador em rede, ocasionou uma mudança de paradigmas em relação à ludicidade e nos apresentou definitivamente ao que podemos denominar de Homo midiaticus . Este se configura, geralmente, como um ser multitarefário - consegue realizar diversas atividades simultaneamente - individualista, heterônomo, que possui a capacidade criativa limitada e que possui, segundo Bellicieri (2006), [...] “uma maneira particular de ver e experimentar o mundo”.

Entendemos que a escola precisa promover discussões e debates sobre o tema, ao tempo em que deve estar preparada para enfrentar estes novos desafios e transformar adversidades em oportunidades. A virtualidade dos jogos, onde o computador assume um papel de destaque, oferece a possibilidade de, ao nos encontrarmos diante de um universo virtual de representações, termos uma maneira diferente de enxergarmos o jogo, e para esta nova linguagem apresentada, criarmos diversas estratégias de intervenções pedagógicas.

A concepção de jogo tem evoluído e a escola não pode desconsiderar as suas formas virtuais sob pena de adotar uma postura romântica e anacrônica, diante do fenômeno da evolução tecnológica da sociedade. Além disso, perderá a oportunidade de acessar um sistema de significação muito presente na vida dos seus alunos(as) que é a linguagem virtual. Assim, entendemos que a escola deverá integrar as suas diversas formas de intervenções pedagógicas às oportunidades lúdicas virtuais já dominadas pelos(as) estudantes.

Para ALVES et al (2008) os games são uma opção interessante para se trabalhar sob o viés da ludicidade na escola, por seduzir o aluno através de uma linguagem que ele usa no seu cotidiano. Acerca da interatividade e múltiplas possibilidades de construir histórias diferentes a cada aula, ela nos afirma que, "Dentre os diversos gêneros de jogos eletrônicos existentes como jogos de ação, esporte e luta, o que proporciona um maior nível de intervenção é o de simulação (os jogos de simulação também podem ser classificados como de estratégia)".

Este difere dos demais pelo fato de apresentar multi-narrativas, nas quais os roteiristas não criam uma história única do início ao fim, mas uma variedade de enredo, com múltiplas possibilidades e combinações que fazem com que o jogo obtenha várias histórias diferentes a depender do jogador. Nos jogos de simulação, há uma representação da realidade, pois através das ferramentas disponíveis o jogador constrói seu próprio jogo, não existindo assim, um enredo pronto, ou seja, uma narrativa definitiva. Com isso, a probabilidade de terem tramas iguais por jogadores distintos é mínima.

Diante deste quadro, se evidencia a necessidade da Educação Física Escolar acompanhar esta evolução do jogo, dando sentido e significado a este novo formato que nos é apresentado, transportando-o para uma dimensão real, não fictícia. Isso será possibilitado à medida que possamos entrar neste sistema de significação do aluno e trazer a realidade virtual para a nossa sala de aula, oportunizando uma relação próxima entre o irreal sedentário, e um real que promova ações motrizes.

Assim, as relações entre corpo, tempo, espaço, objeto e movimento, serão mediadas simbolicamente por diversos signos virtuais como personagens, histórias, cenários e enredos. Nesta dimensão, o jogo virtual passa a ser para o professor um instrumento, dentro da visão de Vygotsky, pois, ele se torna um elemento interposto entre o trabalhador - o docente - e o objeto de seu trabalho - os educandos.

As características de inconclusão momentânea e recorrente dos jogos eletrônicos interativos, lembradas por ALVES et al (2008), oferecerão amplas oportunidades de criarmos finais diferentes a cada aula, de uma maneira desafiadora, criativa e inédita.

Apesar de hoje existirem jogos que oportunizam certa interatividade motriz entre o sujeito e a máquina, eles não têm condições de substituir os jogos na sua dimensão presencial. Na versão “ao vivo” o movimento humano é fundamental para a tomada de decisões e para que o aluno em movimento possa legislar, discutir, negar, aceitar, repaginar...

Estas características possibilitarão ao(a) aluno(a) experimentar idéias, construir conhecimentos se utilizando das atuais ferramentas tecnológicas , deliberar ações com base nas probabilidades oferecidas pelo jogo, criar estratégias individualmente e/ou em grupo e antecipar jogadas baseado nas probabilidades de ações do grupo adversário. Isso favorecerá a sua criatividade, quando ele promover a articulação entre os personagens já existentes ou criar novos, de acordo com a sua experiência e também com a forma que a atividade for se configurando.

O nosso objetivo, ao propormos a materialização desta proposta heterodoxa, é a escola se apropriar das possibilidades de sedução, criatividade e estratégicas destas produções tecnológicas, para, ao incorporá-la no cotidiano das nossas aulas, termos em mãos uma poderosa ferramenta de trabalho a serviço da educação.

Torna-se óbvio que a escolha de um bom jogo é fundamental para uma ação didático-pedagógica competente. Para tanto, é necessária uma avaliação diagnóstica do nível de conhecimento, e as demandas dos educandos relativas as diferentes concepções e formas de jogar, envolvendo a temática, os personagens e suas características.

Nesta fase, uma aula no laboratório de informática com profissionais especializados é essencial para facilitar o acesso e conhecimento de todos sobre as atividades propostas. Aí serão decididos os personagens que se queira representar e quais tramas e estratégias serão utilizadas. Da mesma forma, a preparação do “cenário” e do “figurino” - não precisa ser nada especial - apenas ter um professor de artes, de música ou algum outro agente educativo integrado com a ação de trabalho. Se a escola não tiver estes profissionais, mãos à obra você mesmo(a) com seus(as) alunos(as).

Esta proposta de transformação dos jogos eletrônicos em aulas de Educação Física, nos oferece a capacidade de integrarmos no ambiente escolar o real e o virtual tendo a ludicidade fruída nos jogos eletrônicos através da fantasia. Aí aproveitaremos como elementos pedagógicos as possibilidades disponibilizadas pela tecnologia, pelos personagens e trama de cada jogo. Isto nos deixa diante de alguns questionamentos:

 Será que os jogos virtuais - games - possuem um valor pedagógico que justifiquem a sua inclusão na escola?

 Será que o(a) professor(a) têm capacidade de se adaptar pedagogicamente a esta proposta que foge ao convencional?

 Como você reagiria, na condição de professor(a), quando constatasse que a maioria dos seus alunos(as) tem um conhecimento maior do que você nesta área?

 Será que você tem capacidade de dar uma aula de Educação Física baseada em um jogo/personagens de RPG (Role-Playing Games)? Ou no Roller Coaster Tycoon 2? Ou quem sabe no Sim City 4? Você sabe que jogos são estes? Não? Os(as) alunos(as) sabem e gostam.

Os aparatos tecnológicos representados pelos videogames, mini-games, computador e internet, são constantemente alvo de crítica social, por provocar o sedentarismo e a alienação de crianças e adolescentes em relação às brincadeiras “presenciais” e ao convívio social. Evidentemente não concordamos ipsis liters com estas críticas, já que somos da opinião que não devemos dissociar o sujeito do seu tempo. Porém, que fique claro que a palavra limite deverá sempre estar presente, tanto na escola quanto em casa, no que se ao tempo de uso e seleção de conteúdos das tecnologias como opção lúdica.

Um tema recorrente quando se fala de jogos virtuais, é a questão da violência. Sem querer entrar no mérito da questão, apesar de reconhecermos que determinados jogos eletrônicos são verdadeira apologia a comportamentos anti sociais, vale lembrar que as brincadeiras tradicionais, algumas delas muito usadas na escola, também incitam, reforçam e comemoram a violência o preconceito e a discriminação. Você se lembra de Atirei o Pau no Gato? E Samba Lelê ta Doente? Já brincou de Garrafão? Recorda-se da briga entre O Cravo e a Rosa? Conhece o Capitão do Mato Pega Nêgo? E Pai Francisco Entrou na Roda?

Constatamos, então, que nada é essencialmente bom ou fundamentalmente ruim; tudo é relativo. Acreditamos ser papel do(a) docente filtrar com bastante critério e/ou adaptar os conteúdos a serem utilizados nas suas aulas, sejam eles oriundos da cultura popular ou das TIC.

É consenso que um consistente domínio da tecnologia, da comunicação e de suas ferramentas tecnológicas tornou-se fundamental para que o indivíduo garanta uma melhor posição no mercado de trabalho, um pleno desenvolvimento pessoal e o exercício da cidadania. Torna-se evidente, então, ser função da escola nos dias atuais garantir aos seus alunos um sólido aporte tecnológico.

As TIC, cujo papel é por demais evidente nos setores da produção, de serviços e nos meios de comunicação social, não constituem um simples fenômeno midiático, pelo contrário, vieram para ficar e a escola não tem possibilidade, nem deseja, fugir à sua influência. O grande problema é saber qual deverá ser a sua função e qual será a melhor estratégia para a sua integração com as atividades educativas.

Num momento em que à escola se colocam desafios cada vez mais fortes, decorrentes do dinamismo da própria sociedade em mudança, é necessário estarmos atentos as potencialidades das TIC na educação, para que delas possamos usufruir na sua plenitude. Faz-se necessário encará-las como um instrumento educativo de grande relevância para todos os níveis de ensino e disciplinas, a partir das séries iniciais, que inaugurou uma nova maneira de pensar, sentir e ver o mundo.

Como já vimos, a idéia das TIC, considerando aí de forma privilegiada o computador em rede, como ferramenta nas mãos do aluno, conduz de forma natural à ocorrência de atividades de forte cunho interdisciplinar. Pela possibilidade de realização destas atividades tanto na sala de aula quanto em espaços alternativos de aprendizagem ou em casa, descortina-se a possibilidade do favorecimento do intercâmbio de conteúdos entre diferentes áreas do conhecimento.

As TIC a serviço de diversas perspectivas pedagógicas devem ter o papel principal de auxiliar professores e alunos, favorecendo a pesquisa, gestão e tratamento da informação, suscitar a curiosidade estimulando a descoberta, bem como incentivar a resolução de problemas e superação de desafios.

Particularmente na Educação Física, ela deve ser considerada como uma possibilidade real, que deve estar disponível para a permanente utilização ao lado de diversos recursos didáticos. A associação dos meios informáticos ao sistema educacional deve ser capaz de enriquecer as estratégias do processo ensino aprendizagem e estimular o surgimento de novas metodologias que primem por incentivar a participação individual e coletiva, a iniciativa e a criatividade.

Desta forma, esta proposta se torna um aporte de novas estratégias dentro da escola numa perspectiva multi e interdisciplinar, favorecendo sempre a ligação entre o saber academicamente elaborado e a realidade social, econômica e política, auxiliando na formação de cidadãos críticos e participativos. Elas não se contrapõem aos métodos tradicionais de ensino, ao contrário, os complementa. Explicamos melhor: na educação a máquina nunca substituirá o homem, o computador não pode substituir o livro e o vídeo não deve substituir o professor.

Estes avanços tecnológicos, entretanto, vêm exigir do educador novas responsabilidades e tarefas advindas dos novos paradigmas que lhes serão propostos. Estes, ao invés de entrar em conflito com o(a) docente, deverão constituir sempre novos desafios e evidenciarão ainda mais a sua importância dentro do processo educacional.

Em contrapartida o professor não poderá descuidar-se da constante atualização na sua formação - como deve ser em todas as áreas - visto que as suas competências e conhecimentos deverão acompanhar pari passu a evolução tecnológica que se processa numa velocidade geométrica, sempre acompanhada de perto por crianças e adolescentes.

REFERÊNCIAS

ALVES, L., GUIMARÃES, H., OLIVEIRA, Gildeon, RETTORI, Annelisse. Ensino On-Line, jogos eletrônicos e RPG: Construindo novas lógicas. Disponível em: http://www.lynn.pro.br/pdf/art_ensinoonline.pdf Acessado em 10/10/2009.

ANDERÁOS, Ricardo. Homo midiaticus. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 3 out. 2005. Suplemento Link.

AUSUBEL, D.P. et al Psicologia educacional. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980.

BELLICIERI, Fernanda N. Reflexões Sobre a Mídia Digitalizada: A comunicação sob Novos Parâmetros. Disponível em:

http://www3.mackenzie.br/editora/index.php/reach/article/viewFile/507/324

Acessado em 19/10/2009.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

DELGADO NETO, Geraldo G. Uma Contribuição à Metodologia de Projeto para o Desenvolvimento de Jogos e Brinquedos Infantis. Campinas: UNICAMP, 2005.

GOSCIOLLA, Vicente. Roteiro para novas mídias. São Paulo: Senac, 2003.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2005.

LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.

ZAJDSNAJDER, Luciano. A travessia do pós-moderno. Rio de Janeiro: Gryphus, 1992.