TRABALHAR E DAR AULA
José Neres
Não faz muito tempo, encontrei uma daquelas pessoas que passam por nossa vida, depois desaparecem até mesmo das mais tênues recordações, mas um dia, em uma esquina qualquer, cruzam de novo em nosso caminho. Trata-se de uma antiga colega de faculdade. Apresentamos muitos trabalhos juntos, discutimos muitos assuntos e, finalmente, tomamos rumos diferentes, ou pelo menos desconhecidos para ambos.
Era início de tarde e eu seguia rumo à labuta diária. Eis que, no meio de uma multidão, meu olhar cruza com uns olhos conhecidos. Depois de breves segundos, a identificação está confirmada. É ela. Minha antiga colega de faculdade que estava a minha frente. Os apertos de mãos, os beijos e os abraços carinhosos se multiplicaram. Como o presente não oferecia assunto suficiente para uma conversa sobre o agora, começamos a falar sobre o passado. Vários amigos de outrora foram recordados e velhas histórias animaram a conversa. A alegria do reencontro fez com quem ambos esquecêssemos a pressa. Mas o tempo não pára. E a hora da despedida se aproximava. Nos minutos finais do encontro, uma pergunta e uma resposta abriram espaço para uma reflexão: "Você está trabalhando onde?", perguntei. "Não estou trabalhando, não, estou só dando aulas!", foi a resposta, acompanhada de um sorriso pálido.
Forço um pouco a memória e me lembro de que não é a primeira vez que ouço algo semelhante. Em quase duas décadas de magistério, inúmeras vezes ouvi alguém me perguntando se eu estava trabalhando ou dando aula. Na minha inocente concepção, ensinar é também uma forma de trabalho, inclusive uma das mais dignas que alguém pode exercer. Mas parece que uma boa parcela da sociedade não vê do mesmo modo.
Mas a conversa com minha antiga colega serviu para levantar mais algumas questões a respeito da hipotética desvalorização do magistério em nossa sociedade.
Acompanhando o momento sublime em que os alunos conseguem a vitória no vestibular, vejo a alegria dos pais quando o filho passa para alguns dos cursos considerados nobres. A festa é, de modo geral, grandiosa, à custa, muitas vezes, de mais um endividamento ou de mais uma abocanhada no limite do cheque especial. Por outro lado, quando o garoto ou a garota ingressam em um curso de licenciatura fica evidente o ar de descontentamento no olhar de boa parte da família. Já houve inclusive casos de pais que não permitiram que os filhos se matriculassem em um curso superior que, segundo a suprema sapiência paterna e/ou materna, "não daria nenhum futuro" para aqueles jovens.
Um outro exemplo é da bela jovem que dizia em alto em bom som que jamais se casaria com um professor, pois não estava preparada para ter de ouvir por anos a fio aquelas conversas sobre sala de aula e muito menos estava a fim de morrer de fome com o miserável salário do marido, insuficiente para bancar viagens, roupas e sapatos de marcas famosas.
Situações assim acabam contrariando os números oficiais que dizem que ano após ano cresce o número de pessoas em busca da carreira do magistério. Porém, para ser um professor ou um educador é preciso muito mais que um título superior ou a tão aclamada abnegação para os bens materiais. É necessário saber falar na hora certa e saber calar no momento exato; é saber cumprir ao mesmo tempo as funções de professor, amigo, conselheiro e, não raro, de pai ou de mãe; é ter consciência de que ensinar não é só jogar o conteúdo em um quadro ou no data-show e depois deixar a sala como se nada tivesse acontecido; é questionar-se constantemente sobre as próprias atitudes; é estar eternamente condenado à doce pena de nunca mais parar de aprender e de estudar...
Caso, ao entrar em sala de aula, alguém sinta que a maioria das condições acima citadas lhe são estranhas, é porque realmente não deve sentir orgulho de dizer que trabalha como professor. Pois, assim como a minha antiga colega, essa pessoa provavelmente nunca ensinou, ela apenas deu aulas.