DESVIO IDEOLÓGICO
Já diversas vezes chegou ao Congresso Nacional a questão das cotas para a entrada de estudantes nas Universidades públicas. Segundo alguns dos projetos encaminhados, a metade das vagas nas Universidades públicas deverá ser reservada para afro-descendentes e para estudantes que fizeram todo o seu estudo médio em escolas públicas. Diante destas propostas, pergunto-me: ainda vivemos numa sociedade democrática? Ou estamos em um estado totalitário, populista, demagógico de enganação do povo? Se vivemos em uma sociedade democrática, em que os cidadãos são iguais perante a lei, onde o Estado tem a obrigação de proporcionar a todos as condições de se afirmarem na vida pelo esforço e méritos próprios, como entender que este mesmo Estado recorra a recursos escusos para diferenciar seus cidadãos, a partir de critérios de cor da pele, de etnias e freqüência a escolas de 1ª. ou 2ª. Categorias? No meu entender, a política de cotas é um tremendo desvio ideológico.
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional o ensino médio é de responsabilidade dos Estados, o ensino superior, de responsabilidade da Federação. Já aqui acontece uma falha lógica. Joga-se para o nível da Federação um problema que deveria ser equacionado pelos Estados. Se as escolas públicas do ensino médio são deficientes, precárias, mal administradas, sem a contratação de professores competentes ou com número insuficiente de professores, sem bibliotecas, sem a pedagogia adequada para a aprendizagem dos alunos, com salários miseráveis para os professores como então instituir uma Lei, diferenciando o acesso à universidade pública a alunos que vêm da escola particular e da pública. Então, o cidadão não tem mais o direito de escolher a escola, para que seu filho tenha as melhores condições de progredir em sua formação? E o cidadão que paga seus impostos, com os quais se financia inclusive a gratuidade das escolas públicas, deve depois ver as chances de seu filho, para entrar numa universidade pública, gratuita e de qualidade, diminuídas para dar lugar aos cotistas? Isto é democrático? Com esta tentativa de cotas o Estado está ensinando aos jovens a não serem democráticos. Incentiva a diferenciação racial e de classes sociais. Por isto, num sentido lógico e de filosofia política, a política de cotas, assim como está sendo proposta no Brasil, é simplesmente inadmissível. Seria bom que os cidadãos brasileiros refletissem sobre isto. Naturalmente, de vez em quando, ações políticas afirmativas são necessárias. Isto em caso de calamidades, de desequilíbrios sociais por causa de injustiças, etc. Mas alegar que é preciso uma ação afirmativa nas universidades porque o Estado falhou não oferecendo as devidas condições para que os jovens tivessem escolas de qualidade, e condições sociais e econômicas adequadas para se desenvolverem intelectualmente, e poderem entrar nas Universidades em pé de igualdade com seus colegas, isto é um absurdo. Que se promovam ações afirmativas, pagando melhor os professores das escolas públicas, que as crianças e os jovens das escolas públicas tenham ambientes adequados para o estudo, que se contratem mais professores, por concurso, para as escolas públicas, que se ofereçam mais escolas públicas, escolas técnicas públicas aos nossos jovens, e não serão necessárias cotas e cotinhas para entrar nas Universidades. Os pobres, os negros, os ciganos, os índios, os agricultores, os operários, etc... não são menos inteligentes do que os filhos da classe média que, muitas vezes, com grande sacrifício pagam os colégios particulares, porque não têm alternativa. Pois, se colocassem os seus filhos em escolas públicas, os condenariam ao fracasso na vida. E quem é o pai que quer o fracasso de seu filho? Mas agora o Governo quer oferecer uma chance para que alunos de suas escolas ruins também cheguem à Universidade. Que bela proposta! Lutemos pela democracia republicana, onde todos sejam iguais perante a Lei.
__________________________________________________________ Inácio Strieder é professor de filosofia - Recife/PE