Pedagogia da violência: entre a vergonha e o luto
Por: Lúcio Alves de Barros*
É lamentável, triste, vergonhoso e extremamente sério o episódio que culminou no assassinato do professor Kássio Vinícius Castro Gomes, de 39 anos, formado em Educação Física e mestre em Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no Instituto Isabela Hendrix, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte (MG), na noite de terça-feira (07/1202010). O docente do curso de Educação Física foi morto a facadas no ambiente de trabalho por um aluno inconformado com sua reprovação.
O estudante de Educação Física Amilton Loyola Caires, de 23 anos, foi preso em sua casa, no Bairro União, Região Nordeste de Belo Horizonte. O estudante ainda é considerado "suspeito", apesar das câmeras de segurança interna do prédio terem flagrado o acontecido. É curioso como a mídia ainda tem se calado sobre o episódio. Ao contrário da aluna da Uniban, o professor não terá a oportunidade de fazer parte da "Fazenda" (Graças a Deus!) e também (talvez com muita luta dos entes que ficaram) não terá o direito à indenização. De qualquer forma, este é um acontecimento que merece uma maior veiculação por três motivos.
Em primeiro, porque não é possível que as autoridades fechem os olhos para o que anda acontecendo nos cursos de nível superior que há tempos foram invadidos pela violência, o desrespeito, o sadismo e a perversão. Professores são vítimas de brutalidade, crueldade e ameaças constantes. O caso do professor de Educação Física pode ser considerado pelo Instituto Isabela Hendrix como um fato "isolado", mas ele é ostensivo na sua invisibilidade, sutileza e formas "simbólicas" de brutalidade, crueldade e covardia. Para os menos avisados, o Sindicato dos Professores (Sinpro) tem uma boa pesquisa sobre a violência nas escolas privadas e um bom número de docentes entrevistados atua no "nível" superior.
Em segundo, a morte do docente, apesar de aparentar somente "um" motivo, permite muitas inferências que, pelo andar da carruagem vamos pagar e caro no futuro. Embora o país se gabe com o montante de alunos em curso superior, ao ponto das faculdades não terem alunos para lotarem as salas em determinados cursos, a morte de um professor e a violência ostensiva nas salas de aula revelam o estado da arte de massificação da educação superior. É bom dizer que, nos dias atuais, qualquer um pode entrar em uma faculdade para cursar qualquer curso, desde que ele tenha as mínimas e máximas condições de pagar pelo "balcão de negócios" que se tornou a educação em nível "superior". Massificação não quer dizer democratização. As massas não são identificáveis, carregam coisas sujas, tal como as enchentes das chuvas de verão que castigam nossas cidades. O acontecimento no Instituto é o início da boca de lobo, a qual só é lembrada em tempos de inundação e necessidade de rápida limpeza no intuito de impedir um outro transbordamento.
Em terceiro, é forçoso mencionar a falta de civilidade entre pares. Não é possível educação (elementar nas relações entre professor-aluno) em uma sociedade distante dos mínimos preceitos da civilização, construída a duras penas e com instituições que ainda deixam a desejar. Mais que isso, a morte do professor reforça o ambiente de barbárie e medo que se transformaram as faculdades e universidades, notadamente as particulares, nas quais a autoridade deixou o professor e caminhou rápido para o carnê da mensalidade. Alunos potentes, oniscientes, onipresentes fazem a festa na falta de um bom conjunto de normas e regras garantidoras de respeito, tolerância, disciplina e hierarquia em relação ao outro que é diferente e, por definição e mérito, agente de formação e educação.
Espera-se que o caso do assassinato do mestre não seja algo "generalizável", teríamos falta de professores em pouco tempo. Todavia, a violência nos ambientes considerados superiores se tornou algo corriqueiro, "normal" e ouso a dizer, um problema de segurança pública. As instituições de ensino não têm o direito de reduzir o problema na obrigatória e necessária relação professor-aluno. Elas têm a responsabilidade e fazem parte desse cenário sem grandes esperanças e, atualmente, repleto de insegurança e medo. Na verdade, penso que somos um pouco responsáveis pela morte do professor (desde o início do ano tenho postado várias notícias de violência ente alunos-alunos e alunos-professores neste blog), haja vista que poucos docentes não foram vítimas de indelicadezas, desrespeito, ameaças, agressões físicas, fofocas, humilhações e violências com "s" no final. O nosso calar é o início do falar do outro. Um falar corporal com duras consequências e ressonâncias sobre o corpo docente. É óbvio que nenhum educador espera alunos ideais e professores padronizados que operam tal como trabalhadores da famosa linha fordista de produção. Mas é desnecessário abrir mão da tolerância, da generosidade e da alteridade nos ambientes educacionais que há tempos vem se transformando em "clubes da luta", locais nos quais se operam no silêncio, nas fachadas e no cinismo. Infelizmente, tais relações não foram capazes de livrar Kássio Vinícius Castro Gomes, um professor casado e pai de dois filhos, um de quatro e outro de seis anos.
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* - É mestre em sociologia e doutor em Ciências Humanas pela UFMG. Professor na FAE (Faculdade de Educação) da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais).