Sobre modelos e atrizes

Montaigne escreveu que não é sábio o sábio, nem justo o justo, se seu amor à virtude é exagerado. O exagero vem sendo o mal desse século, que mal começa. Do século XXI e do exagero temos um tema central: as celebridades e o culto que lhes prestam. Como um mal infeccioso, jovens moças (não abordarei os rapazes), por mais diferentes que sejam, almejam a profissão de modelos ou atrizes. Nada contra as duas profissões, mas há um exagero no número de pessoas que se candidatam e nas exigências que se submetem.

Em nosso tempo, a beleza, com um padrão de corpo e a formosura de rosto, cada vez mais européia, tem sido um requisito básico para a profissão de modelos e atrizes. Por isso, o culto à eterna juventude faz com que as jovens candidatas usem cada vez mais produtos de beleza e remédios para emagrecimento. Viciadas desde cedo a elementos externos, algumas se submetem a plásticas, lipoaspirações e mudanças radicais no biótipo. O corpo é sempre um objeto de trabalho, bem hidratado, bem bronzeado e bem malhado. Elas alimentam-se pouco e sobem várias vezes ao dia na balança. Todas se culpam quando pelo espelho enxergam uma espinha no rosto ou, sobem um grama do peso ideal.

Sobre as modelos, sejam de passarelas, fotográficas ou de qualquer outro gênero, todas são conscientes que, em breve, serão substituídas por um novo rosto, uma nova tendência de pele, uma mais nova concorrente. Por isso, elas também querem ser atrizes. Desesperadas, procuram mostrar talento seja no teatro ou nas telas de televisão. Elas querem provar que seu valor vai além das passarelas e por isso querem estudar jornalismo, pois se falharem como atrizes, quem sabe apresentar um jornal?

As jovens candidatas, a modelos e atrizes, vivem pedindo, como mendigas, à suas agências e diretores, que as consigam um teste, de modo que possam mostrar que são capazes de trabalhar e assim realizar seus sonhos de celebridade. Quase sempre os testes terminam em cantadas sórdidas que não raramente são aceitas e a partir daí o sonho (pesadelo) começa ou termina de vez.

As candidatas estão sempre em baladas, shows, festivais, eventos, premiações. Nesses ambientes, sempre se encontram com pessoas bonitas, famosas, bem sucedidas, mas, também, encontram pessoas extravagantes, frustradas e mal humoradas que jamais dizem uma palavra gentil. Nossas jovens sempre demoram a entender que é com a pior parte dessa gente que elas vão conviver nessa atividade.

A família dessas candidatas a celebridade nem sempre é de acordo com a profissão, por isso, elas têm pressa e podem até se entregar cedo demais à volúpia e a companhias que, com promessas ilusórias, nunca as ajudará a realizarem seus sonhos. Seus namorados têm ciúmes, mas se controlam, porque faz bem ao ego deles estarem com uma profissional da moda e ou da mídia. Suas amigas as invejam secretamente, suas inimigas esperam suas quedas.

Freqüentam todas as festas que são chamadas, se comportam como se já fossem celebridades, cuidam da imagem, fazem poses, cedem a convites imorais, riem com educação, vão ao banheiro discretamente. Algumas experimentam álcool, outras vão além... Pagam suas despesas, postam suas fotos nas redes de relacionamento, escutam histórias sobre anorexia, casamentos e luas de mel luxuosas. Sonham com um jogador de futebol ou um ator, diretor, que seja...

Pobres moças! Saíram da infância diretamente para o mundo da moda, do glamour, da superficialidade, da crueldade. Quando perguntadas sobre os planos para o futuro, têm sempre uma resposta, mas nem sempre uma certeza. Perdidas do caminho, não sabem se são modelos, atrizes, admiradas, desejadas, amadas. Quando não há um teste pela manhã, sessão de fotos à tarde, uma festa em que precisam estar presentes para serem vistas, entram em depressão.

A moda, o palco, a televisão, o cinema, coloca essas jovens na genuína solidão pós-moderna, são a ponte de ligações entre elas e seus imaginários. Imaginário é uma dimensão que existe no homem paralelamente ao real, o elemento vivo das pessoas, seu motor. Aquilo que as faz ter vontade de viver não está no real, no cotidiano, no mundo do trabalho, mas no imaginário. A profissão de modelo e atriz é a forma mais desenvolvida de dinamizar esse imaginário. Ela é a maior produtora de desejos e fábrica de sonhos.

As jovens que se aventuram nesse caminho, pensam que podem ser celebridades e podem até ser. Mas em meio a tanto exagero, será que algum dia, por se acreditarem boas atrizes ou modelos, descobrirão, quem elas são de fato? - Ora, a grande verdade e mistério do ser humano é conhecer-se a si mesmo, aceitar-se e ser no exterior o seu interior.

Exagerar na aparência, na pressa, num comércio, ainda que lícito, do corpo e da beleza, para a alma, é beber uma futura condenação já em vida.

Durval Baranowske

Bara
Enviado por Bara em 07/12/2010
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