UMA TELA, UM TECLADO E A SOLIDÃO
José Neres
O educador português Roberto Carneiro defende a ideia de que vivemos hoje o momento da morte do tempo e da distância. O sociólogo espanhol Manuel Castells lembra em seus trabalhos que estamos em uma sociedade em rede, com a internet tornando-se a cada dia mais importante na vida de todos. O pensador polonês Zygmunt Bauman alerta sobre a liquidez das relações na sociedade contemporânea. O que parece apenas um amontoado de teorias, sai do âmbito acadêmico e invade a cada dia nossa realidade e se torna evidente em todos os lares.
Uma tevê enorme ocupa o lugar de destaque em nossa sala. As pessoas, mudas entre si, convergem o olhar rumo à tela iluminada. O silêncio de palavras parece não incomodar tanto as pessoas que, quando ligam o aparelho televisivo, parecem desligar automaticamente o senso crítico e convertem um entretenimento, que deveria ser momentâneo, em razão principal da vida.
Em seu quarto, isolado da família e do mundo, um adolescente se diverte com as inúmeras possibilidades do videogame. A cada temporada, uma nova versão do jogo faz acender o desejo de atualizar um acervo que nunca satisfaz ao seu proprietário. Perdido no meio de milhões de cores e de imagens altamente elaboradas, o jovem não vê a vida passar, não percebe que não é apenas lá fora que o tempo está passando.
Em outro cômodo da casa, um garoto, uma garota, um adulto ou mesmo uma pessoa que beira ou já frequenta chamada terceira idade, mantém uma animada conversa online com seus amigos virtuais. Às vezes, na solidão de um quarto, a pessoa conversa com alguém que esteve a seu lado o dia inteiro, mas não recebeu nem mesmo um simples bom dia. As amizades virtuais ganham a cada dia uma importância maior que o sorriso franco, um abraço fraterno ou um aperto de mão. A intermediação de um computador conectado à grande rede tem o poder de transformar pessoas frágeis em verdadeiras máquinas de conquista, de diálogos cifrados, nem sempre inteligíveis.
Com a popularização dos computadores portáteis (netebooks e notebooks), os trabalhos inacabados, que antes ficavam no escritório, agora são levados a tiracolo para casa e chegam mesmo a dividir espaço com pratos, copos e talheres na mesa de jantar da família. As conversas do dia são substituídas pela mudez de quem se divide entre os alimentos e as tarefas que devem ser concluídas antes de outro turno de trabalho começar oficialmente. Tudo isso sem se dar conta de que hoje as jornadas laborais não têm mais começo nem fim, apenas um todo contínuo que se mistura com a própria noção do viver.
No império do LCD, até as imagens fotográficas, que antes serviam para recordar os bons momentos da vida, agora têm como função principal alimentar as páginas de relacionamento. Mas não se trata apenas de uma substituição de suporte – do papel para o computador – e sim de uma narcisística mudança de atitude, em que a vida tem de ser exposta não apenas com o fim de mostrar por onde o dono do perfil passou, ou o que fez, mas sim para despertar o desejo ou a inveja em outros que não tiveram as mesmas oportunidades, que, por sua vez, respondem postando fotos que mostram que também estiveram onde o outro não pôde estar, e assim uma silenciosa batalha de imagens de desenrola no universo virtual.
Nas páginas de relacionamento, o número de amigos virtuais torna-se um termômetro de uma popularidade que às vezes não tem correspondência no mundo real. Os mil e tantos “amigos” conquistados por uma simples mensagem pedindo para ser adicionado nem sempre estão disponíveis para ouvir (ou ler) as queixas e as dores de alguém trancando em um quarto e que nem sempre tem coragem de abrir a porta e conversar de verdade sobre seus anseios com as pessoas próximas.
No mundo contemporâneo, no qual a instantaneidade se tornou o foco das relações, o homem conseguiu diminuir os espaços, modificou a noção de tempo e se conectou ao mundo por meio de aparelhos portáteis (de preferência sem fios), mas também entrou no paradoxo de sentir-se sozinho no meio de uma multidão de outros solitários sentados diante de uma tela.