EDUCAÇÃO HOJE

Prof. Leonardo Lisbôa

“Tipo assim...”

Que tipo de jovem se comunica assim?

A cada geração a juventude adquire características diferentes das precedentes. São as gírias, a moda, as atitudes, a maneira de se comunicar, a imagem, como um todo, enfim. Enquanto a nova geração possui um colorido vivo, parece que as anteriores vão se tornando amareladas no álbum de fotografia da humanidade.

Falar das gerações jovens que se sucederam na evolução do tempo é muito complexo. Teria que se falar de uma infinidade de realidades sociais, geográficas, antropológicas diferentes.

Portanto, analisaremos aquela que está mais ligada a nossa atividade profissional enquanto educadores, os educandos. Os alunos de hoje, enquanto, no tempo passado, nós também discentes.

Usar a expressão “Tipo assim” é usual no meio jovem desta geração que está aí para introduzir qualquer sentença quando a comunicação de alguma idéia em diálogos é introduzida. Exemplificando: quando duas garotas estão conversando e uma pede para a outra descrever o garoto que ela está ‘ficando’. A que foi interrogada inicia a sua fala desta maneira: - “Tipo assim, ele é o maior gato”. Se fosse a geração contemporânea a nossa, certamente o início da conversa seria: - “Mora, bicho, ele é jóia”.

O tempo muda, as gerações se sucedem e os modos e meios educacionais se transformam. E entre nós professores parecem que ou há uma dificuldade para entender esta dinâmica ou há um saudosismo improdutivo. Por que quantos de nós não cobramos atitudes, posturas, ações da escola, do grupo de alunos, do sistema educacional, do governo por não entendermos esta transmutação da ‘coisa cultural’?! Ou porque queremos encontrar este conjunto todo que pertence ao pretérito no espaço do agora?!

A escola de hoje é diferente da escola na qual estudamos e da escola onde nós começamos nossa carreira de magistério.

Os alunos de hoje são diferentes dos nossos primeiros alunos e dos alunos que nós fomos¹.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, dizia que todos tinham direito à Educação que poderia ser nas escolas e no lar (referia-se, certamente, às séries iniciais). Nós estudamos nos chamados Grupos Escolares, geralmente públicos, mas havia os particulares. Nossos irmãos mais velhos possivelmente estudaram o início do fundamental com alguma normalista de renome que mantinha, em sua casa, uma sala com carteiras e lousas (não se falava ‘Quadro Negro’ e muito menos em ‘Quadro-de-giz’). Após quatro anos de estudo nos Grupos Escolares ou com as ‘Donas Senhoras’ (D.Chiquita, D.Luiza e outros nomes – aqui vai uma homenagem às suas memórias) prestava-se concurso de admissão aos “Ginásios” (que posteriormente transformaram-se em Escolas Estaduais).

Para se fazer estes concursos, os juvenis estudavam durante um semestre ou um ano como reforço para enfrentar o que vinha pela frente. Nestes cursos havia a indicação de livros para cada matéria escolar. Assim havia um para Comunicação e Expressão, Matemática, Ciências e Estudos Sociais. Havia também alguma Antologia para leitura silenciosa e também oral coletiva na sala de aula e cópias manuscritas a serem feitas em casa. Constava da lista também algum Dicionário de Bolso para pesquisar a grafia e significado de vocábulos. Era o chamado Curso de Admissão (saudoso 1971 e minha homenagem agora a D. Nilza Gomes de Oliveira).

Tendo cursado a ‘Admissão’ (em analogia quase aos Pré-Vestibulares e um curso de transição entre a 1ª – 4ª e o ‘Ginasial’) prestava-se exames para se ingressar nos Ginásios Públicos. Grande parcela era eliminada, o que causava grande temor, porque aí os educandos interrompiam os estudos para ir trabalhar (se a família fosse mais carente), ou ingressava-se em curso ginasial em um Ginásio particular (se a família tivesse condição e nem sempre o melhor, pois trazia o estigma do ‘papai pagou, filhinho passou’).

Nos Ginásios e, depois de 1971, da 5ª a 8ª série, os exames mensais ou bimestrais, anuais e as chamadas Segundas Épocas (hoje seriam as recuperações finais) continuavam com o propósito de barrar os menos aptos, os tidos maus alunos. Se o educando fosse reprovado mais de uma vez na mesma série ele era jubilado da escola que freqüentava e, quiçá, da vida estudantil. Aí ele era chamado de incompetente e de ‘burro’. Quanto mal-estar, quanta ‘castração’ (e tem gente que acha que este tipo de educação deveria voltar)! Quantos estudantes foram alijados de prosseguirem os seus estudos e de conquistarem uma profissão ‘diplomada’ (é como se fossem sentenciados a uma vida menos digna)?

A escola deste tempo era a escola da memorização. Talvez ainda herança da época jesuítica em que os alunos passavam o tempo decorando os conteúdos para manter a mente ocupada. Da educação regida pelos religiosos é provável a origem de ditados populares como “cabeça vazia, oficina do diabo” ou “escreveu, não leu, o pau comeu”.

Os anos letivos regidos pelas Leis de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 e 1971 ainda trazem esta herança doada dos séculos anteriores. Os alunos tinham que memorizar tabuadas, conjugações dos verbos, datas, fatos e tudo mais que fazia parte dos conteúdos escolares. Os livros eram raros. Existiam, então, apostilas mimeografadas, anotações na lousa ou quadro negro, cadernos e ‘decoreba’ na ponta da língua! A finalidade era perpetuar o saber e o conhecimento enciclopédico entre ‘os mais capazes’, aqueles que tinham talento e paciência para ficar repetindo os tópicos até seus cérebros gravarem as ditas ‘verdades’. Aí vieram as calculadoras, o computador, a internet e tudo se fez novo. Memorizar para quê?

Naquele tempo escolar, estudar parecia algo impossível e intransponível para muitos. Uma minoria tinha êxito (como se dizia na época: conseguia passar pela peneira que separava o trigo da palha). Formar-se e conseguir algum diploma era privilégio de poucos que tinham dinheiro e/ou tempo para debruçarem-se em cima dos conteúdos disciplinares, passarem pelos concursos e exames e se manterem nos cursos.

No Brasil de agora a educação é obrigação do Estado, matricular os filhos em alguma escola é direito da família e estudar é... Estudar é opção ou capricho dos alunos? Parece que sim. Será que eles compreendem isto ou confundem o estudar com o ir à escola?

Hoje é indiscutível a facilidade para se estudar. Entretanto, a obrigatoriedade e o privilégio da educação pública geram uma oferta demais, o que causa desvalorização ou até desdém no olhar da família e do aluno pela escola. Ocorre praticamente a banalização do estudar, o quê antes era visto como objeto sacro-santo.

A expansão de cursos com licenciaturas jogou no mercado muitos profissionais da educação mal preparados. Alguns aproveitaram à chance de ter um diploma de nível superior e foram ser professores por falta de outra opção na vida.

Uma vez que toda criança e juvenil tem que estar na escola dos seus 7 aos 14 anos de idade pelo Estatuto da Criança e Adolescente (o ECA), a escola passou a ser confundida como espaço para se colocar estes menores e muitos mal preparados, mal nutridos e com déficit de atenção. A escola passou quase que de lugar para se ter educação informativa para ser Centro Social Recuperador que supre as funções da família.

Desta maneira o papel do educador tornou-se quase que de um assistente social, psicólogo, terapeuta ocupacional, pai, mãe, tio no processo ensino/aprendizagem além de ter que ministrar seus conteúdos com excelência.

Antes, a escola que era exclusiva para os alunos tidos como talentosos e normais deparou-se com a inclusão. Ou seja, é espaço aberto que tem que abarcar todos os jovens e adolescentes indiferentes às suas dificuldades e particularidades. Porém os professores não se sentem preparados, muitas vezes, para trabalhar com tanta diversidade de natureza diferentes dos chamados alunos padrões.

Na obrigatoriedade que se tornou a educação pública de qualidade, o governo lançou o Plano Nacional do Livro Didático para fornecer este instrumento básico a nível de ensino fundamental e médio. Portanto, se antes era oneroso para as famílias comprá-lo, agora todos têm acesso a ele. Mas será que nossos jovens reconhecem esta grandeza de bem público? Muitos não o valorizam: não os levam para a aula, quando os recebem no início do ano não cuidam deles, muitos mal os abrem para lê-los ou pesquisá-los. Por que esta atitude? Talvez, porque o celular, os jogos virtuais, os bate-papos da internet são mais valorizados por estes adolescentes, tipo assim...

Se antes as avaliações eram puras verificações internas da escola que privilegiavam a memorização, percebe-se hoje a tendência de elas, as avaliações, se tornarem exames externos para o governo averiguar seu investimento na educação. Sendo assim, dá para entender o sentido das aprovações continuadas (o futuro mostrará suas benesses e suas mazelas). Há uma indicação de que, provavelmente, avaliações como provas e testes mensais, bimestrais desapareçam do cotidiano escolar e se estabeleça exames externos do governo como já é com a aplicação do SIMAVE, ENEM e Prova Brasil².

Então, se antes a escola procurava ‘peneirar’ o aluno, separando o joio do trigo, hoje o incentivo é promovê-lo. Haja vista o sistema de Recuperação Paralela, Parcial e Dependência. O objetivo é um só: transferir o educando de uma série a outra, de um ano

a outro. Aí os professores se assustam, se revoltam e se angustiam com seus questionamentos e tudo mais. Enfim, concordamos que reter este ou aquele aluno não faz mais sentido, pois estamos remando contra a correnteza e este aluno reprovado só perturbará no ano seguinte (sua idade cronológica, por exemplo, desentoará dos alunos novatos e ele certamente servirá de mau exemplo aos que estão em harmonia com a idade cronológica e a série escolar).

Foi-se o tempo da chamada ‘recuperação pedagógica’ para despertar no educando o senso de ter que estudar e comportar-se convenientemente. Acabou-se a Era de que a Escola é para todos, mas nem todos são para a Escola.

O Século XXI inaugurou-se com a Escola Inclusiva e Promotora da auto-estima e da aceitação social de todos. “Tipo assim...”

Conclui-se que não podemos exigir de nossos alunos de hoje o aluno que fomos no Século XX. Os tempos mudaram. Que saibamos tirar vantagens do bom que as novas gerações possuem e nos estressarmos e nos culparmos menos (mora bicho, e então tudo ficará jóia, pô meu!).

Notas:

As diferenças entre os alunos dessas épocas são reflexos, certamente, de diversos fatores, entre eles as Leis de Diretrizes e Base da Educação de 20/12/1961, Lei 4024; 11/08/1971, Lei 5692 e de 20/12/1996, Lei 9394.

²Simave – Sistema Mineiro da Educação Pública instituído pela Secretaria de Estado da Educação.

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio instituído pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC).

Prova Brasil – Avaliação que compões o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica. É desenvolvida e realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inesp), autarquia do Ministério da Educação (MEC).

BIBLIOGRAFIA:

1) BRANDÃO, Carlos Rodrigues – O que é Educação – Col. Primeiros Passos – 33ª ed. SP.

2) FREIRE, Paulo – Pedagogia do Oprimido – 12ª ed. RJ. – Paz e Terra, 1993.

3) LUZURIAGA, Lorenzo – História da Educação e da Pedagogia – Atualidades Pedagógicas – Companhia Editora Nacional – 1981.

4) RIBEIRO, Maria Luisa Santos – História da Educação Brasileira – A Organização Escolar – Campinas, SP – Autores Associados, 1993.

5) SANT’ANNA e MENEGOLLA – Didática: aprender a ensinar – Técnicas e Reflexões pedagógicas para formação de formadores – Edições Loyola, 7ª ed. – 2002.

6) BRASIL, Ministério da Educação, Secretária de Educação Médio e Tecnológica – Parâmetros Curriculares Nacionais – ensino médio – 1999.

TEXTO 05 - CADERNO: VOLTANDO PARA CASA

Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 14/10/2010
Reeditado em 03/10/2012
Código do texto: T2556567
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