Animais “Úteis” X Humanos “Inúteis”
Animais “Úteis” X Humanos “Inúteis”
Luiz Eduardo Corrêa Lima
(Professor Titular da Faculdade de Biologia da FATEA/Lorena/SP)
Nesta semana, mais uma vez eu tive a infeliz oportunidade de presenciar, num trabalho que pretensamente deveria ser de Educação Ambiental, uma professora falando com um grupo de alunos de Ensino Fundamental, sobre um assunto que eu pensava que já estivesse sendo tratado de maneira diferente nas escolas. Na situação em questão, a professora falava aos alunos sobre os “animais úteis” ao homem, o que é um fato lamentável e que, pelo visto, ainda há muita gente pensando, e o que é pior, ensinando assim às crianças.
Historicamente, desde o momento em que cada ser humano nasce ele é levado a entender que há alguns “animais úteis” e outros que não são úteis. Mais tarde, quando a criança entra na escola, lamentavelmente esse ensinamento errado é reforçado pelos professores nas séries iniciais de sua formação. Ora, se alguns animais são úteis, isso implica em que outros animais sejam necessariamente considerados inúteis. Essa é uma conclusão lógica e simples. Alguns ainda vão mais longe nessa conclusão e pensam assim: “já que esses animais são inúteis, então vamos acabar logo com eles”.
Pois é, ao longo do tempo, muitas das diferentes civilizações humanas fizeram efetivamente isso, ou seja, trabalharam para destruir e matar todos os animais que eram considerados inúteis e tentaram aumentar a capacidade reprodutiva e ampliar as populações daqueles que eram entendidos como úteis.
Partindo do pressuposto acima, o que pode ser considerado é que grande parte dos homens tem procurado se aproximar cada vez mais dos “animais úteis” e se afastar o mais possível dos “animais inúteis”. Por exemplo: historicamente supervalorizamos as galinhas que nos interessam (são úteis), pois nos fornecem principalmente carne e ovos, além de outras coisas de menor destaque diretamente e sub-valorizamos os gambás que não nos interessam, porque não nos fornecem aparentemente absolutamente nada tanto direta quanto indiretamente.
E se o gambá em questão, por acaso, resolve comer algumas galinhas, aí é que a coisa fica mais feia e desanda de vez, porque desta forma, o gambá, além de inútil, passa ainda a ser visto como um inimigo cruel, que come as pobres galinhas amigas. E o que é pior, ganha o “status” de “animal nocivo”, que é bem pior do que inútil. Assim, ele é muito mal visto e por isso mesmo é caçado e destruído sem nenhuma cerimônia e sem nenhuma justificativa. Isto é, apenas por ser um gambá.
Considerando que a Educação Ambiental é hoje a expressão de ordem nos projetos educacionais é inadmissível que ainda existam professores com essa visão errada da realidade natural e passando e reforçando esse tipo de informação aos seus alunos. Esse fato é pior ainda, quando se está num país de mega-biodiversidade. Aliás, sempre é bom lembrar, que o Brasil é o país que detém a maior Biodiversidade do planeta, com cerca de 20% das espécies vivas da Terra. Ou seja, para quem pensa em utilidade dos animais, países como o Brasil têm muito animal inútil.
Essa questão de utilidade dos animais, que nem de longe pode ser considerada verdadeira, foi por mim abordada num trabalho que publiquei há precisos 13 anos atrás (LIMA, 1997), mas parece que ninguém leu, ou ninguém estava muito interessado nesse assunto, pelo menos naquele momento, porque de lá para cá nada mudou. Talvez, naquela época a Educação Ambiental ainda não estivesse na “moda”. Porém, hoje, não dá mais para entender que as escolas primárias continuem falando em animais úteis e inúteis para as crianças, principalmente quando se enfatiza a necessidade de destaque e apoio à Educação Ambiental através de todas as formas pedagógicas.
Naquele artigo, eu já dizia que: “é preciso mudar essa mentalidade drástica de que os animais são bens da natureza doados por Deus ao homem, para sua utilização”. Certamente esse trecho especificamente ninguém leu, ou se alguém até leu, então deve ter pensado que eu era mais um louco blasfemando contra Deus. Que fique claro: não sou contra Deus e nem estou louco. Entretanto, eu insisto que temos que abandonar essas idéias de “animal útil” e de “animal nocivo”, o mais rápido possível, principalmente nas escolas de ensino fundamental. Esse é uma atitude preponderante para que possamos produzir homens melhores, no que diz respeito ao relacionamento com os demais organismos vivos e para que possamos tratar a todos, particularmente os animais, como sendo organismos fundamentais ao desenvolvimento e à manutenção da vida no planeta.
Todas as espécies animais e também vegetais, sem exceção, são de alguma forma importantes para o planeta, senão a natureza não as teria selecionado evolutivamente e assim elas simplesmente não existiriam. Desta maneira todas elas são necessariamente úteis, independentemente do grau de relacionamento ou de proximidade que possam ter com os seres humanos ou mesmo dos benefícios que possam produzir para a nossa espécie. É isso que precisa ser dito, ensinado e reforçado cotidianamente às nossas crianças nas escolas.
Essa nossa antiga conceituação sociológica de que existem animais úteis e inúteis precisa ser esquecida e apagada de uma vez por todas dos planos de ensino escolares. É preciso que as crianças sejam mais bem esclarecidas, para que se possa evitar problemas mais sérios no futuro, principalmente no que diz respeito às espécies ameaçadas de extinção, as quais se forem mesmo consideradas “inúteis” se extinguirão muito mais rapidamente, pois o homem pensando na sua inutilidade trabalhará no sentido de exterminá-las. É óbvio que esse fato, se vier acontecer, trará consequências ecológicas drásticas. Talvez devêssemos arrumar outra terminologia para tratar os “animais úteis”, por exemplo: “animais de interesse antrópico” ou “animais de particular interesse humano”.
De qualquer maneira teremos que conseguir outro mecanismo para determinar os animais que possam nos interessar mais prioritária e diretamente, porque nos fornecem alguma coisa de aplicabilidade imediata. Entretanto, teremos que fazer isso sem deixar de ressaltar a importância dos demais animais para a continuidade da vida no planeta, lembrando que não existem organismos vivos “inúteis”.
A meu ver, se existirem entidades biológicas inúteis aqui na Terra, devem ser apenas algumas formas de seres humanos que continuam pensando e agindo dessa maneira ignorante e ilógica em relação aos animais. Isto é, buscando padrões particulares de interesse nessa ou naquela espécie animal e assim ampliando as possibilidades de se dizimar as populações das demais espécies porque não encontram aplicabilidade antrópica imediata para as mesmas.
Referências Bibliográficas
LIMA, L. E. C., 1997. A Educação Ambiental e a Utilidade dos Animais: um Contrassenso Sociológico e Naturalístico, Ângulo, Lorena, (67): 6-8.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (54) é Biólogo (Zoólogo), Professor, Escritor e Ambientalista; é Membro Fundador da Academia Caçapavense de Letras e atual 1º Vice-Presidente; foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.