Da libertação e da autonomia
Conhecer os paradigmas, a manutenção e posse de determinadas cifras, as violações diárias e constantes dos direitos humanos, nos leva à denúncia, à constatação voltada à intervenção.
A forma como apreendemos o mundo está em constante processo de construção, desconstrução e reconstrução.
Construção, pois o mundo não é, está sendo criado e desenvolvido neste instante, podendo estar de outra maneira.
Desconstrução, pois a denúncia dos mecanismos e instrumentos de perpetuação do status quo promove a elucidação e desmistificação de “eterna concretude” de tais estruturas.
Reconstrução, pois, ciente de que o mundo está sendo, ciente dos mecanismos de manutenção das estruturas, é possível e preciso reconstruir a sociedade, acompanhado do sonho, da utopia e do projeto libertador, voltado ao anúncio e à efetivação de uma nova realidade.
É válido o questionamento consciente e a auto-reflexão acerca do nosso papel, de todos e de cada um, na coletividade, nos espaços ocupados e também naqueles que ainda permanecem vazios.
Construindo-se consciente do inacabamento e em permanente desconstrução-reconstrução, é preciso uma postura ativa frente aos problemas sociais, um posicionamento de protagonista – e não de mero espectador -, optando pela rebeldia, transformação e libertação.
A realidade se faz por meio de escolhas e decisões: o caminho se faz caminhando. Sempre há mais de um trajeto. Durante o andar, é preciso romper com as correntes condicionantes, é possível mudar – uma vez que o futuro não é dado nem o mundo determinado. Existem várias formas de lutar.
Aos que optam pela caminhada cristã, a escolha pelos pobres é um compromisso social e bíblico, com o Evangelho e a vida de Cristo, norteado pela Fe. Estar em companhia dos oprimidos, junto a eles, é uma decisão de libertação – libertante e libertadora -, uma vez conhecidas as mãos que seguram as rédeas do sistema excludente e de dominação em que vivemos, e conhecidos também são os excluídos cujas mãos fazem o mundo, o qual, feito por eles, não é construído para eles, seu usufruto e existência.
Portanto, é preciso se manifestar e lutar contra a opressão coletiva, a exclusão e marginalização social; contra a injustiça e a negação da dignidade humana e; contra as situações opostas à vontade do Criador.
É preciso ver, compreender a opressão e questionar suas causas e raízes, se decorre da maldade do homem, do atraso econômico e social, da organização econômica da sociedade, com sua espoliação e marginalização.
É preciso julgar, à luz da Fé, o processo de opressão e libertação.
É preciso agir, se determinando o que é historicamente viável, analisando as forças existentes, as resistências e oposições, definindo estratégias e mobilizando o povo para a luta.
Ao universitário, por sua vez, a escolha pela prática extensionista é uma maneira de cumprir a função social da universidade. Elitizada, isolada, distante, o acesso e conhecimento nela produzido não são democratizados e, aqueles que sustentam financeiramente as bases universitárias (o povo), não são por elas resguardados e correspondidos, não visam a solução de suas mazelas.
A universidade não deve ter muros e, estes existindo, devem ter suas divisas rompidas, para que não haja separação entre sociedade e universidade.
Ora, o universitário, em suas diversas áreas de atuação, se inserirá e aplicará o saber produzido na coletividade, não podendo, por isto, estar distante dos problemas por ela vivenciados. É preciso e urgente se formar profissionais-cidadãos, sendo isto a cidadania: transformar a sociedade e não com seus problemas aprender a conviver.
Sendo assim, a extensão é uma maneira de somar àqueles que lutam, que sofrem, aos marginalizados e excluídos, aos pobres e oprimidos.
Em vista disto, é uma luta diária, compromissada com a libertação e emancipação – com a rebeldia, ideais de mudança e transformação, autonomia, luta que libertando se liberta também.
A educação é capaz de promover a construção, desconstrução e reconstrução da realidade oprimida. É preciso conhecer as comunidades socialmente vulneráveis, suas histórias, a forma como apreendem a realidade e esta os apreende, seus moradores e suas lutas, suas vivências e o seu português, o seu saber e suas violações.
É preciso criar vínculos e lhes dar voz. A educação é uma forma de intervenção no mundo, é preciso saber, isto é, estar ciente e consciente de seus direitos, suas ferramentas e instrumentos de atuação, para poder romper com as amarras de exploração e espoliação social que os prendem, para ser possível que se diga “nunca mais” para as violações, opressões e injustiças vivenciadas – para que todos possam, por fim, ser capitães de suas almas.
O exercício da alteridade é imprescindível, além do respeito ao conhecimento prévio e aquele decorrente das “vias de corpo”. Em condições de igualdade e horizontalidade, não deve haver distinção entre educando e educador, ambos aprendem e ensinam em um processo de construção dialógica e conjunta do conhecimento.
Deve haver a denúncia e o anúncio de um mundo cujas estruturas superem as relações de opressão vigentes, sendo vital que haja a utopia, a esperança e a justa-raiva como elementos essenciais da construção de um projeto de sociedade que promova a participação popular de sujeitos ativos e transformadores dos meios sociais em que estão inseridos.
Perguntas devem constantemente nortear as atuações de todos os indivíduos, não importa as bandeiras de luta e a caminhada tomada, desde que reste clara a opção pela transformação e pelos pobres oprimidos: Qual a ação que efetivamente permite ao oprimido superar sua situação desumana? Qual é a tua parte na libertação efetiva e integral dos oprimidos?
Descubra dentro de si e, principalmente, nos outros essas respostas. Afinal, coexistimos e o caminho se faz caminhando.