Walter Benjamin e “A Prostituição da Arte”

Resumo:

O Artigo apresenta duas realidades de dois pensadores de épocas distintas sobre a arte e suas novas formas de existência e propagação. A primeira sobre o viés das obras de arte diante das técnicas de reprodução, no ensaio A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica, por Walter Benjamin. A segunda trata da produção artística em prol meramente dos fins financeiros e mercadológicos discutido pelo psiquiatra e pesquisador científico Roberto Freire em seu livro Sem Tesão não Há Solução. E confrontadas com a realidade atual, onde a disseminação da arte é em larga escala.

Palavras chaves: Walter Benjamin, Roberto Freire, Escola de Frankfurt, Theodor Adorno, Max Horkheimer, Artes.

Introdução:

Walter Benjamin foi um filósofo contemporâneo e integrante da Escola de Frankfurt – instituição famosa por suas contribuições na área das ciências humanas (psicologia, sociologia, história, etc.) -- apesar de suas idéias nem sempre irem de congruência com as de Theodor Adorno e Max Horkheimer. Alem destes o instituto de pesquisa também contava com nomes como: Herbert Marcuse, Leo Löwenthal, Franz Neumann, Friedrich Pollock, Erich Fromm, Jürgen Habermas, Oskar Negt, Axel Honneth.

Como a maior parte dos pensadores da Escola de Frankfurt eram de origem judia a perseguição a seus membros era inevitável e viver com o medo do nazismo de Hitler para Benjamin, um alemão judeu, era muito perturbador. E no auge do regime ele, como alemães perseguidos, judeus e pesquisadores – que não compartilhavam o mesmo ideal genocida germânico -- começa uma peregrinação pela Europa e outros destinos alternativos como os EUA para fugir do terror nazista. Nisso começa também o que a pensadora alemã, Hannah Arendt – ela que assim como Benjamin era uma refugiada do pesadelo hitlerista – chama de “elemento de má sorte” que foi a estratégia de fuga que culminou na morte de Walter Benjamin. Após sair da Alemanha ele vai para Paris e entre os anos de 1939-1940, com os bombardeios seguidos em quase toda a Europa decide que Paris já não era mais seguro, mesmo sem nenhuma bomba cair sobre a capital francesa ele parte em busca de refúgio em Meaux, cidadezinha do interior da França.

A cidade era um ponto de concentração de soldados e alvo certo da artilharia alemã. Em uma fronteira entre a divisa de França e Espanha mais precisamente em Port Bou, Benjamin suicidou-se. Tomou durante a noite uma exagerada dose de morfina quando percebeu que as tropas alemãs e franquistas tinham confiscado seu apartamento em Paris e fechado a passagem para Espanha.

Walter Benjamin foi um crítico de arte. Alem de ser um dos primeiros intelectuais de formação acadêmica a tratar do cinema como modelo do novo paradigma de arte reprodutível que veio a dominar a cultura durante todo o século XX. Teses Sobre o Conceito de História (1940) e Paris, Capital do século XIX, são outras obras de relevância de Benjamin. Sua amiga Arendt, o definia com uma personalidade multifacetada.

"A sua erudição era grande, mas ele não foi um erudito; o seu trabalho tinha a ver com os textos e a sua interpretação, mas não era um filólogo; sentia-se extremamente atraído, não pela religião, mas pela teologia e pelo tipo de interpretação teológica segundo o qual o próprio texto é sagrado, mas não era teólogo e não manifestou especial interesse pela Bíblia; era um escritor nato, mas a sua maior ambição foi criar uma obra exclusivamente composta de citações; foi o primeiro alemão a traduzir Proust e Saint-John Perse, e já antes disso traduzira os ëTableaux Parisiensí de Baudelaire, mas não era um tradutor; fazia recensões críticas de livros e escreveu um livro acerca do barroco alemão e deixou inacabado um enorme estudo sobre o século XIX francês, mas não era um historiador da literatura; (...) ele pensava poeticamente mas não era poeta nem filósofo" (Arendt, Hannah, 1991, Homens em tempos sombrios, 91: 180)

Roberto Freire foi um médico psiquiatra e escritor brasileiro. Pesquisou temas diversos, em sua obra destacam os livros “SOMA, - A alma é o Corpo”, “SOMA, - A Arma é o Corpo”, “SOMA, - Corpo a Corpo”, obras que explicam a dialética da Somaterapia, Alem de “O Momento Culminante”, “Coiote”, “Cléo e Daniel”, “Ame e Dê Vexame”, “Os Cúmplices”, estes últimos romances. Formulou várias teorias em relação a vida, a liberdade e os desejos do ser humano, que pra ele mais eram direitos. Questionava o autoritarismo que permeia o conjunto das relações sociais, a família, as relações afetivas, a escola, os meios de comunicação de massa, o Estado e os partidos políticos. Acreditava que a despolitização das relações sociais e vivência da política sem paixão forjavam os alicerces do autoritarismo. Como médico psiquiatra revolucionou sua área incorporando pensamentos do anarquismo utópico e a premissa da descrença sobre os tratamentos psiquiátricos com pouca terapia e muito remédio.

Esses dois pensadores em determinado momento de suas vidas de pesquisa e estudos falaram de óticas diferentes sobre a arte e suas manifestações. Walter Benjamin ,em 1935, entendia que as técnicas de reprodução que libertam a arte para novas possibilidades, tornava o seu acesso mais democrático e permitia que esta contribua para uma -- politização da estética -- que contrarie a estetização da política típica dos movimentos fascistas e totalitários dominantes no momento em que ele escreve seu ensaio. Já Roberto Freire fala da arte e da beleza, na década de setenta e oitenta, onde a arte mais do que nunca vira produto de venda e visa meramente o lucro.

Em 1935 o mundo estava em plena 2° Guerra Mundial e vivendo a industrialização em pleno vapor, vivia-se também um sentimento de individualidade na sociedade com a afirmação do capitalismo. O Processo Tecnológico acontece com a invenção de máquinas e mecanismos como a lançadeira móvel, a produção de ferro com carvão de coque, a máquina a vapor, a fiandeira mecânica e o tear mecânico que causam uma revolução produtiva. Assim nascem duas novas classes sociais, os empresários (capitalistas) e o proletariado (trabalhadores assalariados).

Com as fábricas produzindo em série, surge à indústria pesada (aço e máquinas). Mostrando-se cada vez mais lucrativa este procedimento não demorou chegar ate as artes. E encontrou no Cinema um casamento perfeito. Pois neste contexto, deslumbrado com o “admirável mundo novo” que surgia em 1936, Walter Benjamin escreveu em seu ensaio “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica”, originalmente publicado em Francês na revista do Instituto de Investigação Social Zeitschrift für Sozialforschung. Como em seu ponto de vista a arte se transformaria com as novas e eficientes tecnologias de reprodução que nasciam. Em determinado momento de sua obra ele trata o assunto assim:

Pode ser que as novas condições assim criadas pelas técnicas de reprodução, em paralelo, deixem intacto o conteúdo da obra de arte; mas, de qualquer maneira, desvalorizam seu hic et nunc. Acontece o mesmo, sem dúvida, com outras coisas além da obra de arte, por exemplo, com a paisagem representada na película cinematográfica; porém, quando se trata da obra de arte, tal desvalorização atinge-a no ponto mais sensível, onde ela é vulnerável como não o são os objetos naturais: em sua autenticidade. O que caracteriza a autenticidade de uma coisa é tudo aquilo que ela contém e é originalmente transmissível, desde sua duração material até seu poder de testemunho histórico. Como este próprio testemunho baseia-se naquela duração, na hipótese da reprodução, onde o primeiro elemento (duração) escapa aos homens, o segundo — o testemunho histórico da coisa fica identicamente abalado. Nada demais certamente, mas o que fica assim abalado é a própria autoridade da coisa. (BENJAMIN, W. A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução, II, p. 7).

Benjamin acredita que isso gera -- desde que observadas às técnicas -- uma politização capaz de moldar o senso crítico daquele que observa. Ele defendia o processo, pois acreditava que a reprodução das obras de arte, possibilitaria uma penetração das artes em geral na maioria das pessoas que nunca teriam acesso a tais artes. Benjamin acreditava que houvesse não só a democratização da cultura e das artes, mas, sobretudo que estas pudessem colocar-se na perspectiva da crítica revolucionário. Ao contrário disso, Adorno e Horkheimer analisam que toda reprodução contribui para a perda de identidade da originalidade e está à disposição de uma elite que manipula aqueles que não possuem acesso aos originais, através de cópias feitas em série, conferindo a todas as cópias uma característica mercadológica, portanto, massificante.

A fim de se estudar a obra de arte na época das técnicas de reprodução. É preciso levar na maior conta esse conjunto de relações. Elas colocam em evidência um fato verdadeiramente decisivo e o qual vemos aqui aparecer pela primeira vez na história do mundo: a emancipação da obra de arte com relação à existência parasitária que lhe era imposta pelo seu papel ritualístico. Reproduzem-se cada vez mais obras de arte, que foram feitas justamente para serem reproduzidas. Da chapa fotográfica pode-se tirar um grande número de provas; seria absurdo indagar qual delas é a autêntica. Mas, desde que o critério de autenticidade não é mais aplicável à produção artística, toda a função da arte fica subvertida. Em lugar de se basear sobre o ritual, ela se funda, doravante, sobre uma outra forma de práxis: a política. (BENJAMIN, W. A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução, IV, p. 11).

Roberto Freire foi um médico psiquiatra e escritor brasileiro. Em sua obra “Sem tesão não há solução” o autor fala com muita lucidez e propriedade sobre assuntos como juventude, sexo, drogas, Liberdade, arte e tratamento psiquiátrico dirigido para jovens. O livro é dividido em três partes: 1° O Tesão é Nosso, 2° O Tesão Nosso de Cada Dia e o 3° O Tesão da Nossa Esperança. Poucas vezes no texto de Freire pode-se lê o termo “tesão” no sentido de excitação sexual, o termo é mais empregado no sentido de vontade, de um querer maior na vida, na liberdade e na realidade.

Walter Benjamim observou com exatidão as mudanças que o conceito de arte passava no começo do século XX, através do surgimento das técnicas de reprodução. Principalmente o fato de que aos poucos a obra de arte perdia sua aura de artefato singular disponível apenas a uma minoria que pedia um rito de aproximação próprio, para se transformar em um veiculo de promoção ideológica e tento sua autenticidade atada agora aos meios políticos que a vinculam. Com a mesma precisão, Roberto freire detectou que para o conceito de arte no ultimo quarto do mesmo século, já não se levava mais em consideração a aura da obra de arte e sim sua propaganda ideológica, sua autenticidade nas mãos de poucos e por fim o resto para os artistas, que sobrevivem da prostituição de sua arte.

Quando tratava da arte em seu livro, Freire se depara com a realidade em que vive, onde a arte deixa seu sentido principal para servir estritamente aos fins mercadológicos, ele disserta da seguinte forma:

O importante, pois, em relação à beleza, sobretudo nas artes, é não permitir que ela seja um obstáculo a si mesma. Refiro-me à idéia de que a perfeição signifique a antibeleza, que a perfeição represente a forma estática ou final da beleza, quer dizer, a sua morte. A arte, para mim, só pode ser entendida como um processo eminentemente revolucionário ou, em outras palavras, sinto que o objetivo da arte seria a destruição constante das etapas anteriores do seu próprio desenvolvimento. Assim, será sempre ela mesma, mas em permanente transformação evolutiva. O artista que se negar a isso será rapidamente consumido na etapa em que estacionou. Seus potenciais criativos secam e ele apenas sobrevive na prostituição de sua arte. “A arte e o artista podem ser prostituídos, mas a beleza não.” (Freire, Roberto. Sem tesão não há solução, VI, p. 89)

Nesta época efervesceram as artes Modernas e Contemporâneas, “A partir de meados das décadas de 60 e 70, notou-se que a arte produzida naquele período já não mais correspondia à Arte Moderna do início do século XX. A arte contemporânea entra em cena a partir dos anos 70, quando as importantes mudanças no mundo e na nossa relação de tempo e espaço transformam globalmente os seres humanos.” No fim do século 21, com o aperfeiçoamento dos computadores pessoais, o surgimento da internet e da globalização as artes se transformam em artefato mercadológico de fato. Sua reprodução e divulgação quase que inerente ao processo de criação. Surgem novas técnicas de reprodução da arte. MP3 para substituir os vinis, DvDs para as VHS e a pirataria. As técnicas de reprodução da arte, agora, tão evoluídas que estão à disposição de qualquer pessoa, são inimigas das grandes redes de comercio de arte, como grande gravadoras de discos ou produtoras de cinema. A arte de hoje pra ser viabilizada tem de se moldar a uma estética previamente determinada pra atingir um numero cada vez maior de espectadores.

Os grupos musicais contemporâneos têm toda uma equipe de especialistas trabalhando para montar e vender uma imagem específica para mirar um público alvo, o cinema compra idéias superficiais e banais apenas por elas estarem em evidência e assim gerarem mais lucro de bilheteria. A arte encontra-se no mesmo rebanho dos bem de consumo e se orgulha disso. Essa fusão lucrativa entre as artes e o capitalismo já antevia Adorno, por isso a critica tão forte em relação ao fascínio que as técnicas de reprodução causavam em Benjamin, o próprio Walter Benjamin já espera esta critica, ele estava auspicioso em relação ao socialismo soviético, que após a guerra fria findou-se. Adorno alguns anos mais tarde afirma "o capitalismo encontrou recursos em si mesmo que lhe permitiram adiar indefinidamente o colapso do sistema" Assim só lhe restava o pensamento negativo em relação a este processo.

Após uma passagem por momentos históricos e pontos de vistas diferentes sobre a arte e as suas técnicas de reprodução alem de seu flerte com o mercado e as intenções capitalistas. Hoje a arte tem seguido bem o curso inevitável dos avanços tecnológicos. O que aconteceu foi uma abertura maior ainda na definição de arte. Surge a ciberarte e os webdesign. Isso não sepulta as artes nascidas no século 20. “As novas tecnologias para a arte contemporânea não significam o fim, mas um meio à disposição da liberdade do artista, que se somam às técnicas e aos suportes tradicionais, para questionar o próprio visível, alterar a percepção, propor um enigma e não mais uma visão pronta do mundo. O trabalho do artista passa a exigir também do espectador uma determinada atenção, um olhar que pensa. Um vídeo, uma performance ou uma instalação não é mais contemporâneo do que uma litogravura ou uma pintura. A atualidade da arte é colocada em outra perspectiva. O pintor contemporâneo sabe que ele pinta mais sobre uma tela virgem, e é indispensável saber ver o que está atrás do branco: uma história. O que vai determinar a contemporaneidade é a qualidade da linguagem, o uso preciso do meio para expressar uma idéia, onde pesa experiência e informação. Não é simplesmente o manuseio do pincel ou do computador que vai qualificar a atualidade de uma obra de arte.”

O que lamentavelmente observamos é que o artista neste contexto de Indústria Cultural é apenas uma peça. Como Adorno antecipava e Roberto Freire foi testemunha ocular, a arte se consolidou um produto da indústria cultural que para se adequar aos anseios da cultura de massa deixa de lado a qualidade e fixa-se na quantidade. Daí a observação de Roberto Freire, o artista sobrevive da prostituição de sua arte. Porem a visão otimista de Benjamin fica como a tentativa de manter viva a esperança.

Referencias Bibliográficas :

Adorno, Theodor , 1970, Teoria Estética, Edições 70, Lisboa

Adorno, Theodor et al., 1985, Dialéctica do Esclarecimento, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro

Arendt, Hannah, 1991, Homens em tempos sombrios, col Antropos, Relógio díÁgua, Lisboa

Benjamin, Walter, 1992, Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, col. Antropos, Relógio díÁgua, Lisboa

Benjamin, Walter, 1936, A Obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, Ensaio publicado na revista do Instituto de Investigação Social Zeitschrift für Sozialforschung.

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SITE: HISTORIA DO MUNDO. Revolução Industrial: História da Revolução Industrial. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2009.

T F BARACHO
Enviado por T F BARACHO em 30/08/2010
Reeditado em 18/02/2013
Código do texto: T2468869
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