O QUE É LER NO MUNDO GLOBALIZADO
Em nossos dias de intenso processo de globalização Ler não pode mais ser compreendido apenas como o ato de decodificar signos, interpretar o que está escrito. O ato de Ler pode e deve inserir o cidadão ou ainda habilitá-lo ao exercício permanente da cidadania. Não se pode mais negar à Leitura seus aspectos sociais tais como: político e cultural.
A Leitura é política, pois através dela elegemos ou rejeitamos opiniões, representantes, situações e sentimentos. É através dela que se pode conhecer o pensamento do outro, entender suas ações e atitudes; perceber o mundo, senti-lo, e ainda propor transformações e mudanças que se julgam necessárias ao bem comum. Ler é conhecer de si, do outro, é se permitir por a par do mundo no mundo.
A Leitura é cultural. É lendo que o indivíduo percebe o mundo: esculturas, estátuas, pinturas, edifícios, música, paisagens, praças e pessoas. Ela traduz o pensamento de um povo que pensa, sente, movimenta-se, transforma-se, angustia-se, comove-se, pranteia, ri! É a Leitura dessas realidades que sugere atitudes mais tolerantes, e assim possibilita as transformações dos espaços, a fim de que haja acesso fácil e prático para todas as pessoas, independente de suas limitações físicas, psicológicas e etc.
Proporcionar inserção de pessoas no mundo da Leitura é permitir-lhes realizar sonhos e ainda deslumbrar novas possibilidades. Por isso, deve ser incentivada e promovida em todas as instituições públicas de maneira organizada, planejada e democrática. Sobretudo nas escolas primárias, pois quanto mais cedo for despertado o hábito da leitura melhor será o leitor.
A Leitura, principalmente a de textos literários – a poesia, por exemplo, permite que a criança desenvolva a criatividade, o imaginário, a noção de ritmo e de tempo e a sensibilidade. Infelizmente, a poesia não frequenta muito nossas salas de aulas, os motivos são muitos, e esse artigo não se propõe tratar sobre isso.
Como conseqüência dessa postura, tem-se um sem número de alunos desmotivados, com sua auto-estima no chão. Posto que não sonham, não são incentivados a sonhar, não são convidados a sonhar, são castrados ainda em sua primeira infância. Que tipo de adultos essas crianças serão? Adultos que também não sonham.
Problemas como reprovação, repetência e evasão seriam dirimidos, senão eliminados da realidade escolar se os educandos fossem motivados a ler, interpretar a coisa lida e ressignificá-la. E, certamente, no futuro teríamos um exército de adultos leitores, reais sujeitos de sua história.
Se para a criança o ato de ler é mágico, pois possibilita viajar por mundos, reinos, conhecer outras realidades, ou até mesmo conceber-se outra pessoa, para o adulto a leitura é uma importante ferramenta. Instrumento indispensável no exercício da cidadania, da autonomia e da inserção no mundo letrado. Uma vez que coisas simples de realizar para um leitor, como tomar um ônibus, fazer compras, ajudar os filhos ou irmãos mais novos com as tarefas escolares é praticamente impossível para um indivíduo não-letrado, um não-leitor da palavra escrita. O que o leva a depender do outro para realização de tarefas como as citadas acima.
Por isso o ato de ler não pode ser considerado apenas um ato pedagógico, mas um ato político de autonomia. Basta visualizar aquela pessoa que não viajava sozinha, agora alegre, pois, consegue ler o itinerário dos ônibus, o preço dos produtos no supermercado, o nome dos remédios que toma ou precisa dar aos filhos, etc. anotar as receitas culinárias, escrever suas próprias cartas, bilhetes, assinar documentos, entender o que colocam em sua frente, enfim.
Ensinar o indivíduo a ler a palavra escrita é abrir-lhe o mundo. Mundo que sempre esteve ali, mas como não tinha as chaves não podia entrar. Não tinha acesso. A escola contemporânea dá as chaves, mas não diz onde ficam as portas nem os caminhos de acesso. Como resultado, o que se tem é um sem número de crianças, jovens e adultos que não consegue interpretar o que lê, infelizmente.
Não é esse o tipo de Leitura que se defende aqui. A Leitura precisa ter sentido e, sobretudo, motivação. Precisa ter objetivo também. Não se pode simplesmente jogar o livro ou a folha impressa nas mãos do aluno, ou ainda encher o quadro de palavras e registrar no diário de classe “aula de leitura”. É fundamental que haja um projeto e muito planejamento.
Por que um Projeto? Como ele deve ser construído? E quanto ao palnejamento como e quando deve ser feito? Quem precisa estar envolvido? O que é necessário para sua confecção?
Planejar é pré-requisito para se desenvolver qualquer projeto e para se obter sucesso. No entanto, quando se trata de planejar leitura deve-se atentar, entre outras coisas, para alguns aspectos: culturais, econômicos, étnicos, religiosos – há quem trate religião dissociada de cultura – faixa etária, etc da comunidade na qual se pretende aplicar o projeto em construção. A fim de que os objetivos sejam alcançados e evitados quaisquer tipos de preconceitos.
Durante o processo de planejamento do projeto é importante que direção, coordenação pedagógica e o professor responsável por encabeçar o mesmo estejam juntos, para assim pensar as possibilidades de leitura que a escola oferece, a duração do projeto, em que momento terá início, sua abrangência: se será desenvolvido em uma única ou em todas as classes, etc.
O próximo passo depois do início do planejamento do projeto é convidar os demais profissionais da unidade escolar: professores, inspetores, bibliotecárias (os), zeladores (as), merendeiras e porteiros, a fim de apresentar-lhes a proposta e deixá-los a par das discussões feitas anteriormente, ouvi-los, colher opiniões, propor que participem ativamente do projeto. Cada um na sua função, mas todos linkados no mesmo propósito.
Em seguida, deve-se levar a proposta aos principais sujeitos dessa ação: os alunos. É necessário que se investigue junto a eles que tipo de experiência de leitura a turma já possui, para que se possa identificar de onde partir e prever aonde chegar. Aqui deve ser o gênese do projeto. Tudo que se fez antes desse momento é de suma importância, no entanto não é o projeto ainda. O projeto começará ganhar forma agora.
Agora o professor já poderá traçar objetivos, definir uma metodologia, uma problemática, construir uma justificativa, delimitar o tempo, bem como o assunto em questão, listar o material necessário, enfim poderá dar corpo ao projeto. E por que se aconselha fazer desse jeito?
É simples! Para entendermos melhor o processo pelo qual deve passar o Projeto antes de ser concluído é preciso ter em mente o que se disse anteriormente a respeito do envolvimento da escola como um todo. Entendamos agora a importância da participação do corpo administrativo no projeto.
É ele quem sabe das contas, do orçamento, da capacidade financeira da unidade escolar, etc. É também o responsável pela funcionalidade dos projetos na mesma. E, grosso modo, é o ‘dono do rebanho’. Teoricamente, se ele ler, os outros também lerão. Pelo menos é o que se espera.
Quanto ao corpo docente, serviços gerais e auxiliares de disciplina, de secretaria, e bibliotecários serão os responsáveis pela divulgação. A propaganda corpo a corpo surte melhor efeito. Aqui se usará o princípio ‘ensinar pelo exemplo’, o “façam o que eu faço!”. Para que o projeto tenha sucesso a escola precisa respirar, expirar e inspirar Leitura. E inspirar no sentido lato da palavra. As pessoas da escola precisam estar lendo, todos devem ser visto de posse de algum livro ou revista. As paredes, os corredores, as salas de reuniões, de aulas, de multimeios. Enfim, todos os espaços devem convidar, motivar e impulsionar o estudante à Leitura.
Em relação aos alunos, sua participação é o foco principal, dela dependerá o sucesso ou o fracasso do projeto. Por isso, ao sentar-se para ouvi-los o professor deve perceber suas necessidades, mas, sobretudo suas preferências, suas inclinações, dificuldades, suas habilidades e coadunar a proposta às reais carências da turma. Se o projeto for desenvolvido em toda a escola a triagem deve ocorrer por turma, separadamente.
É interessante não se desprezar a faixa etária do alunado. Assim fazendo, será mais fácil alcançar os objetivos propostos. Se tais detalhes forem negligenciados os esforços não bastarão. Uma escola motivada e empenhada na realização de uma tarefa como essa é de suma importância, mas só isso não resolve, como também não resolve pedir aos alunos que leiam se não há livros nem espaços adequados para, ou então não se disponibilizar livros que digam algo pertinente à determinada idade, por exemplo. Portanto, é fundamental atentar para esses pormenores.
Numa escola de educação infantil tem que haver revistas em quadrinhos, livros ilustrados, cd’s com cantigas de roda, músicas folclóricas, entre outras leituras: os clássicos, por exemplo, mas não só. Entrevistas com escritores locais também podem ser feitas. Saraus, recitais, teatro de bonecos – fantoches, etc.
Nas séries posteriores, quando o aluno ingressa na adolescência, deve-se lhe oferecer oportunidade de experimentar aventuras de leituras diversificadas, no entanto, para que ele seja um leitor daquilo que o professor espera, o professor deve respeitar aquilo que ele – o aluno – lê.
Diante disso, é necessário que haja revistas que interessam a esse público. Periódicos que tratam da vida dos astros da tv e do cinema, de horóscopo, de games, de aventura, de moda, esporte radicais, livros que tratem de sexualidade, preconceitos, romances, amizade, família etc. Afinal esse é o mundo deles. O que se quer é formar leitor, não discípulos nem vender esse ou aquele tipo de leitura. O que será feito daquilo que for lido é o que determinará o tipo de leitor que se terá no futuro. A maneira como cada tipo de texto for apresentado é que fará diferença.
Aqui a coordenação pedagógica torna-se mais indispensável ainda. Pois essa equipe será o pivô das próximas ações. Por se tratar de um projeto da escola e não desse ou daquele indivíduo, todos os sujeitos devem se programar para o lançamento do Projeto. Se for possível, com banda de música e serpentina! Orientados pela equipe pedagógica os responsáveis pelas turmas devem informar aos alunos no mesmo dia, no mesmo horário, simultaneamente. A coordenação orienta o corpo docente que se planeje para isso de maneira organizada e harmônica; apresenta o material disponível, distribui tarefas, delega funções e organiza o evento.
A escola inteira tem que ser informada no mesmo momento e por profissionais das diversas áreas do conhecimento, não se pode permitir que um projeto de leitura continue sendo ocupação apenas do(a) professor(a) de português. Leitura deve ser sempre uma atividade transdisciplinar. Por isso, quem estiver na sala deve fazer o lançamento. Caso o mesmo não se dê no pátio ou em outro espaço da escola, previamente anunciado.
Para concluir, vamos responder à pergunta: “E por que se aconselha fazer desse jeito?”. Podemos dizer que todos os esforços devem ser feitos no sentido de que a escola inteira esteja envolvida no Projeto. Tão absortos que será impossível alguém adentrar por seus portões, andar pelos corredores, visitar as salas e não perceber que aquela escola inspira ao sonho, à viagem, ao encanto, convida a uma leitura prazerosa. E isso só será possível se todos tornarem-se leitores, pois só um leitor pode formar leitores. Leitores não nascem prontos, são formados! Bons leitores principalmente.
Se a escola os quer precisa formá-los então. Não é surpresa pra ninguém que o ser humano aprende fazer fazendo. Experimentando! É assim que se aprende nadar, andar ereto, comer com talhares, jogar futebol. Não poderia ser diferente com a leitura. O aluno só aprenderá ler quando o professor se tornar ele mesmo leitor.
Mas se a escola que propõe ao aluno um projeto de leitura é dirigida e coordenada por pessoas que não lêem, o seu quadro docente é composto por professores que agem da mesma forma como poderá cobrar do aluno em formação que justo ele leia? Com quem ele aprenderá a desenvolver esse hábito? E como a direção e a coordenação cobrarão algo que elas mesmas não fazem? A máxima é ensinar pelo exemplo. O maior exemplo aqui é ler. Ler para que o outro aprenda vendo.
São ações como essas que despertam no outro o senso de cidadania. Pois conduz o indivíduo a aprender na prática a agir com autonomia, com planejamento, com sensibilidade; a perceber o outro, perceber o espaço do outro, a respeitar a vontade do outro, suas limitações; a ser mais tolerante e mais cidadão.
E assim fazendo a criança sente-se acolhida, o jovem percebe-se parte de algo, e o adulto descobre que para aprender não tem idade. Sente-se também acolhido, percebe-se parte de algo. E todos podem notar que o ato de ler é bem mais do que um fazer pedagógico, simplesmente. Decodificar signos, interpretar sentenças. É um ato transformador. Que o pode inserir no mundo globalizado. Por isso precisa ser incentivado mais, praticado mais. Compartilhado mais. Desejado mais.
Quando a escola para para ouvir o aluno ela dá-lhe voz, permite-lhe que goze do direito de falar, quando disponibiliza várias possibilidades de leituras ensina-o que a diferença existe e deve ser respeitada. Quando o diretor é surpreendido no refeitório lendo um poema o aluno percebe que pelo menos ali eles são todos iguais. Quando os portões da escola são abertos à comunidade e todos os seus funcionários a abraçam com uma poesia nos lábios todos percebem que ensinar deve transpor os muros de concreto.
Ensinar o outro a ler é colocar em suas mão a oportunidade de sonhar e de realizar sonhos, é compartilhar a alegria da descoberta. É democratizar o poder fazer, o realizar. É ainda, e, sobretudo, tornar o outro capaz de ir e vir livremente sem que as correntes da ignorância o privem da magia do caminhar, do correr, do pular, do cantar, do sorris. O ato de Ler no mundo globalizado é sinônimo de ser, estar e poder fazer. E NÃO se pode negar isso a nenhum cidadão.