Escrita: uma prática na vida do aluno de Educação de Jovens e Adultos(EJA)
Escrita: uma pratica na vida do aluno de Educação de Jovens e Adultos (EJA)
Autora: Solange Gomes da Fonseca
Os pressupostos teóricos de Vygotsky (1998), cuja contribuição tem sido valiosa no campo educacional, iluminam a discussão sobre o aprendizado da escrita na vida dos alunos de EJA considerando como um sistema de signos socialmente construídos e aproveitados pela experiencia de vida que esses alunos trazem consigo para o interior da sala de aula. Descrevendo o processo de apropriação da escrita como processo cultural, de caráter histórico, envolvendo práticas interativas e cotidianas.
A aprendizagem da escrita refere-se, pois, à aquisição de um sistema de signos que, assim como os instrumentos foram introduzidos pelo homem em resposta às suas necessidades socioeconomicaculturais concretas.
A escrita, então, não deve ser considerada como mero instrumento de aprendizagem escolar, na vida desses alunos jovens e adultos, mas como produto do meio cultural que vivem. Assim entendida, possibilita a exploração, no contexto da sala de aula dessa modalidade de ensino, explicitando os variados usos e funções que lhes são inerentes numa sociedade iletrada.
Apesar dos avanços significativos dos estudos sobre o processo de alfabetização, observa-se, em alguns casos, que a prática da escola parece distanciada da funcionalidade da escrita no contexto da sociedade e da realidade desses alunos de EJA, limitando-se aos usos mecânicos e descontextualizados.
Portanto, o que se entende é que a alfabetização na EJA transcende a mecânica do ler e do escreve, ou seja, a alfabetização é um processo historicosocial multifacetado, envolvendo a natureza da língua escrita e as práticas culturais de usos que os alunos jovens e adultos fazem no seu dia a dia.
O ato de alfabetizar não está centrado só no ler, escrever, falar sem uma pratica cultural e comunicativa, mas, sim num cenário socioeducacional, que estimula as práticas escolares diferenciadas, de uma forma ou de outra, que chegam à escola.
Os alunos de EJA, no transcurso do dia a dia vivenciam usos de escrita, percebendo que se escreve para comunicar alguma coisa, para auxiliar a memória, para registrar informações. E, que da mesma forma recorrem à escrita, através da leitura, para também obter informações e buscar entretenimento no mundo fora da escola.
É hora, então, da escola parar simplesmente de ensinar a escrita, para dar espaço a uma escrita dinâmica, explorando as idéias, ad emoções, as inquietações, escrevendo e deixando escrever o mundo do aluno de EJA.
Vale lembrar que dentro do contexto social e do contexto familiar desses alunos jovens e adultos ocorrem praticas e usos da escrita, de forma natural e espontânea, das quais eles participam direta ou indiretamente.
O letramento decorre dessa participação, da vivencia de situações em que o ler e o escrever possuem uma funcionalidade, uma significação. Onde os atos do cotidiano, corriqueiros de ler um jornal, redigir um bilhete, ler um livro, fazer uma anotação contribuem para que esses alunos percebam as diferentes formas de apresentação do texto escrito, bem como para que identifiquem seus diferentes sentidos e funções, e assim, elevem sua auto estima pelo valor da escrita.
Não podemos deixar de ressaltar, que a aprendizagem da escrita é, portanto, processual e se constrói em ritmo diferente em cada individuo. Assim, é natural que, numa situação de alfabetização, os alunos de EJA estejam em níveis diferentes de analfabetismo.
A luz dessa reflexão, convem lembrar que o aprendizado da escrita, na escola, coloca o aluno jovem e adulto diante de alguns dilemas referentes à natureza desse objeto cultural: a própria escrita.
No tocante à atitude do professor perante as “dificuldades” desses alunos na aquisição da escrita, via de regra, essas dificuldades relacionam-se as escritas ortográficas (trocas de letras, supressão de letras, hipercorreção) e costumam deixar o alfabetizador em estado de ansiedade por não saber como agir e, em determinados casos, lançando mão daquilo que a intuição lhe diz.
Essa pratica contribui para a desigualdade na escola, considerando que os alunos que encontram “dificuldades” permaneçam no mesmo ponto, sem muitas chances de avançar, para angustia de quem alfabetiza (o professor). Entretanto, as supostas dificuldades representam, na verdade, os níveis de compreensão de cada alunam em relação à escrita, que é o conhecimento potencial do aluno perspectivando um conhecimento real a ser construído.
As discussões feitas neste texto dão conta de importantes avanços nas produções teóricas a respeito do processo de alfabetização na EJA. Esses avanços estão a requer do professor alfabetizador num repertorio de conhecimentos relacionados à especificidade do processo de aquisição da língua escrita.
São conhecimentos que se referem tanto aos saberes concernentes à natureza da alfabetização, quanto à ação pedagógica nesta área de ensino.
Na verdade, sem a adequada formação, na ótica do professor para a lógica da escrita desses alunos passa a ser um erro.
No tocante a esse aspecto, dois pontos devem ser analisados com muito cuidado. O primeiro refere-se as praticas tradicionais de alfabetização e o segundo relaciona-se às praticas construtivistas ou socioconstrutivistas.
É importante, então, que o professor alfabetizador possa compreender a dinâmica da aprendizagem, percebendo o significado da pratica escolar na condução desse processo e no desenvolvimento das funções psicológicas desses alunos de EJA. De outro modo, a ênfase nos princípios da racionalidade técnica pode limitar a escrita a mera habilidade motora, fragmentando e fossilizando o saber escolar.
Do ponto de vista teoricometodologico, o fato do professor não esta preparado para o desenvolvimento das novas propostas, provoca sérios equívocos na pratica pedagógica do professor alfabetizador. Esses equívocos referem-se ao papel do professor na sala de aula, que em razão da aplicabilidade de uma nova proposta, sem a sua adequada preparação, termina por deixar os alunos jovens e adultos entreguem as situações espontâneas de aprendizagem, onde os alunos são na maioria das vezes, rotulados como “incapazes para o aprendizado”, pois a formação do professor de EJA não trabalha as competências relativas às especialidades desses alunos, não permitindo assim, o entendimento da forma de pensar e de construir o conhecimento dos adultos.
As dificuldades dois indivíduos no inicio do processo de aprendizagem da linguagem escrita podem ser grandes, mesmo para os que apresentam um perfil normal de desenvolvimento cognitivo.
No entanto, o que se percebe na pratica é que muitas pessoas, apesar de terem passado por experiências escolares e estarem inseridas numa sociedade letrada, ainda não adquiriram as competências básicas para o uso da língua escrita. Assim, saber escrever é uma das capacidades indispensáveis para a adaptação e integração do individuo no meio social. Entretanto, para um grande numero de pessoas trata-se de uma tarefa difícil, elas não conseguem ser alfabetizadas ou acompanhar o processo de ensino que é formado na EJA.
Conhecer é sempre uma ação que demanda esquemas de assimilação, num processo constante de reorganização que é fruto da atividade daquele que interage com o mundo, como é o caso do aluno de EJA, com suas dificuldades e limitações.
Vivemos num mundo repleto de escrita. Desta maneira, não podemos supor que nossos alunos cheguem à escola sem conhecimentos sobre ela, precisamos avaliar o que eles já sabem sobre a escrita e mediarmos a apropriação ou a estruturação da mesma, de forma sistemática.
A escrita é um processo de construção mental, onde o educando vai construindo seu conhecimento, conforme a mediação do professor, ou conforme sinta necessidade de fazê-lo.
Devemos primar em esclarecer aos alunos a função pratica da escrita, a fim de que eles possam sentir essa falta, essa necessidade de aprender. Mais ainda, oferecer condições para que o educando possa desenvolver seu conhecimento, e não apenas ser um reprodutor de signos, sem significados para o aprendizado da escrita.
Diante do exposto, percebe-se que deveria haver mais flexibilidade em relação ao tempo para ser trabalhado na EJA. Pois, a alfabetização de jovens e adultos tem um tempo curto de programação, ou seja, alfabetizar e sistematizar conteúdos, sabendo que esta é uma clientela mais difícil de ser trabalhada, devido toda sua historia de vida e de fracasso escolar já vivido.
Infelizmente, temos que trabalhar no mesmo regime criado para a educação regular, que já é deficitária e não consegue corresponder às expectativas, quanto mais para a EJA repleta de especificidade que precisam ser consideradas. Do contrário, estaremos fadados ao continuo que assola a educação brasileira.