Novos rumos para o ensino da Língua Portuguesa no Brasil
Diante dos pífios resultados obtidos pelos alunos brasileiros em exames que aferem as competências de leitura e interpretação de texto, nacionais ou internacionais, torna-se mister uma reflexão sobre o ensino da Língua Portuguesa no Brasil.
Em um país de dimensões continentais como o nosso, em que convivemos com uma realidade étnica cultural multifacetada, qualquer solução simplista e unilateral deve ser descartada prontamente.
A abrangência do tema deve privilegiar discussões sociológicas, filosóficas, políticas, metodológicas, mercadológicas entre tantas outras quê, direta ou indiretamente, influenciam no conceito de Educação.
A tradição tem nos legado um ensino fundamentado quase que exclusivamente na Gramática Normativa.
Tal ensino tem se mostrado insuficiente e ineficiente na consecução dos objetivos propostos pelos PCNs e afins.
A discussão sobre o fracasso de nossos alunos saiu das Academias e ganhou espaço nos jornais, revistas e programas de Tv.
Criou-se o mito de que brasileiro não sabe falar Português e que o Português é difícil.
O fomento de tais “sandices” por mídias descompromissadas com a questão educacional traz conseqüências gravíssimas à Educação, uma vez que, tais mídias, desfrutam de uma abrangência e credibilidade junto às comunidades as quais se inserem.
A despeito dos progressos obtidos pela Lingüística e pela Etnografia, os discursos midiáticos desautorizam o falante natural e incentivam a celeuma entre gramáticos e linguistas.
Aliados a uma lógica perversa de mercado, que serve de simulacro do preconceito social disfarçado em preconceito lingüístico, movimentam milhões com vendas de Gramáticas, CDs e DVDS, consultorias e promovem “gurus” do Português correto.
Lembre-se que isso tudo fundamentado em conceitos preconizados pela Gramática que adquiriram status de dogma, em que qualquer questionamento é tomado por heresia sendo sumariamente condenado a arder na fogueira inquiridora dos tais “gurus” que com o dedo em riste afirmam taxativos:” Brasileiro não sabe falar Português”.
O presente ensaio não tem a pretensão de ser a solução para os problemas acima mencionados, uma vez que já foi levantado o caráter multifacetado da questão educacional e as diversas áreas do saber implicadas em sua solução.
Tampouco se pretende apontar culpados, antes, porém, pretende ser uma contribuição, ainda que ínfima na busca de soluções que tenham sempre como “Norte” os nossos alunos.
Em defesa deles é que devemos superar diferenças, congregar esforços e arregimentar voluntários nas diversas áreas do saber que militem em prol do desenvolvimento pleno de nossas crianças e jovens e de sua inserção em uma sociedade cada vez mais elitista e excludente que toma para si os bens culturais em detrimento de milhões que permanecem expropriados destes bens comuns.
A verdadeira revolução se concretizará através da Educação. Refiro-me não a uma revolução política ou ideológica, antes sim, a uma superação do homem por si mesmo e sempre com o fito no bem estar comum e com o comprometimento na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
“Melius est reprehendunt nos grammatici quam non intelligant populi”
(“Melhor sermos repreendidos pelos gramáticos do que não sermos entendidos pelo povo”)
Santo Agostinho (354-430)
Em que se baseia a Gramática? Os conceitos ali expostos se fundamentam em quê? Quais os pressupostos históricos que contribuíram para a sua aparição e a alçaram ao status que hoje desfruta?Estas e outras questões serão abordadas nas páginas seguintes.
Capítulo um: Um pouco de história...
Os estudos gramaticais datam de aproximadamente 2000 AC entre os babilônicos. Há ainda registros entre os hindus e os chineses por volta do século IV a.C.
Entretanto, a Gramática como a conhecemos originou-se da cultura greco-romana.
As reflexões que faziam da linguagem surgiram de diferentes fontes, tais como as práticas políticas e jurídicas que exigiam domínio da fala em espaços públicos, uma vez que, na democracia ateniense e na república romana, eram comuns os debates acirrados.
Diante da necessidade de dominar a fala para uma correta sustentação de argumentos, nasce a retórica, que se dedicava ao estudo da língua com o objetivo de aprimorar recursos expressivos que convencessem o auditório.
Já próximos da era cristã, temos os estudos gregos realizados na famosa Biblioteca de Alexandria que reunia um espetacular acervo de manuscritos antigos com textos de poetas, dramaturgos, filósofos e historiadores.
Dos estudos de seus grandes autores e de suas produções literárias consagradas originaram-se a filologia e a gramática.
Durante os referidos estudos, os alexandrinos desenvolveram métodos que descreviam e comentavam os aspectos da linguagem que encontravam nos textos. Aspectos de métrica, ortografia e pronúncia entre outros que vinham a ser a primeira sistematização da língua.
A contribuição dos alexandrinos possuiu valor inestimável, tanto que atribuí-se a um alexandrino erudito, Dionísio Trácio , a autoria da primeira gramática conhecida.
Dionísio Trácio definia sua gramática como sendo “o conhecimento empírico do comumente dito nas obras dos poetas e prosadores”. Os primeiros gramáticos perseguiam dois objetivos: descrever a língua e estabelecer um modelo a ser seguido por todos os que escreviam.
Com a incorporação da Grécia aos domínios romanos no século II A.C a elite romana passou a valorizar fortemente a cultura grega. Com a incorporação de Alexandria, Roma também absorveu seus estudos gramaticais.
Durante a construção do império, sentiu-se a necessidade de centralização do poder e consequentemente a busca de uma unidade vocabular que viabilizasse a comunicação com as diferentes regiões conquistadas.
Adotava-se assim, a concepção normativa desenvolvida pelos alexandrinos e empenhavam-se na fixação e cultivo de um latim modelar em consonância com a linguagem dos poetas e prosadores gregos consagrados.
Atribuí-se a primeira gramática latina a Varrão, discípulo do alexandrino Crates de Malos que definia sua gramática como “a arte de escrever e falar corretamente e de compreender os poetas”.
Em suma, no império romano, entendia-se por pessoa culta aquela que falava e escrevia bem, sendo estas qualidades inerentes as elites masculinas com alguma posse, da qual se esperava um domínio da fala nos espaços públicos e na escrita o uso das formas preconizadas como corretas.
Nos primeiros séculos de nossa era os romanos produziram diversas gramáticas do latim, dentre as quais merece menção a de Prisciano, escrita durante o governo do imperador Justiniano.
Posteriormente, em decorrência da fragmentação do Ocidente pela invasão das hostes germânicas, reduziu-se a atividade intelectual e nada de novo se produziu em termos de estudos gramaticais.
Adotou-se assim, a gramática do latim como referência pedagógica durante todo o período medieval.
Procurou-se preservar um latim clássico cristalizado como língua de erudição.
O panorama lingüístico, depois das invasões germânicas mostrava-se complexo. De um lado, uma pequena elite que esforçava-se por manter um latim clássico, principalmente em situações formais como: ensino, na administração pública e nos rituais religiosos.Em contrapartida, na comunicação cotidiana, desenvolviam-se as línguas vernáculas, herdeiras do latim popular falado.
Na transição dos séculos XV para o XVI, iniciaram-se os estudos gramaticais das línguas vernáculas.
Com o surgimento dos novos Estados Centralizados, surgiu a necessidade de uma sistematização dessas línguas em um registro normativo que contribuísse aos objetivos de unificação lingüística.
Dentre essas, podemos destacar o português e o castelhano, pois além de línguas nacionais, estavam tornando-se línguas imperiais, ganhando assim, um novo status político.
A primeira dessas línguas a ter uma gramática escrita foi o castelhano, cujo autor, Antonio de Nebrija, a publicou em 1492 e dedicou-a aos reis católicos, Fernando e Isabel, cujo casamento selou a união entre os reinos de Aragão e Castela.
As primeiras gramáticas do português surgiram em 1536, quando Portugal estava no apogeu político, tendo se firmado como primeira potência marítima e mercantil do mundo moderno.
Podemos destacar entre elas a de João de Barros, publicada em 1540. Assim a definia seu autor: “É vocábulo grego: quer dizer ciência de letras. E segundo a definição que lhe deram os gramáticos, é um modo certo e justo de falar e escrever, colhido do uso e da autoridade dos barões doutos”.
No que tange a ortografia, o português só encontra estabilidade durante o século XX, quando o assunto torna-se questão de Estado e criam-se leis que fixam a ortografia oficial.
Como vimos anteriormente, o objetivo dos primeiros gramáticos era estabelecer um padrão de língua para os novos Estados. Essa padronização combinava dois aspectos: o prestígio social da variedade falada em situações monitoradas pela aristocracia e o cultivo de uma língua vernácula que mesclava á língua moderna, modelos estilísticos dos escritores latinos clássicos.
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Mudança de paradigmas...
Vimos anteriormente que o estudo da língua entre os gregos e os romanos objetivava o domínio de habilidades na fala e na escrita. A gramática exercia um papel secundário, servindo de subsídio para o desenvolvimento das competências acima referidas.
Portanto, não tínhamos um estudo da gramática por ela mesma, e sim, uma reflexão voltada para a estrutura da língua, os padrões de correção e os recursos retóricos, visando sempre a melhor maneira de falar e escrever.
Com a queda do Império Romano, transformações sociais, políticas e culturais, restringiram os espaços públicos do uso da fala, e a escrita ficou relegada aos mosteiros.
Uma vez confinada a espaços tão restritos, o latim (como língua cultivada pelos eruditos), adquire cada vez mais um caráter artificial. A língua da população há muito se distanciara do ideal erudito, devido às influências dos diversos dialetos latinos das regiões conquistadas pelo império, e posteriormente, pelo contato com as variações germânicas trazidas pelas hordas invasoras.
Aliado a tudo isso, tinha-se ainda, o agravante de não existirem mais falantes nativos, o que conferia um caráter ainda mais artificial ao latim reconhecido como erudito.
Logo, a gramática que antes servia como meio de se aperfeiçoar o domínio da língua materna, tornou-se o ponto de partida para aprendê-la.
À medida que o domínio do latim torna-se mais restrito e exclusivista, devido a já não haver mais referencial vivo como modelo social, as gramáticas adquirem uma feição descritiva e normativa.
Agora, parte-se do estudo gramatical para então seguirem à leitura e estudo dos textos e à prática da fala e da escrita o que figura-nos notadamente, uma inversão em relação às práticas anteriores.
Temos aí, o aparecimento de dois vícios pedagógicos que herdamos e sustentamos até os dias de hoje: o normativismo e a gramatiquice.
E o Brasil?...
Esse modelo de ensino da língua chegou-nos pelos idos do século XVI, trazido pelos jesuítas.
Aqui encontrou solo fértil para germinar e disseminar, dadas as características elitistas e excludentes da sociedade colonial que restringia o acesso à educação escolar.
A codificação do português no Brasil, ocorre na segunda metade do século XIX e de maneira artificial.
A elite empenha-se em atribuir um caráter lusitano de escrita, adotando-se como referência, escritores portugueses do romantismo.
Nossa escrita percorreu complexos caminhos, criando um fosso enorme entre a língua efetivamente falada pelos brasileiros e o modelo anacrônico de “padrão” adotado pelas gramáticas.
Uma análise mais acurada permite-nos identificar mudanças substanciais na norma escrita ao longo do século XIX.
Por incrível que pareça, mudanças não em direção de um abrasileiramento, mas em sentido oposto, notamos um esforço de identificação com o padrão lusitano.
Paradoxo...
Uma vez tornado politicamente independente, supunha-se um distanciamento do “falar” e do “escrever” do colonizador, no processo de construção de uma identidade nacional.
Ao contrário, temos uma lusitanização da escrita. E se a princípio esta figura-nos como um paradoxo, em contrapartida, uma análise econômica e social revela-nos consonância com os projetos hegemônicos de uma elite pós-independência que almejava a construção de uma nação branca e europeizada.
Consequentemente, para levar a cabo tal projeto, necessário seria um distanciamento do “vulgo”.
Entenda-se “vulgo”, por uma população mista e de ascendência africana.
Tinha-se como projeto principal uma higienização da raça, leia-se um embranquecimento da população.
Vemos que rompíamos apenas a dependência política com a metrópole, mas sem deixar de a ela nos assemelhar em muitos outros aspectos, em especial, a língua.
Vejamos alguns trechos que ratificam as propostas desse projeto e as características elitistas e exclusivistas de nossa “antiga” elite.
“Uma razão superior o ilumina, e as suas palavras tornam-se eloqüentes quando trata de demonstrar que o elemento europeu é que constitui, principal e essencialmente, a nossa nacionalidade atual. (...) Como consequência desta grande verdade o autor estabelece igualmente que é com o elemento europeu, cristão e civilizador, que devem andar abraçadas as antigas glórias da pátria, e, portanto a história nacional, cujas fontes não podem remontar mais longe.”
Comentários do intelectual maranhense João Francisco de Lisboa sobre a obra de história do Brasil de Francisco Adolfo de Varhagen. (apud Pinto, 1978:29-30)
Ainda dentro dessa “elite” conservadora, encontramos dois grupos de posições antagônicas no que tange às discussões em torno da língua.
O grupo de puristas apregoava o discurso da unidade e atribuía aos portugueses à legitimação e a propriedade da língua:
“A raça portuguesa, entretanto, como raça pura, tem maior resistência e guarda assim melhor o seu idioma; para essa uniformidade de língua escrita devemos tender. Devemos opor um embaraço à deformação que é mais rápida entre nós; devemos reconhecer que eles são os donos das fontes, que as nossas empobrecem mais depressa e que é preciso renová-las indo a eles. A língua é um instrumento de idéias que pode e deve ter uma fixidez relativa. Nesse ponto tudo devemos empenhar para secundar o esforço e acompanhar os trabalhos dos que se consagrarem em Portugal à pureza do nosso idioma, a conservar as formas genuínas, características lapidárias, da sua grande época... Nesse sentido nunca virá o dia em que Herculano ou Garret e os seus sucessores deixem de ter toda a vassalagem brasileira.”
Trecho do discurso proferido por Joaquim Nabuco na Academia Brasileira de Letras, em 1897. (apud Pinto, 1978: 197-8)
Porém, para outro segmento dessa elite, devia-se “abrasileirar” a língua escrita:
“... devemos admitir tudo o de que precisamos para exprimir coisas ou novas ou exclusivamente nossas”.
Gonçalves Dias (apud Pinto, 1978:38)
“Sempre direi que seria uma aberração de todas as leis morais que a pujante civilização brasileira, com todos os elementos de força e grandeza, não aperfeiçoasse o instrumento das idéias, a língua”.
José de Alencar (apud Pinto, 1978: 76).
“Nós, os escritores nacionais, se quisermos ser entendidos de nosso povo, havemos de falar-lhe em sua língua, com os termos ou locuções que ele entende, e que lhes traduz os usos e sentimentos”.
José de Alencar (apud Pinto, 1978: 123).
Se por um lado a elite letrada divergia em muitas questões, por outro, temos uma convergência na manutenção dos elementos elitistas e excludentes.
Todo esse discurso sobre “abrasileiramento” da língua, não era proferido sem ressalvas. Vejamos:
“... uma só coisa fica e deve ser respeitada: a gramática e o gênio da língua”.
José de Alencar (apud Pinto, 1978: 38).
Defensores como Alencar e Gonçalves Dias entendem como “povo” seus iguais letrados, excluindo assim a parcela mais significativa da população.
Em suma, todo o esforço padronizador da nossa língua ao longo do processo histórico, demonstra uma luta de forças e fenômenos que ora selecionam e privilegiam determinadas formas vocabulares, ora as excluem.
A complexidade da questão reside no fato de que esta não se restringe apenas a fatos lingüísticos, contudo envolve uma gama de fenômenos tais como: política, estratificação social, valoração sociocultural e tantos outros que tornam a questão da língua um imenso imbróglio em que não desponta para um futuro próximo uma solução crível.
Muitos dos fenômenos fixados como cláusulas pétreas em nossa gramática foram estabelecidos de forma arbitrária, sendo que José de Alencar apontava que muitos dos tais “erros” ocorriam frequentememnte nos escritores clássicos da língua.
Como visto anteriormente, os criadores da gramática há 2000 anos, estabeleciam uma padronização embasados numa legitimação pelos clássicos.
Já no Brasil, a arbitrariedade chegou ao ponto de alguns dos nossos gramáticos acusarem os clássicos de terem errado, sempre que seus usos contrariassem as regras por eles inventadas:
“Os exemplos colhidos nos clássicos mais corretos, que porventura contrariem esta regra, não lhe tiram o caráter imperativo, e devem ser tidos por meros deslizes ou desatenções.”
Comentário de Laudelino Freire (p.18) sobre a regra que determina a obrigatoriedade da anteposição do pronome átono ao verbo quando precedido de: onde, quando, como. (Freire, L. Regras Práticas para bem escrever. Rio de Janeiro: Editora A Noite).
Capítulo dois: Do mítico ao científico
Todos os estudos sobre a linguagem, modernos ou antigos, denominamos genericamente de Lingüística. Estes estudos englobam também a gramática tradicional.
No entanto, de maneira mais precisa, o ano de 1916 foi um divisor de águas em se tratando de estudos da linguagem.
Foi naquele ano que Charles Bally e Albert Séchehaye publicaram, em francês, o livro Curso de Lingüística Geral, do suíço Ferdinand de Saussure.
O livro publicado por Charles e Albert foi baseado nas anotações feitas durante as aulas com Saussure do qual eram discípulos.
Saussure elaborou um modelo abstrato a partir dos atos de fala, insistindo que a língua é um “sistema que conhece apenas sua ordem própria” e que “a linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma”.
Baseado nessas premissas, outros pesquisadores desenvolveram sistemas e elaboraram suas teorias, tais como: Bloomfield, Hjelmslev, Chomsky e outros.
Todos concordavam em delimitar o campo de suas pesquisas, eliminando tudo o que não fosse à estrutura abstrata que definiam como objeto de estudo.
No entanto, este tipo de consideração parcial dos fatos, apesar de constituir uma contribuição inegável ao estudo geral das línguas, mostra-se insuficiente. Os sistemas até então desenvolvidos não levam em consideração o fato de as línguas não existirem sem as pessoas que as falam, e a história de uma língua ser a história de seus falantes.
Em oposição a Saussure, o linguísta francês, Antoine Meillet, redigiu numerosos textos, insistindo no caráter social da língua, definindo-a como um fato social.
Digno de nota salientar a filiação de Meillet ao sociólogo Émile Durkheim:
“Os limites das diversas línguas tendem a coincidir com os dos grupos sociais chamados nações; a ausência de unidade de língua é o sinal de um Estado recente, como na Bélgica, ou artificialmente constituído, como na Áustria.”
Apesar de Meillet, ser-nos apresentado, comumente, como discípulo de Saussure, distancia-se, na resenha que faz do livro “Curso de lingüística geral” ao ressaltar quê, separando variedade lingüística das condições externas que dela dependem, Saussure a priva de realidade, reduzindo-a a uma abstração inexplicável.
As oposições de Meillet, o colocavam em contradição com uma das dicotomias saussurianas, sincronia e diacronia.
Na última frase do “Curso de lingüística geral”, lemos “a lingüística tem por único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma”.
Contradição porque a afirmação do caráter social da língua que vemos na obra de Meillet possui uma convergência interna e externa dos fatos da língua, abordando-os de forma sincrônica e diacrônica, buscando explicar a estrutura pela história.
Para Meillet, a língua como fato social deveria ser o cerne da teoria lingüística, tendo assim, implicações metodológicas.
Enfim, enquanto Saussure distingue estrutura de história, realizando um trabalho muito mais terminológico com o fito de embasar teoricamente esta ciência, Meilllet, em sentido oposto, é programático, desejando que se leve em conta o caráter social da língua.
Logo no início da lingüística moderna, temos dois discursos opostos: Um de caráter estrutural que insiste na forma da língua e um outro discurso que insiste em suas funções sociais.
Discursos estes que, durante quase meio século irão se desenvolver paralelamente, sem nunca se encontrarem.
Ao longo dos anos desenvolveram-se diversas teorias acerca da língua, desde concepções marxistas até as teorias de Bernstein e as deficiências lingüísticas e as tentativas de síntese de Willam Bright.
Contudo, a grande retomada das concepções idealizadas por Meillet, é aprimorada por William Labov , quando, em 1966 publica seu estudo sobre a estratificação social do /r/ nas grandes lojas de departamentos nova-iorquinas.
Este estudo soa como uma espécie de manifesto, vide o título: Estudo da língua em seu contexto social.
Em uma passagem clara fica evidente o laço que os une: “Para nós, nosso objeto de estudo é a estrutura e a evolução da linguagem no seio do contexto social formado pela comunidade lingüística”. Em suma: a sociolinguística é a linguística.
São das pesquisas de Labov que surgirá a corrente conhecida pelo nome de “linguística variacionista”.
Alguns fatores que merecem ser analisados: Toda língua varia
Comumente, quando interpelados, a grande maioria afirma que no Brasil falamos Português.
Contudo, por sermos um país de dimensões continentais, alguns fatos condicionadores devem ser levados em consideração.
O mito da unidade lingüística...
Fazendo uma análise mais minuciosa, é fácil constatarmos a variedade de línguas faladas no Brasil.
Primeiramente e em diversos pontos do país, temos as línguas sobreviventes das civilizações indígenas que, embora a coerção para um aculturamento, ainda resistem.
Há ainda o fato de quê com o fim da sociedade escravocrata e o início da industrialização e a guerra mundial, aportaram no país um sem número de imigrantes: italianos, japoneses, alemães.
Embora tais comunidades constituam uma minoria, influenciaram o léxico impedindo o português de formar um bloco vocabular compacto, tornado-o uma amálgama de coisas aparentadas as quais podemos denominar variedades.
Podemos apontar dentre tantas as principais diferenças, sendo elas:
_ diferenças fonéticas
_ diferenças sintáticas
_ diferenças lexicais
_ diferenças semânticas
_ diferenças no uso da língua
Enfim, toda língua varia, o que temos em suma são diferenças entre o português padrão e o não padrão. Vamos delinear as principais:
PORTUGUÊS PADRÃO: (artificial, adquirido, aprendido, conservador, tradição escrita, prestigiado, oficial com tendências refreadas e falado pelas classes dominantes).
PORTUGUÊS NÃO PADRÃO: (natural, transmitido, apreendido, funcional, inovador, tradição oral, estigmatizado, marginal, tendências livres e falado pelas classes dominadas).
Vamos nos ater agora a dois problemas que disfarçados de preconceito lingüístico, são na verdade preconceitos sociais, sendo eles a marginalização e a estigmatização.
Percebemos a forte influência político e econômica imbricada na língua, que a utiliza como instrumento de dominação e adestramento das grandes massas, relegando a um segundo plano os oprimidos e desterrados que não possuem o direito á sua própria palavra, sua voz legítima que denuncia uma realidade opressora e ao mesmo anuncia a possibilidade de mudança, a deflagração da justa ira.
FATOS: (rotacização do L nos encontros consonantais).
Palavras como probrema, Cráudia, pranta são atribuídos a pessoas de baixa escolaridade, ignorantes, caipiras e predominantemente moradores da periferia. Porém se fizermos um exame mais acurado e despojado de pré-julgamentos, verificaremos historicamente que originariamente em latim, palavras grafadas com ‘l’ conservaram-se em francês e espanhol e somente em português é que se substituiu pelo “r”.
Vemos tal evento ocorrer em exemplos clássicos, perceba:
“E não de agreste avena, ou frauta ruda” (canto1, verso5).
“Doenças, frechas, e trovões ardentes” (X, 46).
“Nas ilhas Maldiva nasce a pranta” (X, 136).
Estes excertos são dos Lusíadas de Camões, alguém ousa dizer que o maior vate português não sabia sua língua?
O português apresenta uma tendência natural em transformar o “R” em “L”, isto é o que denominamos de rotacismo.
Outra tendência popular é a eliminação das marcas de plural, que condenamos, porém ocorrem naturalmente em outras línguas. Vide exemplos:
My beautiful yellow flower”s” died yesterday
Minha “s” bela “a”s flore “s” amarela “s” morrer “am” ontem.
Em francês ocorre algo parecido, escrevem-se as marcas de plural, mas não as pronuncia.
Logo concluí-se que o chamado erro é na verdade uma questão do prestígio que a língua desfruta num dado momento histórico e contexto político-econômico.
Temos ainda muitos outros fatos como a transformação do “lh” em “i”, o “R” retroflexo que atribuímos a um falar caipira, mas que é amplamente utilizado no inglês: “morning”, “fork”.
Há ainda outros eventos tais como a assimilação e outros tantos que renderam volumes inteiros de livros sobre Lingüística, Sociolingüística, etnografia e outros.
O que volto chamar a atenção é para na ocorrência de tais eventos, que são cientificamente explicáveis, não incorramos no erro, como futuros formadores, de pré-julgar e desautorizar um falante natural da língua, porém pertencente às minorias, refutando o seu saber por errado e expondo-o a ridicularização por parte dos colegas quando não do próprio professor.
Considerações finais:
“Todo planejamento educacional, para qualquer sociedade, tem de responder ás marcas e aos valores dessa sociedade. Só assim é que pode funcionar o processo educativo, ora como força estabilizadora, ora como fator de mudança. Às vezes preservando determinadas formas de cultura. Outras interferindo no processo histórico instrumentalmente. De qualquer modo, para ser autêntico é necessário ao processo educativo que se ponha em relação de organicidade com a contextura da sociedade a que se aplica”.
Paulo Freire
Vivemos em um momento histórico, em que se questiona o atual modelo econômico de acumulação capitalista, que elimina qualquer possibilidade de uma vida digna a um contingente enorme da população. A acumulação de capital no então chamado processo de globalização, produz fome, desemprego e violência.
Reflitamos qual a importância da educação, neste início de século, contra tal força tão poderosa que anula a subjetividade do indivíduo, transformando-o de alguém em alguma coisa e reduzindo tudo a um valor de mercado em quê o fetiche consumista torna-se o limite do sonho. Nenhum momento da história foi tão voraz em produzir pobreza e excluir os não alinhados.
Não podemos tomar emprestadas formulações de pensadores da educação próprias de sua contemporaneidade e aplicá-las hoje de forma acrítica e anacrônica.
Entretanto, algumas dessas formulações possuem aplicabilidade para o momento educacional atual.
Uma delas é a importância do diálogo em um projeto educativo que se diga libertador.
Defendo uma postura dos atores educacionais engajada, aliada à luta por transformações sociais, dada à obviedade do caráter político da educação. O foco deve ser a educação popular como instrumento de emancipação das classes populares. Uma postura que assim se portasse, promoveria a emersão do povo, com uma maior participação dos movimentos populares que produzem seus intelectuais e que fazem uma concepção orientada de educação. Concepção esta que prima por princípios norteadores tais como: ação dialógica, como matriz de uma educação democrática, organicidade da educação com o contexto histórico cultural e etc.
A atualidade da discussão acima proposta advém das divergências conceituais que suscita.
Tal debate sugere não só a participação de educadores, como de sociólogos, economistas e pensadores brasileiros da educação na problemática nacional.
No entanto, não podemos dissociar quaisquer formulações teóricas da práxis educacional.
Práxis que se efetiva num conhecimento da realidade, estudando-a profundamente e através de um engajamento efetivo e uma opção política formada.
O substrato desta práxis social consiste na relação dos homens entre si e com seu meio.
“Em realidade, não nos será possível nenhum verdadeiro equacionamento de nossos problemas, com vistas a soluções imediatas ou a longo prazo, sem nos pormos em relação de organicidade com a nossa contextura histórico cultural. Relação de organicidade que nos ponha imersos na nossa realidade e de que emerjamos criticamente conscientes. Somente na medida em que nos fizermos íntimos de nossos problemas, sobretudo de suas causas e de seus efeitos, nem sempre iguais aos de outros espaços e de outros tempos, ao contrário, quase sempre diferentes, poderemos apresentar soluções para eles”.
Paulo Freire
Fica aqui o conclamo àqueles envolvidos direta ou indiretamente no processo educacional, ou seja, todos; uma vez que nos relacionamos dialeticamente com o mundo agindo e interferindo nele como seres causais do processo histórico e não meros produtos de uma força determinista alheia à nossa vontade. Devemos portar-nos como sujeitos em constante processo de aprendizagem-ensino, evitando incorrermos no equívoco de nos sujeitarmos a uma prática conteudista e depositária, em que o saber-fazer do alunado seja ignorado, tornando o ensino descontextualizado da práxis de vida do discente e da comunidade a qual ele se insere. O saber fomentado pelos mestres deve ser precípuo na formação do ser crítico e no incentivo à vocação ontológica do ser humano que é o “ser mais”. Ser de superação e de ilimitado aperfeiçoamento.
A supressão da voz dos “esfarrapados do mundo” corrobora com o status quo da elite da sociedade.
Elitismo pernicioso que entorpece os sentidos, através dos meios que lhe são próprios, fazendo-nos esquecer do passado histórico cujos fundamentos se alicerçam sobre o extermínio de mais de seis milhões de índios e doze milhões de negros.
È pertinente lembrarmos que todo este genocídio ocorreu com a benção papal e a condescendência da Santa Sé, vide bula Inter Coetera, de quatro de maio de 1493 a qual transcrevo aqui parte:
(...) por nossa mera liberalidade, e de ciência certa, e em razão da plenitude do poder apostólico, todas ilhas e terras firmes achadas e por achar, descobertas ou por descobrir, para o Ocidente e o Meio-Dia, fazendo e construindo uma linha desde o pólo Ártico(...) quer sejam terras firmes e ilhas encontradas e por encontrar em direção à Índia, ou em direção a qualquer outra parte, a qual a linha diste de qualquer das ilhas que vulgarmente são chamadas dos Açores e Cabo Verde cem léguas para o Ocidente e o Meio-Dia(...) A vós e a vossos herdeiros e sucessores ( reis de Leão e Castela ) pela autoridade do Deus onipotente a nós concedida em S.Pedro, assim como do vicariado de Jesus Cristo, a qual exercemos na terra, para sempre, no teor das presentes, vô-las doamos, concedemos e entregamos com todos os seus domínios, cidades, fortalezas, lugares, vilas, direitos, jurisdições e todas as sentenças. E a vós e aos sobreditos herdeiros e sucessores, vos fazemos, constituímos e deputamos por senhores das mesmas, com pleno, livre e onímodo poder, autoridade e jurisdição. (...) sujeitar a vós, por favor da Divina Clemência, as terras firmes e ilhas sobreditas, e os moradores e habitantes delas, e reduzi-los à Fé Católica.(...)
Elitismo que encontra assim uma forma exeqüível de propagação dos preconceitos sociais, raciais e de classe utilizando-se da língua como instrumento dissimulador de um projeto hegemônico excludente e unilateral.
É dever, como educadores, fazermos-nos “pedra de tropeço” e constituindo-nos em vanguarda na luta contra tão vil intento, colaborando na deflagração da justa ira.
William Jacobs.