Quanto Mais A Coisa Muda Mais A Coisa Fica Igual

A prática pedagógica necessita urgente de uma abordagem sócio-interativa, desde que toda aprendizagem é um processo vigente no contexto sócio-histórico, a partir do qual os indivíduos interagem.

A docente e o discente precisam de um discurso atualizado, a partir do qual o aprendiz tenha condições de desenvolver habilidades e estabelecer valores (Oliveira, 1999). No processo de ensino-aprendizagem não podem ser ignorados os investimentos em atualização e/ou reciclagem docente. Do contrário, a academia vai tornar-se, cada vez mais, um lugar de faz-de-conta que eu ensino, e você, aluno, deve fazer-de-conta que aprende. Esta é a suposta ética atual do ensino/aprendizagem.

É impressionante que durante esses oito períodos do Curso de Licenciatura em pauta, não tenha havido prática de aprendizado teórico pertinente ao exercício de escrever ficcional. A este discente parece um absurdo didático, uma falha curricular inexplicável, que os discursos docentes neste sentido interativo, tenham sido, quando muito, medíocres. E a prática, inexistente.

A interação (gramática, leitura, produção textual, análise literária e lingüística) é o valor referencial mais essencial ao funcionamento de uma cultura. Sem ela, a força das influências multinterativas, não vai haver um processo pertinente de aprendizado, produção de conhecimento e produção intelectual (Brunner, 1996). Sem essa força inexiste ensino-aprendizado, e a educação vai continuar na didática do faz-de-conta.

O conhecimento teórico das convenções da língua escrita tem, obviamente, aplicação prática imediata para alguém que esteja produzindo um texto escrito... Aplicação prática imediata que pode levar o professor a ensinar teoria gramatical, ou pelo menos justificar o ensino de uma certa parte da teoria gramatical, dando ao aluno nomenclatura e noções conceituais de análise sobre certos elementos da língua, possibilitando o uso desse conhecimento como recurso auxiliar de ensino da língua, em atividades de gramática reflexiva, de uso ou normativa (Travaglia, 1996).

Este quadro teórico muito tem contribuído nos estudos associados à formação reflexiva de professores (Liberali, 1999; Magalhães e Celani, 2001). A partir do contato estabelecido com a produção acadêmica e o meio ambiente da elaboração textual dos alunos e seus semelhantes, todos passam a adquirir mais informações, a desenvolver novas habilidades e a estabelecer valores consistentes (Oliveira, 1999).

A linguagem exercitada na produção de textos constitui a instância horizontal, o critério mesmo de emancipação da humanidade (Siebeneichler, 1989). A linguagem enquanto instrumento do agir comunicativo (Habermas (1987). Vigotsky sugere a teoria sócio-histórica de desenvolvimento e apresenta os pensamentos e as ações humanas enquanto mediadores e criadores de linguagem.

Habermas chama a atenção para a teoria da ação comunicativa, metamorfoseando o velho paradigma da racionalidade em novos modelos linguísticos, questionando as relações sujeito/objeto, saindo destas, para uma relação intersubjetiva entre sujeitos que migram de uma filiação ideológica ou filosófica, para outra, criando com essa outra um consenso acerca de uma nova visão do mundo.

A academia necessita urgente, presumo, de docentes que estejam aptos a produzir discursos que motivem no plano interpessoal, a realização de atividades de produção textual, a partir da qual todas as outras atividades acadêmicas podem se manifestar. A exemplo da análise lingüística, da leitura e do ensino das gramáticas. A partir desse discurso docente pertinente, quase que totalmente ausente das salas de aula, poderá se estabelecer, entre os sujeitos capazes da linguagem, a ação de comunicarem entre si os atos e fatos culturais, e serem, eles mesmos, agentes desses atos e fatos, enquanto produtores de cultura.

A produção de textos nas salas de aula das academias, suscita a articulação entre o mundo objetivo dos enunciados, o mundo social das normas estabelecidas, e o mundo subjetivo das representações individuais dramatizadas a partir da criação de personagens que interagem entre si, criando a possibilidade da manifestação de novos discursos e paradigmas, como teoriza Morin.

Segundo Vigotsky, a palavra escrita, a criação de discursos literários, ?desempenha um papel central, não apenas no desenvolvimento do pensamento, mas também na evolução histórica da consciência, pessoal e coletiva, como um todo. A palavra escrita é o microcosmo da consciência humana?. Presumo, mais que o discurso da oralidade.

A comunicação pela fala por vezes sugere improvisações. O discurso da composição literária, ficcional, científica ou realista, permite uma maior intimidade com as possibilidades subjetivas de elaboração ou dramatização da realidade. Essa modalidade discursiva está, afirmo sem exagero, completamente esquecida nas salas de aula da academia. Posso afirmar, com a experiência de quem conclui o oitavo período do curso mencionado, que a produção de texto ficcional nesta Licenciatura Plena em Letras, é simplesmente zero. Nada. E a coisa vai se encaminhando da mesma forma nessa Especialização em Literatura Infanto-Juvenil.

Continua vigente a política acadêmica do faz-de-conta que este é um Curso de Licenciatura Plena em Letras ou uma Pós-Graduação (Especialização) em Literatura Infanto-Juvenil. . . Se ninguém ensina e ninguém aprende a exercitar a criação de textos ficcionais e/ou de encantamento. Se os discentes não estão neste curso para isso, então, por que fazê-lo? Apenas pelo pedaço de papel da Especialização? O diálogo silencioso do aluno para o professor e deste para os alunos parece que se pode traduzir no texto do diálogo direto:

— Faz-de-conta que eu ensino.

— Faz-de-conta que eu aprendo.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 08/07/2010
Reeditado em 03/06/2011
Código do texto: T2366423
Classificação de conteúdo: seguro