A NECESSIDADE DO FILOSOFAR
A necessidade do filosofar ultrapassa as funções de um Curso de Filosofia em Universidade. Por "filosofar" se caracteriza o pensar, o refletir, o meditar, o analisar e o criticar das ações e do pensamento humano.
Um Curso de Filosofia em Universidade deve ser um agente multiplicador de pensamento e da análise crítica dos fatos humanos. Dizia-me, certa vez um ex-reitor de universidade nordestina que "é um problema querer investir em Filosofia no Nordeste, uma região com tantas necessidades materiais..." Tenho a impressão que este posicionamento demonstra total falta de reflexão filosófica, e total desconhecimento da função da filosofia em qualquer sociedade que queira se humanizar cada vez mais. Ainda mais, numa sociedade muito pouco humanizada como a do Nordeste, onde tudo está por ser feito para criar condições humanas dignas para a maioria dos cidadãos.
Certamente necessitamos de muita ciência e tecnologia para o Nordeste, mas precisamos muito mais de condições humanas para a nossa convivência. Cadê o compromisso social, a honestidade, a civilidade, a educação, o respeito, a justiça no nosso meio? Será que a "ciência e tecnologia", sem a contribuição das ciências humanas, e especialmente da filosofia, vão criar tais valores? E o que as Universidades fazem para que nossa sociedade cresça nas dimensões humanas?
Uma sociedade que se preza em nenhum momento renuncia à decência e aos valores mínimos de respeito ao ser humano. Quem é o acadêmico que analisa o dia-a-dia em nossa sociedade sob este prisma? O que se faz contra tanta violência e homicídios no Brasil. Qualificamos tudo isto como execrando. Mas esta indignação não passa do campus, com alguns debates e dissertações. Já assisti numerosos seminários, defesas de dissertações de mestrado e doutorado... em que se debatem crimes, fogueiras da inquisição, mas são poucos os seminários e dissertações que debatem em profundidade as atrocidades de hoje. Cadê os juristas de formação humanística, que no passado se aprimoravam nas Escolas de Direito do país, onde os acadêmicos se nutriam de filosofia e sentimentos humanitários? Todos os dias os jornais estão repletos de relatos sobre esquadrões da morte, corrupção, drogas, homicídios, falsificações, de prisões sub-humanas. E onde a indignação dos homens da Lei, dos políticos e de tantos cidadãos que se consideram ilustrados? Oh tempora, oh mores! Assim exclamavam os antigos.
O conceito de Universidade já não se define primordialmente como centro de formação de educadores, de humanistas, de juristas interessados em leis justas e equânimes, de agentes da saúde, mas simplesmente se exige que ela seja centro de eficiência e produtividade, centro aprimorado de "ciência e tecnologia". As licenciaturas continuam desestimuladas, com alto índice de evasão. É lógico que ninguém vá empenhar os melhores anos de sua vida para depois ser professor e receber um salário indigno, de fome.
Seria muito melhor um povo educado, usando "carroças" (na expressão do ex-presidente Collor!) do que um povo abestalhado com supersônicos, carros eletrônicos e os mais sofisticados computadores. Ciência e tecnologia, sem sentimentos e valores humanitários, só serve para infernizar a vida de um povo. Os países "civilizados" que, sem dó nem piedade, declaram guerras, provocando indescritíveis crueldades, por acaso não usam a mais alta ciência e tecnologia para exterminar os seus supostos inimigos? Mesmo que tenhamos a mais sofisticada tecnologia, isto não tirará do Brasil a triste fama de "não sermos um país sério", e de sermos um país de ladrões, assassinos, mentirosos, desonestos, genocidas... É preciso que o Brasil se coloque objetivos humanitários, eduque o seu povo para valores éticos, e possibilite uma vida digna para os cidadãos. Do contrário, nossa geração passará para a história como terrivelmente desumana. Pois é injustificável a conivência e a falta de indignação dos acadêmicos com o fato de ainda milhões de cidadãos viverem na mais crassa miséria, sem saúde, sem higiene, sem educação, tendo que viver em barracos sórdidos. Além dos empenhos econômicos, é necessário que aconteça, efetivamente, uma verdadeira revolução educacional. E somente existe educação quando baseada em sólidos princípios filosóficos. E cadê a filosofia neste nosso país, que contribua na transformação da sociedade, e não permaneça enclausurada nos muros das academias?
É verdade, no Brasil existe falta de tudo. Falta ciência e tecologia, mas falta principalmente uma opção pela educação integral do cidadão brasileiro. Por isto é necessário investir muito mais em ciência e tecnologia, mas ainda mais se deveria investir para que as Universidades se tornem centros de educação e de formação de educadores humanitários. Mas de nada adianta investir na formação de professores, e fazer planos educacionais, se não se pagar salários justos e dignos aos mestres da educação.
Se tivéssemos mais pensadores críticos (filósofos!) talvez não deixássemos que se mistificassem os conceitos de "ciência e tecnologia", em detrimento da formação humanística do estudante e do cidadão. Formação "científico-tecnológica", sem correspondente empenho na formação humanística, só serve para embrutecer o povo e estimular os instintos bestiais de ganância, concorrência desenfreada e hedonismo desregrado por parte de minorias, para desgraça de maiorias reduzidas a condições infra-humanas de aviltamento.
Inácio Strieder é professor de Filosofia - Recife/PE