O Ensino da Gramática
Falar sobre gramática - principalmente se for a gramática tradicional - não é fácil, mas é um assunto muito oportuno, visto que estamos sempre ouvindo/discutindo sobre as questões de gramática e da tradição gramatical. A definição de gramática tradicional diz que 'gramática tradicional é aquela que pretende estabelecer regras de uma língua àqueles que já a dominam'. Porém, nesta definição há uma contradição: se os aprendizes já dominam a língua, o que a gramática terá a ensiná-los? Chomsky já dizia: 'Quem fala uma língua sabe muito mais do que já aprendeu'. A gramática tradicional sempre procurou estabelecer uma prática de ensinar a escrever 'certo' tendo em vista as suas regras, que são consideradas imprescindíveis.
O conceito de gramática como um conjunto de regras a serem seguidas pelos falantes de uma língua é o mais conhecido das pessoas em geral, por que é o mais difundido. A escola é a principal responsável pela sua difusão.
A gramática tradicional pressupõe que há uma única forma correta de utilização da língua, segundo padrões pré-estabelecidos pela linguagem escrita, impondo um modelo de linguagem [falada e escrita] que o é de determinada classe social, coincidentemente a classe dominante. Ou seja, aqueles que dominam os setores econômicos acabam impondo aos demais um modelo de linguagem, que se convencionou chamar de culto. Essa gramática, ao padronizar a linguagem, espera que todos os falantes utilizem a língua como ela prescreve, daí valorizar-se sempre o 'acerto' [quando se segue as normas] e repudiar o 'erro' [quando se há o desvio da norma].
A origem deste tipo de gramática é muito antiga. Na antiguidade clássica, as gramáticas escritas pelos filósofos gregos, tinham, além da preocupação em explicar a língua, também o desejo de preservar a íngua grega da corrupção por parte das pessoas não cultas. Esse choque tanto político quanto ideológico que inicia-se na Grécia Antiga deu-nos um motivo e 'abriu espaço para que iniciássemos uma discussão sobre o homem, o mundo e suas relações com a linguagem' [MATTOS, 1996].
Conhecer uma língua é um processo dinâmico que vai além da compreensão racional de como ela funciona. Conhecer uma língua é saber usá-la. De que adiantaria conhecê-la se não pudéssemos utilizá-la? Conhecer uma língua é saber tirar dela todas as possibilidades para uma comunicação ampla em qualquer situação. É ter consciência de que ela é um fato social e que ela existe independentemente de nós.
Segundo LUFT [1998] 'o nosso amadurecimento psíquico e social acompanha o nosso amadurecimento linguístico'. É através do exercício da linguagem que nos afirmamos não só como pessoas, mas como cidadãos, num processo contínuo de busca da liberdade. O conhecimento de uma língua é algo muito maior do que ter noção das normas gramaticais impostas pela comunidade: 'é ser capaz de acionar um saber inato, que é a capacidade humana da linguagem [BAGNO, 2000]. É também a capacidade de reconhecer as variantes linguísticas, identificando o papel social desempenhado pelas pessoas que interagem num processo comunicativo.
É através da prática que podemos desenvolver nossa capacidade linguística. Conhecer a língua não é DECORAR regras gramaticais e listas de palavras. Temos que nos lembrar que as regras naturais da língua nós a conhecemos de modo completo e precisamos da gramática apenas para nos auxiliar na questão das melhores colocações da língua.
Enfim, há a necessidade de se refletir sobre o ensino da gramática pois, como Celso Pedro Luft diz: 'O melhor ensino gramatical da língua culta se cumpre no consumo dioturno das letras - lidas e escritas. Ler e escrever, escrever e ler - é conviver com a gramática em funcionamento. Nada em linguagem, se faz sem gramática. E os melhores textos se fazem com a melhor gramática (incluídas naturalmente regras de arte da linguagem)'.
Texto escrito em Agosto de 2001.