Manifesto Pau-Brasil - Chamem os Modernistas
Chamem os Modernistas
Muito mais do que invocar um gramaticalismo exacerbado, investir contra algumas expressões populares é atacar a estilística, a semântica. Se, como os algozes midiáticos, não posso mais "correr atrás do prejuízo", também não poderia mais "morrer de fome" após um dia inteiro "trabalhando pra cachorro" – é certo que alguns patrões são mais brabos que muitos caninos, mas isso é uma outra história.
Correr atrás do prejuízo, entre outras maneiras de explicá-la, não seria uma maneira pouco inteligente de querer, insanamente, alcançar um prejuízo correndo – por essa indevida interpretação, não popular, mas supostamente acadêmica, ela fora repudiada; mas, correr atrás do prejuízo, como ela é entendida popularmente, ocorre quando alguém é prejudicado e corre, esforça-se, para reverter uma situação adversa, um prejuízo – todos sabemos isso desde sempre.
A propósito, se, correndo atrás do prejuízo, algo perigoso e inesperado acontecer, também não posso mais "correr risco de vida". Ora, a expressão correu risco e, literalmente, perdeu a vida: nenhum canal de televisão nem estação de rádio usa o "risco de vida" para noticiar o estado de alguém que está na iminência de morrer. "Risco de morte" foi eleita em seu lugar. Em "risco de vida", ocorre um caso sintático de complemento nominal, em que a "vida" complementa o sentido do substantivo "risco", que, segundo o Aurélio, pode significar uma situação provável de perda ou ganho de algo: corre-se, então, um provável "risco de se perder a vida". Mas, além disso, é subentendida uma elipse do verbo perder na expressão: risco de perder a vida. Essa última é uma explicação bem simples e mais original da escolha da expressão pelo falante, tendo em vista a ocorrência do processo de economicidade que é fato na língua.
Os gramáticos de plantão, após me lerem, certamente correrão atrás do prejuízo e quererão crucificar-me; estou correndo risco de vida?
Oswald de Andrade foi um grande incentivador da linguagem simples, com a qual se respeita o significado, o estilo, a lógica, o falante. Querer exterminar expressões popularmente já consagradas é desrespeitar o que fora alcançado pelos modernistas a partir de 1922; é, metaforicamente, rasgar o Manifesto Pau-Brasil.